segunda-feira, 12 de junho de 2017

COMENTÁRIO DO DIA: JUIZ PARCIAL NÃO PODE JULGAR



Mendes será acusado de novo de crime de responsabilidade

Por André Barrocal, na Carta Capital

Gilmar Mendes adora um holofote e por isso é há tempos uma figura conhecida dos brasileiros. Sua
fama atingiu o clímax com o voto que salvou da guilhotina no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o
presidente Michel Temer, com quem se reúne em jatinhos da FAB e no escurinho do Palácio do
Jaburu. Nos próximos dias, o juiz continuará na berlinda. Agora, é a cabeça dele que estará em jogo.
Um grupo de juristas levará ao Senado um pedido de impeachment de Mendes, mais um, aliás, na
quarta-feira 14. O embaraço do togado mais poderoso de Brasília terá outros dois ingredientes: uma
notícia crime a ser apresentada à Procuradoria Geral da República (PGR) e uma representação
disciplinar no Supremo Tribunal Federal (STF), onde Mendes também dá expediente.
Em conjunto, os três casos podem encerrar a carreira de Mendes no Judiciário - ainda que na forma
de aposentadoria compulsória, ou seja, ele para de trabalhar, mas ainda recebe salário - e impedi-lo
de exercer qualquer outra função pública.



Assinam a papelada Claudio Fonteles, ex-procurador-geral da República, Marcelo Neves, ex-
membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e Hugo Cavalcanti Melo Filho, ex-presidente da
Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), entre outros. Fonteles e Neves já
tinham proposto o impeachment de Mendes em setembro de 2016, mas o Senado engavetou.
O ponto de partida das ações contra Mendes é uma conversa telefônica tida por ele com o presidente
licenciado do PSDB, Aécio Neves, em 26 de abril. O tucano foi afastado do mandato de senador e
denunciado pela PGR ao Supremo pelos crimes de corrupção e obstrução à Justiça. Para cometer
esse último crime, Aécio teria acionado o juiz.
No telefonema, grampeado pela Polícia Federal (PF) pois o tucano estava sob investigação, Aécio
pede a Mendes que fale com um senador do PSDB, Flexa Ribeiro, do Pará, para tratar de certa
votação. Pelo contexto e pela data, é possível concluir que se tratava da votação da Lei de Abuso de
Autoridade, projeto visto pela PGR como uma tentativa de constranger investigações de corrupção.
Resposta de Mendes a Aécio: "Tá bom, tá bom. Eu vou falar com ele. Eu falei… Eu falei com o
Anastasia e falei com o Tasso… Tasso não é da comissão, mas o Anastasia… O Anastasia disse: 'Ah,
tô tentando'..." Anastasia é Antonio Anastasia, senador pelo PSDB de Minas. Tasso é Tasso
Jereissati, senador pelo PSDB do Ceará.
No pedido de impeachment e na notícia crime, os juristas alegam que Mendes exerceu atividade
político-partidária, como demonstrariam o contato e a intimidade com o quarteto de senadores
tucanos: Aécio, Anastasia, Tasso e Flexa. Segundo a Lei do Impeachment, a 1.079, de 1950, um
magistrado comete crime de responsabilidade se "exercer atividade político-partidária".
A mesma lei diz que também é crime um juiz "proceder de modo incompatível com a honra,
dignidade e decoro do cargo". Aécio Neves é investigado em vários inquéritos no STF, dois deles
conduzidos por Gilmar Mendes. Para os juristas que vão denunciar o juiz, Mendes violentou o
decoro do cargo ao falar por telefone, por razões particulares, com um investigado.
Na notícia crime a ser levada ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, haverá
provavelmente uma pergunta para ser examinada pelo "xerife". Será que Mendes não teria cometido
também um comum previsto no artigo 321 do Código Penal, o de advocacia administrativa?
Segundo este artigo, patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração
pública, valendo-se da qualidade de funcionário, é crime. Dá de um a três meses de cadeia. A
depender do entendimento de Janot, pode nascer daí uma denúncia por crime comum contra Mendes.
Por fim, na reclamação disciplinar a ser apresentada no STF, Mendes será acusado de violar a Lei
Orgânica da Magistratura (Loman, de 1979) e o Código de Ética da Magistratura (de 2008). Segundo
o artigo 26 da Loman, um magistrado perde o cargo no caso de "exercício de atividade partidária".
Diz a mesma Lei, no artigo 35, que um juiz está obrigado a "manter conduta irrepreensível na vida
pública e privada".
Já o Código de Ética da Magistratura veda participação de juiz em atividade político-partidária, diz
que ele deve agir com transparência (o telefonema com Aécio seria opaco), ter integridade fora da
vida judiciária e comportar-se na vida privada de modo digno.
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