quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

A REVOLTA DO IRAQUE CONTRA OS EUA


Há meses, protestos furiosos vêm tomando conta do Iraque, motivados pela frustração com 
uma economia disfuncional, a corrupção e a influência generalizada do Irã. E então um ataque 
com foguetes matou um empreiteiro americano a serviço dos Estados Unidos. Ataques aéreos 
lançados pelos americanos atingiram uma milícia iraquiana apoiada pelos iranianos e a ira 
destes voltou-se contra os Estados Unidos, culminando com uma invasão da área onde fica o 
prédio da embaixada americana em Bagdá, na terça-feira. Os ataques aéreos e a invasão da 
embaixada constituem a pior crise enfrentada pelos Estados Unidos no Iraque depois de anos e 
que acabou enredando o país nos voláteis problemas internos envolvendo o Iraque e seu 
vizinho, o Irã.
A capital do Iraque, Bagdá, e cidades da região do sul do país enfrentam desde o dia 1º de outubro 
uma onda de protestos, seguida por repressão da polícia e do Exército, que já deixou mais de 100 
mortos e 6 mil feridos, de acordo com o governo.
Vídeos gravados nos dias 5 e 6 de outubro no populoso subúrbio de Sadr City, na região leste de 
Bagdá, mostram manifestantes, incluindo crianças, correndo de disparos em rajada no meio da rua. 
Pelo menos 13 pessoas morreram em dois dias no local.
Em geral, os protestos têm como mote a luta contra a corrupção, o desemprego, o alto custo de vida e 
a má qualidade dos serviços públicos. O estopim, entretanto, foi um evento em particular: o 
afastamento, no fim de setembro, do general Abdul-Wahab Al-Saad. Ele era um militar operacional, 
de linha de frente no combate ao terror, mas foi enviado para funções administrativas.
O militar iraquiano era tido em bairros periféricos do Iraque como um herói popular incorruptível na 
luta contra o Estado Islâmico. Sua designação para os gabinetes do Ministério da Defesa alimentou a 
suspeita dos manifestantes de que o governo iraquiano agiu para impedir que Saad presenciasse e 
denunciasse atos de corrupção do governo.
Nas ruas de Bagdá e em outras cidades iraquianas, manifestantes ergueram cartazes com a foto do 
general, subitamente convertido na imagem do antagonista de um governo corrupto, ainda que o 
próprio militar não tenha expressão política significativa no arranjo das forças políticas iraquianas. 
A onda de protestos e de repressão testa as estruturas democráticas de um Iraque que ainda vive 
imerso em violência oito anos após o último grande conflito internacional, quando tropas americanas 
invadiram o país no contexto da chamada “guerra ao terror” (2003–2011), que se deu na sequência 
dos atentados de 11 de setembro de 2001.
Respostas contraditórias do governo
A primeira resposta do governo iraquiano às manifestações foi cortar a internet, colocar o Exército 
nas ruas e decretar toque de recolher. Após as dezenas de mortes e a consequente pressão de 
governos estrangeiros e das Nações Unidas, vieram os primeiros recuos.
Na segunda-feira (7), o presidente iraquiano, Barham Saleh, fez um apelo pela pacificação do país. 
Em pronunciamento oficial transmitido por rádio e TV, Saleh disse que “quem disparou contra os 
manifestantes pacíficos e as forças de ordem são inimigos do povo”.
No mesmo dia, comandantes militares iraquianos reconheceram pela primeira vez que houve uso 
excessivo da força contra manifestantes. Em comunicado, os militares disseram que os responsáveis 
por violar os padrões de uso da força serão identificados e levados a julgamento.
A tese das ‘forças ocultas’
Além das causas internas imediatas do protesto, como o combate à pobreza e à corrupção, as 
manifestações no Iraque trouxeram consigo teses conspiratórias de vários lados.
Depois da queda de Saddam Hussein, em 2003, o governo iraquiano passou a funcionar num modelo 
de coalizão que busca acomodar as principais correntes políticas e religiosas do país.
O acordo, informal, prevê que a presidência (no Iraque, cargo mais simbólico do que prático) seja 
exercida por um curdo. A chefia do governo (primeiro-ministro) é obrigatoriamente ocupada por um 
xiita, enquanto a presidência do Parlamento fica a cargo de um sunita.
Xiismo e sunismo são as duas maiores correntes do islamismo. Originalmente, a divisão diz respeito 
a disputas sobre quem deveria liderar a religião após a morte do profeta Maomé — se um grupo 
formado por seus seguidores mais próximos ou seus familiares.
Demograficamente, há mais sunitas que xiitas no mundo. No Iraque, entretanto, os xiitas são 
maioria. Politicamente, o xiismo orbita atualmente ao redor do poder que o Irã exerce no Oriente 
Médio.
Após os protestos, o presidente iraniano, Ali Khamenei, falou na existência de um “complô” para 
causar divisões entre Irã e Iraque. A mensagem foi enigmática. Khamenei não falou em nomes.
O bairro de Sadr City, onde 13 pessoas foram mortas no final de semana de 5 e 6 de outubro, é um 
conhecido reduto do líder xiita iraquiano Moqtada Sadr. Embora seja da mesma corrente do Islã que 
o primeiro-ministro iraquiano, Adel Abdel Mahdi, Sadr vem pedindo a renúncia do premiê e a 
destituição do atual governo.

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