sexta-feira, 21 de junho de 2019

A Amazônia está à venda: quem der menos leva


Fronteira entre uma fazenda, à esquerda, e o Território Indígena Suruí. 
Leis federais e estaduais vêm sofrendo mudanças que 
estimulam o roubo de florestas públicas, que são desmatadas 
para assegurar sua posterior privatização
BRENDA BRITO - JEFERSON ALMEIDA (EL PAIS) 
O desmatamento na Amazônia continua crescendo e afasta cada vez mais a chance de o país cumprir
a meta de redução prevista para 2020. 
Pelos compromissos assumidos em 2010, o Governo Federal definiu que chegaria no próximo ano 
com uma taxa anual de 3.900 km2 de perda da cobertura florestal na Amazônia. No entanto, em 
2018 esse índice chegou a 7.900 km2 (o maior da década) e os sistemas de alerta já indicam aumento 
de 20% do desmatamento entre agosto de 2018 e abril de 2019. Esses números mostram que Brasil 
região, que continua com indicadores socioeconômicos abaixo da média nacional.
Esse processo de devastação ocorre pelo enfraquecimento de políticas públicas de comando e
controle do desmatamento, pela ausência de uma estratégia para desenvolvimento da região que
valorize a floresta em pé e pela existência de leis federais e estaduais que estimulam o roubo de
florestas públicas, que são desmatadas para assegurar sua posterior privatização. De fato, essas
regras fundiárias que incentivam o desmatamento estão sofrendo uma leva de alterações
preocupantes desde 2017, que tem passado despercebida por boa parte da sociedade brasileira. Em
todas essas mudanças, a justificativa é de modernização da regularização fundiária e eliminação de
burocracia. Porém, na prática as novas leis acabam favorecendo a grilagem.
A primeira grande alteração na legislação fundiária, que renovou os estímulos e benefícios à
grilagem de terras na Amazônia, ocorreu em 2017, quando o Congresso Nacional aprovou a Medida
Provisória nº 759/2016. Dentre os benefícios dessa nova regra estão a ampliação da área passível de
titulação para 2.500 hectares (mil hectares a mais que a norma anterior); a anistia a quem invadiu
terra pública entre 2005 e 2011, bem como a definição de valores muito abaixo do mercado na
privatização dessas áreas. Os prejuízos para a sociedade trazidos por essa mudança de regras
começam a ser melhor conhecidos agora. Um estudo do Imazon demonstrou que o governo já alocou 
para privatização uma área de 27,8 milhões de hectares na Amazônia. Se toda essa área for vendida
pelas regras atuais, a sociedade brasileira poderá custear subsídios na ordem de 118 bilhões de reais,
que representam a diferença entre o valor de mercado das terras e o valor cobrado pelo governo de
acordo como a lei. Isso significa que os brasileiros custearão o roubo de terras públicas. Além disso,
a privatização dessa área pode levar a um desmatamento adicional de 16.000 km2 até 2027, com
emissões de gases do efeito estufa na ordem de 6,5 megatoneladas de CO2, que equivale a 15 anos
de emissões do setor de energia no Brasil.
Após a alteração da lei federal, os estados da Amazônia também iniciaram uma nova onda de 
mudanças nas suas regras fundiárias que adota a mesma direção: legaliza o que era ilegal e estimula
mais roubo de terra pública no futuro. A existência de leis nas diferentes esferas de governo sobre o
tema ocorre porque a lei federal se aplica apenas às terras da União e cada estado tem o poder de
estabelecer suas regras para tratar das áreas estaduais. Estimativas do Imazon apontam 33% da
Amazônia Legal não possuem destinação fundiária ou não tem informação disponível publicamente
a respeito. Desse total, a maior parte pertence aos estados (75%). Por isso, as regras estaduais
importam até mais que as regras federais para decidir a destinação de uma enorme área de florestas
públicas não destinadas.
O primeiro a alterar a lei foi o Amapá com um projeto de lei que tramitou em 2017 em regime de 
urgência por 50 dias na Assembleia Estadual, contando com apenas uma audiência pública para 
discutir o projeto. Publicada em 2018, a nova lei estadual é quase uma cópia da federal, adotando os 
mesmos problemas, como os valores irrisórios para a venda de terras. A lei estadual permite 
inclusive que o estado use a mesma planilha de preços de terra elaborada pelo Incra.
Continuando a leva de mudanças, em 2019 o Mato Grosso alterou seu código de terras de 1977, que 
era um dos mais antigos em vigência na Amazônia. A tramitação ocorreu em 133 dias, já excluído o 
período de recesso da Assembleia Legislativa, e não há registro de audiência pública. A mudança foi 
parcial e retirou algumas exigências que eram cumpridas apenas no papel, além de fazer alguns 
ajustes. Por exemplo, a lei anterior exigia que todas as áreas estaduais fossem tituladas por meio de 
um processo de licitação. De fato, o órgão de terra publicava editais de licitação em diário oficial, 
mas na prática só recebia um lance: o do ocupante atual do imóvel. Outra mudança, essa positiva, foi 
estabelecer cláusulas que devem ser cumpridas pelos beneficiários dos títulos de terra para manterem 
o imóvel, como respeito à legislação ambiental e impedimento de trabalho análogo à escravidão. A 
falha em cumprir essas cláusulas em até 5 anos após a titulação enseja a retomada do imóvel pelo 
estado.
Porém, a lei estadual do Mato Grosso em vigor também favorece a grilagem de terras públicas de 
três formas. Primeiro, não institui um marco temporal para início de ocupações que podem ser 
regularizadas. Ou seja, uma área pública ocupada após a publicação da lei poderá ser regularizada se 
cumprir os requisitos legais, o que incentiva a continuidade das ocupações ilegais de terra pública no 
estado. Segundo, não define um tempo mínimo de ocupação da área para dar direito à regularização 
nos casos de venda, que abrangem áreas de até 2.500 hectares. Assim, alguém que ocupar uma área 
pública por apenas 1 ano poderia solicitar a regularização. Terceiro, flexibiliza os requisitos de 
regularização ao permitir a titulação para quem não ocupa o imóvel diretamente e não pratica cultura 
efetiva na área. A combinação desses três fatores resulta na possibilidade de regularizar aqueles que 
passarem a controlar uma área pública estadual a qualquer tempo, mesmo sem implementar 
atividades ou residir na área, o que são características típicas da especulação de terras.
Mais recentemente, a leva de afrouxamento das regras fundiárias chegou no Pará, estado campeão de 
conflitos agrários na Amazônia nos últimos quinze anos. Numa tramitação de apenas 33 dias e sem 
audiência pública, a Assembleia Legislativa aprovou em 11 de junho uma nova lei de regularização 
fundiária nas terras estaduais, que aguarda sanção do governador. O projeto foi encaminhado pelo 
próprio governo estadual sob justificativa de que as novas regras trarão a modernização da 
regularização fundiária no estado.
No entanto, há vários aspectos controversos no texto aprovado.
É essencial que a sociedade se manifeste pela criação de grupos permanentes de acompanhamento da regularização fundiária pelos órgãos de terra

Por exemplo, se sancionado, o projeto cria um
novo conceito de legítimo ocupante de terra
pública, que inclui pessoas que possuem outros
imóveis e que não precisam morar na terra
ocupada ou exercer qualquer atividade agrária na
área, desde que pretendam fazê-lo no futuro. Ou
seja, assim como na lei do Mato Grosso, trata-se
do grileiro que especula terra para lucrar com a
venda posterior do imóvel. O texto também
elimina uma previsão legal que exigia cobrança
de preços de mercado na venda de terras
públicas.
Mesmo com essa regra até então em vigor, um
estudo do Imazon estimou que o governo do Pará
deixaria de arrecadar R$ 9 bilhões na venda de
terras, por praticar preços abaixo do mercado.
Com a retirada dessa exigência, o órgão de terra
não poderá ser contestado para aplicar valores de
mercado.
Outro aspecto que merecia um amplo debate 
público no Pará é a possibilidade de privatização de florestas do estado. O texto aprovado na 
Assembleia Estadual considera que áreas públicas ocupadas ilegalmente com grande proporção de 
florestas conservadas estariam aptas à venda. Porém, ao admitir essa possibilidade, o projeto acabará 
estimulando a privatização das florestas públicas e entrará em conflito com o instrumento de 
concessão florestal previsto na Lei Federal nº 11.284/2006, que é aplicada pelo governo estadual.
Essa decisão sobre o destino das florestas paraenses necessita de uma discussão mais ampla e 
técnica, já que a privatização dessas áreas vai permitir que parte seja desmatada legalmente, além do 
risco de avanço do desmatamento ilegal. O Pará é o maior emissor de gases do efeito estufa entre os 
estados brasileiros, especialmente por conta do desmatamento de suas florestas. Mas até o momento 
o estado não possui uma política de mitigação e adaptação às mudanças do clima e o Fórum 
Paraense de Mudanças Climáticas aguarda há mais de dois meses a assinatura pelo Governador de 
um novo decreto para voltar a se reunir. Ou seja, a criação de um grupo de discussão de mudanças do 
clima, sem qualquer poder decisório, está aguardando há mais tempo que a tramitação e aprovação 
um projeto de lei que pode ter um impacto direto nas florestas públicas estaduais, incluindo 
desmatamento e emissões associadas de gases do efeito estufa.
Os casos de alterações das leis com trâmite acelerado e sem suficiente debate público chamam 
atenção para a baixa transparência das Assembleias Legislativas dos estados. Uma semana após a 
aprovar o PL no mesmo dia em primeiro e segundo turno, a Assembleia Legislativa do Pará ainda 
exibia uma notícia em seu sítio eletrônico de que apenas a votação de primeiro turno havia ocorrido. 
E o texto aprovado não estava disponível para consulta. A transparência também é deficiente nos 
órgãos estaduais de terra da Amazônia. Em média, apenas 22% das informações de divulgação 
obrigatória estavam disponíveis nos sítios eletrônicos destes institutos até 2017.
Esses exemplos mostram a dificuldade de fazer valer o interesse da sociedade ao invés de privilegiar 
interesses privados quando se discute terra e floresta na Amazônia. Governos federal e estaduais 
priorizam a venda do patrimônio da sociedade, replicando um modelo que historicamente gera 
desmatamento, conflitos e não traz progresso social à população da região. Diante da baixa 
transparência no destino das áreas públicas, é essencial que a sociedade se manifeste pela criação de 
grupos permanentes de acompanhamento da regularização fundiária pelos órgãos de terra. Do 
contrário, a tendência será de privatização, mas pelas regras atuais, quem chegar antes e pagar menos 
ficará com a terra.

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