Cai o primeiro ministro-grego Yorgos Papandreu, substituído por um emissário do sistema bancário. Cai o presidente do Conselho Italiano, Silvio Berlusconi, substituído por outro tecnocrata interlocutor do sistema financeiro. A crise da dívida cobrou mais do que estas duas vítimas: na Espanha modificou a agenda eleitoral; em Portugal os partidos implementaram reformas ditadas pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) e pelo BCE (Banco Central Europeu); na Irlanda o desastre conduziu ao mesmo beco sem saída.
A democracia europeia se converteu em uma democracia de banqueiros. A vontade das maiorias foi substituída por dirigentes saídos do coração dos bancos e que jamais se expuseram ao voto nem conquistaram nunca um mandato eletivo. O medo das urnas, ou seja, que o eleitorado rejeite os ajustes e a guilhotina social, conduz a colocar marionetes dos bancos à frente do Estado. Nunca como agora a ditadura dos mercados havia forçado o destino dos povos. As agências de qualificação desfazem as maiorias eleitas e as substituem por representantes da racionalidade financeira, as contas sem déficits e artesãos da decapitação social.
A democracia europeia afunda nos braços das finanças. O continente da liberdade se transformou em continente “Wall Street”. Gestores das finanças e dos bancos, sem a menor legitimidade democrática, chegam ao poder com o pôquer dos ajustes. O deputado e economista alemão Michael Schlecht, responsável pelo bloco parlamentar do partido Die Linke (A Esquerda) analisa nesta entrevista o transtorno das democracias européias e denuncia o papel que desempenhou o capitalismo alemão nesta mega crise. Para Michael Schlecht, a democracia está se evaporando do Velho Continente.
A democracia Européia está sendo construída pelos bancos, não pelos eleitores que decidem por uma maioria? Para além do que pensemos deles, Papandreu e Berlusconi são as vítimas mais recentes desta nova doutrina?
A resposta é muito simples. A democracia está desaparecendo dia após dia na Europa. Por exemplo, quando no dia cinco de junho passado se organizaram as eleições em Portugal, a Troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu, União Européia) pediu aos dois partidos políticos portugueses que tinham chances de ganhar as eleições que assinassem um acordo diante do qual se comprometessem em implementar as condições impostas pela Troika. Agora isso aconteceu com a Grécia e é a vez da Itália. Por conseguinte, pode-se dizer que os portugueses não tiveram eleições verdadeiramente livres. Foi usada uma arma contra eles. Na realidade, com esta política européia, a Alemanha está defendendo com unhas e dentes os interesses financeiros, os interesses do mercado. O governo de Angela Merkel tem uma atitude muito agressiva neste ponto. É uma agressão sem tanques. Mas o resultado é o mesmo.
Isso equivale dizer que a Alemanha é hoje a grande polícia financeira da Europa? A Alemanha, junto com a França, foi a vanguarda da substituição de poderes surgidos das urnas por tecnocratas teleguiados pelos bancos?
O que a Alemanha está fazendo é dando seu acordo ao que está ocorrendo. A Alemanha está preparando o terreno porque tem um excedente de exportações muito maior que suas importações. Nos últimos dez anos o excedente alemão alcançou um trilhão de euros. Por outro lado, este excedente gigantesco acarreta uma contrapartida da outra parte: faz com que a dívida cresça nos países importadores. Cerca de 50 ou 60% da dívida criada por esta política alemã aparece nas contas dos demais países da Europa. Todos falam da dívida na Europa, mas ninguém diz nada sobre o país que ganha muito com esta dívida. E este país é a Alemanha. A dívida dos países europeus é o resultado da política alemã no Velho Continente.
O núcleo desta política é o dumping dos salários. Nos últimos dez anos tivemos um dumping salarial que chega a 5%, e isso sem considerar a inflação. Nenhum outro país da Europa conhece uma situação semelhante derivada do dumping salarial. Esta política de dumping equivale a colocar uma metralhadora nas mãos dos capitalistas alemães. É uma arma muito destrutiva. No século passado, a Europa estava arrasada pelos tanques alemães. Agora está arrasada pela política de Angela Merkel.
A desaparição da democracia na Europa é um fato considerável. O Velho Continente é o berço da democracia. É um péssimo exemplo para o mundo. Por acaso não é o fim do poder e dos valores da Europa sobre o resto do planeta?
Veremos o que nos diz o futuro. Acho que, no próximo ano, os povos da Europa podem lutar e levantar-se em defesa dos interesses da democracia e contra os mercados financeiros. Aí teremos uma possibilidade de restabelecer a democracia na Europa. Esta é a luta da esquerda alemã neste momento.
Você acha realmente que haverá um povo mais forte disposto a encarar a luta? Por acaso não é tarde demais, por acaso a ideologia do consumo não adormeceu as consciências?
Acho que sob as condições que existem hoje podemos ver o surgimento de movimentos sociais fortes, como aconteceu na Grécia. A situação que encontramos na Alemanha incita a isso. A história está aberta para que os povos a escrevam.
O que aconteceu à social-democracia europeia? Embora seu inimigo ideológico, o ultraliberalismo, tenha cometido todos os erros possíveis e tenha afundado o planeta, o discurso da social-democracia não tem liga, não gera confiança. É uma crise da social-democracia ou uma crise do eleitorado?
As duas coisas. Estou convencido de que, dentro de um futuro imediato, teremos uma explosão na zona do euro. Teremos que escrever nos livros de história que os social-democratas alemães, junto ao partido verde, foram o poder político que gerou as medidas que conduzirão ao fim do euro. Os social-democratas e os verdes iniciaram o dumping salarial. Essa política é a responsável pelo que acontece hoje.
Reconheço o drama total que há neste momento na Europa por culpa desta situação. Durante muitos, muitos anos, foi necessário que, na Europa Central, houvesse guerras e morte. Depois de 1945 e pela primeira vez na história, tivemos 70 anos de paz, o que é totalmente anormal. A paz neste continente é uma anomalia.
Se olharmos a história da Europa notaremos que nunca antes tivemos 70 anos de paz seguidos. Agora, esta paz é o resultado dos intercâmbios de idéias e de mercadorias que se levou a cabo sob o abrigo da construção européia. Mas, se este abrigo se esfacela e cai sobre a cabeça dos povos, a situação se torna muito inquietante e perigosa. Talvez voltemos à mesma situação. Vamos tratar de melhorar o movimento de esquerda sob estas novas condições, vamos explicar melhor nossa política para ganhar a batalha.
Entrevista do jornal argentino Página 12 reproduzido em Carta Maior. Michael Tradução: Libório Junior
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