terça-feira, 14 de maio de 2019

COMO O OGRO-NEGOCIO DA SOJA INVADE A AMAZÔNIA


Plantio de soja nos limites da aldeia indígena Açaizal, no Pará
DW Brasil
A fronteira agrícola brasileira já alcança o rio Amazonas em Santarém. Cidade paraense está se 
tornando ponto de confluência do comércio de soja e ameaça demarcação de áreas indígenas como a 
da etnia munduruku.
Os campos de soja começam atrás do pequeno pomar de Paulo Bezerra. Ele não conversa mais com 
seu vizinho, o fazendeiro que planta ali o produto de exportação número um do Brasil e que vive do 
outro lado da estrada de terra empoeirada. Da última vez, o vizinho os xingou de vagabundos, a ele e 
a seus parentes da etnia indígena munduruku, conta Paulo, levantando uma cobra coral morta do 
chão. O réptil pode ter sido vítima tanto das queimadas no campo quanto dos agrotóxicos.
As plantações de soja se estendem até uma distância de dez centímetros das casas dos munduruku na 
aldeia Açaizal. "Quando começa a chover, eles começam a aplicar o veneno. É para matar o mato, e 
toda semana aplicam o veneno na soja para matar os insetos", explica Paulo, de 56 anos. O resultado: 
ânsia de vômito, coceira na pele, falta de ar e tonturas. "Cada dia estamos morrendo aos poucos 
dentro da nossa aldeia. Mas nosso governo está aí, discriminando indígenas, quilombolas e 
ribeirinhos, que sobrevivem desta terra", enumera.
Segundo ele, as autoridades não reagem às queixas dos munduruku. "Aqui o governo só está 
beneficiando uma família de 'sojeiros', e mais de 60 famílias nessa aldeia não. Estamos sendo 
maltratados, castigados pelo uso de agrotóxicos", afirma.
Os venenos já foram parar nos rios e nos lençóis freáticos, e as plantações dos próprios indígenas 
estão sendo prejudicadas, relata também o cacique da aldeia, Josenildo Munduruku. "Nossos 
parentes a cada dia estão adoecendo mais, os nossos animais e os animais da floresta desaparecendo 
devido ao uso de produtos agrícolas. Eles podem nos matar envenenados", teme.
Açaizal fica próxima ao Lago do Maicá, na confluência do rio Tapajós com o Amazonas, e faz parte 
do território indígena Munduruku do Planalto Santareno. Há anos, os munduruku lutam pelo 
reconhecimento oficial da área, com base no Artigo 231 da Constituição de 1988, que garante aos 
povos indígenas o direito aos seus territórios tradicionais. Dentro de cinco anos – ou seja, até 1993 – 
essas áreas deveriam ter sido demarcadas e transferidas para os indígenas. Mas centenas de casos 
ainda esperam conclusão – incluindo o território dos munduruku nas proximidades de Santarém.
Antes uma cidade adormecida da selva paraense, Santarém se tornou visivelmente o ponto de 
confluência do comércio brasileiro de soja com a construção da BR-163, que liga a cidade a Cuiabá 
desde os anos 1970. Não longe da aldeia munduruku, os caminhões de grãos estrondeiam em direção 
ao porto de carregamento da multinacional alimentícia Cargill. Daqui, a carga preciosa é 
transportada de navio em direção ao Atlântico.
Atualmente, há mais quatro estações de carregamento em construção. Os ribeirinhos do Lago do 
Maicá já temem pelo seu futuro como pescadores. De maneira definitiva, a fronteira do agronegócio 
chegou à margem sul do Amazonas.
Durante mais de quarenta anos, a agricultura avançou em direção ao norte, ao longo das estradas 
construídas em meio à floresta. No leste, foi a rota de Brasília a Belém. No oeste, o trajeto que leva 
de Cuiabá a Porto Velho. E, no centro, a BR-163. Cerca de 20% da Amazônia já teriam sido 
destruídos para dar lugar à criação de gado e ao plantio de soja.
Parques naturais e territórios indígenas ainda permanecem intactos. Resistem ao chamado "Arco do 
desmatamento". Mas o novo governo de Jair Bolsonaro já anunciou que, em breve, também quer 
abrir as áreas protegidas para a exploração econômica. Não se sabe por quanto tempo o rio 
Amazonas servirá de trava para impedir o salto da agricultura para o norte do país, no coração da 
Floresta Amazônica.
"Áreas florestadas estão reduzindo", diz o cacique Josenildo Munduruku 
A pressão sobre a etnia munduruku já está forte. "A cada dia a gente percebe que as áreas florestadas 
estão reduzindo, a gente acaba a todo momento sendo atacado", constata o cacique Josenildo. "Por 
um esquema muito orquestrado de grilagem, os 'sojeiros' hoje ocupam esse território, eles acabam se 
apossando por imensas fraudes no sistema de regularização fundiária", acrescenta.
Para conter essa evolução, os munduruku apelaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos 
da Organização dos Estados Americanos (OEA) no final de 2018. Quando o órgão enviou uma 
delegação a Açaizal, fazendeiros de soja da região obstruíram o caminho com dezenas de caminhões.
Naquele momento, os agricultores de soja sentiam que passavam por uma ascensão, descreve 
Jucelino Farias, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Santarém. "Logo depois da eleição desse 
atual governo, eles já se sentiam muito à vontade para continuar nesse processo do avanço do 
agronegócio, na nova abertura de áreas para plantações", diz. "Nas comunidades mesmo, o avanço 
do desmatamento e o avanço da monocultura continuam. E muitos desses desmatamentos para a soja 
são provenientes da grilagem da terras", expõe.A posse ilegal de terras, ou grilagem, ficou mais 
sofisticada nos últimos anos, descreve Jucelino. Segundo ele, primeiro os fazendeiros identificam as 
áreas que ainda não têm registro de posse – a exemplo das terras da União reivindicadas pelos 
indígenas. Os dados de GPS são então, explica, inseridos no Cadastro Ambiental Rural (CAR), que é 
autodeclaratório (nos moldes do imposto de renda) e obrigatório para todas as propriedades rurais 
brasileiras para fins de regularização ambiental.
"O CAR não gera título, mas eles o usam para expulsar as pessoas", explica Farias. O passo seguinte, 
diz, é conseguir um título de posse "comprando registro em cartório". Como a Justiça costuma reagir 
lentamente na maioria das vezes, muitos conseguem concluir o processo, prejudicando as 
comunidades indígenas. "Eles não têm nenhuma garantia de permanecer no seu território", lamenta 
Farias.
Botes próximos à aldeia munduruku de Açaizal, com estação da Cargill ao fundo
A região seria então uma terra sem lei? "Há, sim, lei. Mas o que há em demasia é o desrespeito à lei", 
coloca Luis de Camões Lima Boaventura, procurador do Ministério Público Federal em Santarém. 
"Há, aqui na região amazônica, uma ausência proposital do Estado, justamente numa área onde a 
expansão agrária ou os recursos minerais estão. E faz-se um esforço equivocadíssimo de negar a 
preexistência milenar de povos que ocupam essa região. E esses povos fazem um contraponto a esses 
interesses", destaca.
Os munduruku em Açaizal e nas aldeias vizinhas já tomaram o destino nas próprias mãos, medindo 
os seus territórios e registrando pedido de demarcação do território indígena Munduruku do Planalto 
Santareno junto à Fundação Nacional do Índio (Funai). Mas o órgão foi esvaziado após a posse de 
Bolsonaro, que tirou dele a responsabilidade de delimitação de terras indígenas e a transferiu para o 
ministério da Agricultura.
Com isso, abriram-se as portas para a destruição desses territórios, diz Camões. "Muita coisa que 
existe nesse país é inexplicável. Principalmente nesse momento, onde o próprio estado brasileiro 
fomenta este tipo de prática, fomenta a depredação dos recursos naturais que são indispensáveis para 
a manutenção do ecossistema e da vida de milhares e milhares de pessoas", critica.
Camões Boaventura já trabalha na região de Santarém há alguns anos. Mas o fracasso do Estado de 
Direito ainda o choca. "Não há explicação plausível pra justificar a naturalização de uma aberração, 
que é o que ocorre aqui: a ausência proposital do Estado, a supressão e a aniquilação de possibilidade 
de vida digna para essas pessoas. Não tem explicação", indigna-se.

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