Para analistas, Franco encontrou a casa em ordem em termos econômicos e agora foram destravados in[umeros projetos
A abertura a empresas multinacionais que estão sob suspeita por questões ambientais pauta o primeiro mês de governo de Federico Franco no Paraguai, isolado por parte da comunidade internacional. Entre as medidas questionadas está a habilitação do plantio de algodão transgênico e a construção de uma fábrica de alumínio.
"É preocupante que um governo não eleito pelo voto popular tenha se aberto a esses investimentos (de capitais estrangeiros) sem nenhum controle", disse à IPS o economista Luis Rojas, da organização não governamental Base Pesquisas Sociais. Como exemplo, Rojas citou a permissão dada para utilizar sementes de algodão geneticamente modificado da variedade Bollgard, da multinacional Monsanto, deixando sem efeito os estudos preliminares exigidos para a concessão desse tipo de licença.
Franco designou para chefiar o Serviço Nacional de Qualidade e Saúde Vegetal e de Sementes (Senave) o empresário de agroquímicos Jaime Ayala, que não demorou em inscrever no Registro Nacional de Cultivos Comerciais (RNCC) a semente Bollgard, rejeitada pela mesma entidade semanas antes porque a empresa não apresentava os requisitos exigidos.
Segundo Rojas, a aprovação é ilegalmente porque ainda não havia o parecer técnico da Secretaria do Meio Ambiente nem do Ministério da Saúde, como exige a lei. A sociedade civil também questiona a possível instalação da multinacional canadense Rio Tinto Alcan (RTA) para construção de uma fábrica de alumínio com investimento de 3,5 bilhões de dólares. "A negociação começou praticamente no dia seguinte à mudança de governo", destacou à IPS o analista José Carlos Rodríguez.
O presidente Fernando Lugo, destituído em um julgamento político sumário no dia 22 de junho e horas depois substituído por Franco, havia formado uma equipe para o estudo do projeto. Porém, Franco autorizou o começo das negociações de imediato, sem esperar os resultados dessa análise. Rodríguez questionou que as novas autoridades não estão fazendo nenhum cálculo custo-benefício no que se refere às implicações econômicas e ambientais da instalação neste país de uma empresa com a potencialidade contaminante como a da produção de alumínio.
O atual governo se defende alegando que a fábrica geraria cerca de quatro mil postos de trabalho de forma direta, mas em dezembro passado o então ministro de Obras Públicas, Cecilio Pérez Bordón, assegurou que seriam necessários apenas 1.250 trabalhadores para levar adiante essa produção. Bordón explicou, em seu informe apresentado em uma audiência pública, que todas as matérias-primas e todos os insumos serão importados, exceto a energia elétrica. Também disse que a RTA utilizaria de forma constante 1.100 megawatts (MW), equivalente a nove mil gigawatts/hora (GWh) por ano, e pretende um contrato de consumo entre 2016 e 2045, e renovável.
O Paraguai demanda atualmente 11 mil GWh anuais de energia e produz cerca de 56 mil, com potência próxima de 7.500 MW, somando a central de Acaray e os 50% que lhe cabem dos complexos binacionais de Itaipu, compartilhado com Brasil, e Yacyreta, que divide com a Argentina. A instalação da RTA exigiria mais que o dobro da energia que o país consome hoje. Bordón insistiu na época para não se subsidiar o custo da energia, recomendando que a empresa pagasse o custo real do serviço elétrico que era de US$ 59,7 por MW/h em 200 quilowatts.
"Se a energia for vendida à RTA por US$ 38 o MW/h por 30 anos ou mais, o Paraguai perderá entre US$ 195 milhões e US$ 1,008 bilhão anuais, precisando aumentar a tarifa para os demais usuários, incluído o uso doméstico, aumentar os impostos ou reduzir o investimento público", explicou Bordón. Diante deste cenário, as organizações sociais aumentam seu repúdio ao governo de Franco e afirmam que a destituição de Lugo teve como pano de fundo o objetivo de facilitar a entrada das multinacionais. "O governo não é um interlocutor válido porque não lhe interessa conversar com a sociedade civil. Só o faz com o empresariado", denunciou Rojas.
Isolamento
Por sua vez, o ex-deputado do Partido Colorado do Paraguai Bernardino Cano Radil afirmou que sua agremiação não discutiu este caso em profundidade para adotar uma postura. "Em geral" - disse - "o investimento estrangeiro é positivo, mas se deve estudar em detalhe os benefícios para as empresas locais e os trabalhadores". O Partido Colorado foi o principal motor do julgamento político de Lugo pouco depois de começar seu mandato em 2008, quando o ex-bispo católico acabou com 60 anos de governo hegemônico dessa agremiação política.
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No entanto, a falta de reconhecimento de Franco não acaba nas fronteiras, já que continua tendo em seu favor apenas a aprovação de Taiwan e do Vaticano. Tampouco pode prosperar o recurso apresentado ao Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul para que seja levantada a suspensão como membro do bloco, decidida por seus três sócios, Brasil, Argentina e Uruguai, na cúpula do final de junho na cidade argentina de Mendoza. Agora, as expectativas estão depositadas apenas na OEA (Organização dos Estados Americanos), cuja missão de observação recomendou a esse órgão não suspender o Paraguai. Mas essa decisão também se faz esperar.
Para os analistas, Franco encontrou a casa em ordem em termos econômicos e agora foram destravados projetos de investimento, doações e outros, não inferiores a US$ 500 milhões, não permitidos enquanto Lugo esteve no governo. A isto acrescenta-se a entrada em vigor, após anos de adiamento, do Imposto de Renda Pessoal (IRP), com uma taxa fixa de 10% para quem recebe mais de 120 salários mínimos por ano, equivalente a cerca de US$ 45 mil. Um projeto para impor este tributo foi travado no parlamento na última etapa do governo de Lugo, com a agravante de que não seria tratado até 2015. Porém, no dia 5 deste mês foi aprovado e Franco o promulgou esta semana.
O IRP será cobrado do exercício profissional ou de prestação de serviços pessoais, desempenho de cargos públicos e renda pela venda ocasional de imóveis, entre outras atividades. Também será cobrado dos sócios ou acionistas que obtiverem dividendos das empresas, mas apenas sobre 50% de sua renda. "Trata-se de apenas 10% do excedente para quem ganha muito dinheiro", um universo muito pequeno neste país, explicou Rodríguez. Em uma primeira etapa, atingirá 12 mil contribuintes, neste país de 6,4 milhões de habitantes.
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