sexta-feira, 25 de abril de 2008

OUTRORA

Ele tem 81 anos, mas física e mentalmente aparenta muito menos. O tenente-general Nguyen Dinh Uoc afirma, 40 anos depois da ofensiva do Tet -o Ano Novo vietnamita-, que o alto comando local a deslanchou porque sabia que “para ganhar a guerra do exército mais avançado do mundo precisava confundi-lo e prendê-lo em seu engano”. Uoc, que esteve à frente da divisão de tanques durante a batalha de Dien Bien Phu -na qual o legendário general Vo Nguyen Giap arrebatou o Vietnã da França em 1954- afirma que daquelas lutas não resta rancor. “Lutávamos com coragem pela reunificação do Vietnã”, diz.
Antes das eleições de 1956, previstas na Conferência de Genebra e impedidas pelos EUA, esse tenente-general foi destinado à frente da propaganda militar como diretor da revista do exército. Leia abaixo sua entrevista.

El País - O senhor participou da preparação para a ofensiva do Tet?
Nguyen Dinh Uoc - Não. Exatamente o segredo foi um dos motivos de seu sucesso. Só seis pessoas a planejaram e estiveram a par de toda a operação: o general Van Tien Dung, como seu comandante; Tran Van Tra, comandante-em-chefe da Frente Nacional de Libertação do Vietnã do Sul (vietcongue, na terminologia americana); Le Duan, secretário-geral do Partido Comunista do Vietnã, e o general Giap, responsável militar máximo e mão-direita do líder Ho Chi Minh, que já estava doente.
EP - Os senhores consideraram perdida a batalha de Khe Sanh antes de começá-la?
Uoc - Foi nossa decisão. Khe Sanh foi a armadilha. Os EUA pensaram que faríamos em Khe Sanh a mesma coisa que em Dien Bien Phu, mas nós sabíamos que eles tinham uma força destrutiva muito maior que os franceses e que não podíamos enfrentá-los diretamente. Infiltramos nossos homens pelos morros, diante da base dos EUA em Khe Sanh, e eles concentraram ali duas divisões aéreas e mais de 500 aviões e helicópteros, enquanto nós penetrávamos por todo o Vietnã do Sul. (Em menos de três meses de sítio, combates e bombardeios -entre 21 de janeiro e 6 de abril- morreram 10 mil vietnamitas e 500 fuzileiros navais americanos.)
EP - Por que foi lançada a ofensiva do Tet?
Uoc - Para virar a guerra. Os EUA pensavam que a guerra estava ganha, que éramos muito fracos e só podíamos atacar na floresta. Demonstramos nossa força e nossa coragem com um ataque conjunto no coração das cidades de 41 províncias em duas noites (31 de janeiro e 1º de fevereiro).
EP - Por que escolheram a trégua do Ano Novo para atacar?
Uoc - Precisávamos pegá-los de surpresa, e apesar de já estarmos preparados havia alguns meses quisemos causar o máximo impacto em um ano eleitoral americano e esperamos o início de 1968.
EP - Que conseqüência imediata teve a ofensiva?
Uoc - A confusão da Casa Branca, que precisou reunir em 25 e 26 de março toda a cúpula de seus estrategistas para ver o que se faria no Vietnã. Era o que queríamos.
EP - Temeram que os EUA respondessem com armas nucleares?
Uoc - Sabemos que avaliaram essa possibilidade, mas a descartaram porque pensaram que a União Soviética ou a China responderiam e não queriam se meter em um conflito nuclear. Além disso, entre 1964 e 1972 capturamos 591 militares americanos, na maioria pilotos, e não queriam arriscar-se a matá-los.
EP - Militarmente, a ofensiva do Tet é considerada uma batalha perdida, apesar de por causa dela o Vietnã ter ganhado a guerra.
Uoc - Não perdemos nada porque ganhamos tudo. A reunificação era a única coisa que importava.
EP - Morreram 45 mil norte-vietnamitas, contra 6 mil americanos e sul-vietnamitas. Como se pode considerá-la uma vitória?
Uoc - Foi o princípio do fim da presença dos EUA em nosso país, a saída do general Westmoreland do Vietnã; o fim do presidente Johnson, que não se candidatou à reeleição, e no início no ano seguinte a retirada parcial das tropas americanas.
EP - Depois de tanto sofrimento, agora são invadidos pelos investimentos americanos. Qual é sua opinião?
Uoc - Que sejam bem-vindos! A guerra passou e hoje temos de olhar para o futuro. Nossas relações são novas, não se parecem em nada com o passado. São relações de benefício mútuo entre países livres.

Fonte: Georgina Higueras
Enviada especial a Hanói
para o El País

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