Por Luis Nassif (*)
Da redemocratização para cá, o PSDB foi o partido que juntou os melhores quadros técnicos do país. Tinha, em suas hostes, intelectuais, pensadores, bons gestores, quadros técnicos, uma imagem progressista de centro-esquerda e de responsabilidade fiscal.
Quando Fernando Henrique Cardoso assumiu o governo, comprometeu profundamente a imagem progressista do partido, ao se definir pelo modelo de financeirização da economia, cujos representantes eram Pedro Malan e Gustavo Franco.
Mesmo assim, supunha-se que, a partir do ocaso de FHC, o posto pudesse ser ocupado por quadros mais comprometidos ou com desenvolvimento (como José Serra) ou com gestão e tolerância (Aécio Neves). Mas que não perdesse jamais as características de social-democracia que foram a sua marca – e que lhe permitiram empalmar a utopia do crescimento com responsabilidade social.
Nos últimos dois anos, especialmente após a derrota para Lula, nas últimas eleições, o partido perdeu o rumo. Internamente, não conseguiu se decidir entre os representantes do mercadismo – Malan, Arthur Virgílio, Tasso – e os chamados desenvolvimentistas – Serra, Bresser, Nakano. O fantasma de FHC continuou pairando sobre ele, como um ectoplasma insepulto.
Pior, com a derrota, com um candidato fraquíssimo – Geraldo Alckmin - que, a rigor, nada representava de novo no cenário político nacional, sem visão estratégica, o PSDB perdeu o discurso e está embarcando em uma armadilha mortal: o macartismo mais canhestro que tomou conta da chamada grande mídia. É inacreditável como lideranças com passado e história, acabaram aceitando esse jogo simplificador e errado.
Será que, ao propor o índex ao livro de história (escolhido na sua gestão), o ex-Ministro Paulo Renato de Souza não se deu conta da maneira como sua atitude repercutiu em sua base, em seus colegas de Universidade? E não apenas ele. Teoricamente Paulo Renato representava a parcela civilizada do PSDB.
Não se entendeu o Bolsa Família
Há vários problemas nesse jogo. O primeiro, é que essa estratégia, típica da ausência de discurso, parte de um diagnóstico incorreto sobre o segundo governo Lula. O governo Lula é muito pior do que Lula pensa; mas muitíssimo melhor do que seus adversários julgam. A estratégia da desqualificação continuada é burra.
No ano passado, esses Mrs. Magoos, ceguetas, não conseguiram entender o alcance do Bolsa Família. Bastava uma análise mais aprofundada para entender que o Bolsa Família não era aquela bobagem amadora do “Fome Zero”. O trabalho de Patrus Ananias foi de alto nível, com tratamento sofisticado de indicadores e bancos de dados e uma competência metodológica que, em breve, se tornaria modelo.
Não se entendeu o PAC
Do mesmo modo, não entenderam o que significou o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento). Nos primeiros dias após o lançamento, chamei a atenção aqui que se tratava de um modelo novo de gestão de investimentos públicos que, primeiro, mudaria o viés puramente financista do governo; segundo, permitiria um aumento expressivo da capacidade de gestão de investimento assim que os obstáculos fossem removidos.
Não era mero achismo. Bastava ter olhos para analisar a estrutura de anéis de avaliação de programas que estavam sendo montados nos diversos ministérios, a metodologia de acompanhamento e identificação de problemas para se ter a certeza de que, passada a fase inicial de superação de problemas estruturais, o PAC dispararia como um foguete. Isso vai acontecer a partir do próximo ano.
Não se entendeu o CDES
Finalmente, o modelo de ascultar a sociedade, através do CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social), começa a frutificar (veja, a propósito, a Coluna Econômica de amanhã).
Significa que o governo Lula é excepcional? Não. Significa apenas que os diagnósticos sobre ele, com essas desqualificações primárias e preconceituosas, estão errados. Sem um diagnóstico preciso, cai-se na crítica vazia. Pior que isso: embarca-se de carona nesse discurso direitista que, não raras vezes, resvala para o mais puro esgoto e macartismo, como essa inacreditável campanha contra o livro didático.
Armadilha mortal
Hoje em dia o partido se aliou à pior ala do PM (Partido da Mídia). Só que, ao endossar acriticamente esse discurso ultra-direitista e intolerante, o partido altera radicalmente sua essência. Perde a condição de criar uma utopia defensável, uma alternativa legítima ao governo Lula, deixa de agregar novos quadros.
A cada dia que passa, mais o PSDB parece ter a cara da “Veja”. É de causar pesadelos a quem julgava que, depois da eleição de Lula, finalmente o jogo político iria amadurecer - com o processo de amadurecimento do PT, não mais oposição.
Não adianta seus candidatos tentarem mudar o discurso no último ano antes das próximas eleições. A marca já estará muito comprometida para permitir recauchutagem.
Está na hora de dar uma parada nessa marcha da insensatez. O pior que poderia acontecer seria a liquidação antecipada da única alternativa de governo que o país dispõe.
*O Autor é Jornalista e Blogueiro