O juizeco midiático Sérgio Moro, cujo o entendimento e, agora, a elaboração legal se
assemelham a uma versão ascética daqueles programas radiofônicos policiais, corre o risco de
ter inventado uma interessante figura jurídica: a da “constitucionalidade ex nunc“.
Explico o latim jurídico: ex nunc é “a partir de agora” empregado em entendimentos legais,
em contrário do ex tunc, que é algo que vale desde a origem. O artigo da professora é
professora Eloísa Machado de Almeida, coordenadora do Supremo em Pauta da Faculdade de
Direito da Fundação Getúlio Vargas, hoje, na Folha, reúne um curioso (e assustador) elenco de
contradições entre o que é proposto no pacote Moro de mudanças nas leis penais e as decisões
sobre constitucionalidade já tomadas pelo Supremo Tribunal Federal. Ou seja, a pretensão de
Moro de que, a partir da aprovação de uma lei ordinária, por maioria simples, passe a ser
constitucional, daí para a frente, aquilo que, segundo o STF, era inconstitucional. Vale a pena a
leitura do trecho que reproduzo, embora com o Supremo que temos, não seja impossível que
na linha do “Direito de Clamor Público” tão defendida por Luís Roberto Barroso, crie-se
mesmo a “constitucionalidade ex nunc“.
PROJECT: mudar a
aprovada no escurinho do
Congresso de canalhas e
Uma leizinha para rasgar a Constituição.
E ele achava que ninguém ia perceber.
E ele achava que ninguém ia perceber.
O ministro Marco Aurélio, por exemplo, disse, segundo a Fel-lha:
- Continuamos com o mesmo conflito [mesmo se a leizinha do Moro for aprovada]. Lei ordinária
não se sobrepõe à Constituição Federal e esta encerra o princípio da não culpabilidade, da não
inocência (até que se esgote a defesa em todas as instâncias), disse.
Como se sabe, o presidente Dias Gaspari Toffoli marcou para abril uma nova votação da Segunda
Instância, que foi fraudada, sob a batuta do Ministro operário padrão da Globo, o Barroso, para não
deixar o Lula sair da cadeia.
Momento sublime, em que o então Ministro da Defesa (de quem?) Villas Bôas estacionou os tanques
na porta do Supremo para manter o Lula preso.
Outro ponto central do projeto de poder do Bolsomoro é o que ele identifica pelo original em
inglês: PLEA BARGAIN, ou "ACORDO SEM DENUNCIA.
Ele possibilita acordos para quem confessa crimes: o Ministério Público poderá propor soluções sem
oferecer denúncia à Justiça.
Essa americanização da lei penal brasileira mereceu também, como o drible da vaca na Constituição,
agudas criticas de advogados respeitáveis:
Advogados contestam projeto sobre 2ª instância
A prisão após condenação em segunda instância e o chamado "plea bargain", quando o acusado
A prisão após condenação em segunda instância e o chamado "plea bargain", quando o acusado
assume a culpa e negocia um acordo para evitar um processo, são soluções inconstitucionais,
conforme especialistas consultados pelo Valor. As duas medidas constam do pacote para endurecer a
legislação contra a corrupção e o crime organizado, anunciado ontem pelo ministro da Justiça e
Segurança Pública, Sergio Moro.
(...) O criminalista Rogério Taffarello, sócio do escritório Mattos Filho, observa que esse tipo de
(...) O criminalista Rogério Taffarello, sócio do escritório Mattos Filho, observa que esse tipo de
mudança deveria ser feita com base em uma emenda constitucional, e não por projeto de lei. Na
mesma linha, o advogado Maurício Silva Leite avalia que a medida é incompatível com a
Constituição e criaria situações de injustiça ao afastar do acusado o direito de ter sua condenação
revista pelos tribunais superiores.
(...) Outra polêmica no pacote diz respeito ao chamado "plea bargain", quando o acusado opta pela
admissão de culpa em vez de responder a um processo. A iniciativa tem o objetivo de desafogar a
Justiça Criminal. Alamiro Velludo Salvador Netto, professor titular da Faculdade de Direito de São
Paulo, pondera que não há consenso sobre este modelo nem nos países que já adotam o instrumento,
como Estados Unidos e Inglaterra. "É muito discutido como o sistema de 'plea bargain' força e
intimida as pessoas a aceitarem o acordo, independentemente de serem culpadas. Com isso, muitos
inocentes, para não correrem o risco do processo e futura condenação, admitem a responsabilidade
para conseguirem o acordo", diz Salvador, que está em viagem para estudar casos polêmicos de 'plea
bargain'.
Na avaliação do advogado Walfrido Warde Filho, especialista em direito societário, o modelo é
incompatível com o nosso sistema jurídico e com os princípios processuais constitucionais do Brasil.
"Ele estabelece uma transação penal entre partes com diferentes pesos. De um lado, o réu,
"Ele estabelece uma transação penal entre partes com diferentes pesos. De um lado, o réu,
normalmente pobre e negro; do outro, um promotor de Justiça com o aparato do Estado. Me parece
incompatível com o direito de defesa assegurado pela Constituição e com o devido processo legal".
Pacote de Moro contra crime esbarra em
decisões do STF
Eloísa Machado de Almeida, na Folha (trecho)
(…)Se no âmbito político os obstáculos já são grandes, no âmbito do Judiciário podem ser
(…)Se no âmbito político os obstáculos já são grandes, no âmbito do Judiciário podem ser
intransponíveis: apesar de se apresentarem como novidade, grande parte das medidas propostas pelo
ministro Moro se relaciona com temas já debatidos e considerados inconstitucionais pelo Supremo
Tribunal Federal.
Por exemplo, a vedação da progressão de regime prisional foi julgada contrária à garantia
Por exemplo, a vedação da progressão de regime prisional foi julgada contrária à garantia
constitucional de individualização da pena, no célebre caso sobre a lei de crimes hediondos.
Da mesma forma, a impossibilidade de concessão de liberdade provisória (ou de medidas cautelares)
Da mesma forma, a impossibilidade de concessão de liberdade provisória (ou de medidas cautelares)
foi considerada inconstitucional por violar a presunção de inocência e o devido processo legal,
quando o STF julgou as penas impostas pelo Estatuto do Desarmamento.
O flagrante preparado, chamado de “introdução de agente encoberto” na proposta, foi julgado
inconstitucional tantas vezes que gerou até edição de súmula pelo STF.
Além dessas, outras ações que dialogam com as propostas de Moro foram recentemente julgadas no
Supremo.
O tribunal afastou o controle judicial prévio da negociação das colaborações premiadas; impediu que
tribunais e juízes de primeira instância desmembrassem processos de réus com prerrogativa de foro
por função; negou a execução provisória de pena restritiva de direitos e delimitou temporalmente a
interceptação telefônica ao estrito período de autorização judicial. Todos indicam, a priori, posições
contrárias às defendidas por Moro.
Um outro tema deve em breve entrar para a longa lista de medidas propostas por Moro e deliberadas
pelo Supremo: trata-se da prisão após condenação em segunda instância, cujo julgamento está
marcado para abril.
Algumas medidas, caso aprovadas, possuem grandes chances de provocarem reação do Judiciário,
como a gravação de conversas entre advogados e seus clientes e a coleta de DNA de acusados.
Outras podem levar o país a também ser condenado internacionalmente: o afrouxamento do controle
sobre a atividade policial e a flexibilização da legítima defesa podem ser considerados inventivos à
prática de execuções sumárias, ou seja, “pró crime”.
Como um todo, ao estimular o encarceramento provisório, restringir os direitos de defesa e diminuir
o controle sobre a atividade investigatória e policial, a proposta de Moro encontra resistências em
diversos e numerosos casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal a que teoricamente estaria
vinculado, além de encontrar limites na própria Constituição que adotou um sistema exigente e
robusto de garantias processuais.
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