quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

PAULO GUEDES, O XI CAGO BOY, E SUA SUBSERVIÊNCIA AO "MERCADO"

Luis Nassif
Há dois discursos no governo Bolsonaro. Um, é o da escatologia, com afirmações que só passam pelo crivo dos néscios. Outra sutil, fora do alcance da mídia e de grande parte da opinião pública, e que reflete o jogo da política econômica, de beneficiar o capital financeiro em detrimento do capital produtivo. É onde se encaixam duas afirmações recentes de Bolsonaro e Paulo Guedes.

  1. A ameaça de abrir o sigilo de todos os financiamentos do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social).
  2. Anunciando aumento da taxa de juros dos financiamentos habitacionais da Caixa Econômica Federal (CEF) (depois foi desmentida pelo novo presidente da CEF).
Nesse Xadrez, vamos mostrar a lógica financeira do jogo.

Peça 1 – como incluir fator de risco no BNDES

No mercado de crédito, o financiamento de longo prazo é controlado por dois tipos de agentes:
  1. No financiamento ao investimento, o BNDES.
  2. No financiamento habitacional, a CEF.
O mercado tem duas alternativas a esses modelos. No caso dos investimentos do BNDES de longo prazo, as debêntures de infraestrutura, papéis colocados no mercado financeiro, para investidores, e que até hoje não conseguiram prazos superiores a 5 anos. No caso dos financiamentos imobiliários, as carteiras dos bancos comerciais e também papéis tipo debêntures.
Por ser o grande financiador, o BNDES é a referência do mercado. Para conseguir colocar debêntures, o emissor teria que oferecer taxas mais baratas. Senão, ficará apenas com as sobras do mercado, os financiamentos que, de alguma forma, não se enquadrarem nos critérios do BNDES.
Quando aumenta a taxa referencial de juros do BNDES, portanto, o governo abre espaço para a elevação do custo de todas as debêntures de infraestrutura – e, consequentemente, dos ganhos do mercado com os papéis, em detrimento das empresas do setor real da economia e dos consumidores.
Quatro medidas foram tomadas para restringir a atuação do banco e abrir espaço para o mercado:
  1. No governo Temer, trocou-se a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), taxa referencial do BNDES, pela TLP (Taxa de Longo Prazo), visando aproximá-la das taxas de mercado – totalmente incompatíveis com financiamentos de longo prazo.  A medida não foi mais perniciosa porque, no período, a taxa Selic caiu de 14,5% para 6,5%.
  2. O segundo movimento foi encarecer o funding do BNDES, através do aumento do custo do FAT, FGTS e outros fundos públicos.
  3. O terceiro movimento consistiu em obrigar o BNDES a quitar em curto prazo as dívidas com o Tesouro. Mas o banco continuou com recursos sobrando, em função da paralisação dos financiamentos no país.
  4. Aí entra a estratégia Paulo Guedes para reduzir ainda mais o alcance do BNDES, através de uma esperteza. Ele anuncia a abertura de informação todos os financiamentos do BNDES, atropelando normas básicas de sigilo bancário. Guedes sabe que o BNDES é uma instituição com plena governança, que passaria em qualquer análise de complience internacionalCom essa jogada, ele inclui um fator de risco nos financiamentos do banco. Muitas empresas aceitarão trocar os financiamentos por debêntures, ainda que a um custo maior, para não se exporem a toda sorte de jogadas, escandalizações inconsequentes, operações da Lava Jato Rio - que tentou criminalizar até financiamento de exportação de serviços.
Esse terrorismo acentuará ainda mais a paralisação do banco, já afetada pelo chamado apagão das canetas. Há dinheiro sobrando e os financiamentos estão paralisados pelo receio dos funcionários de se expor às maluquices da Lava Jato Rio de Janeiro.
É quase certeza que o novo presidente do BNDES, Joaquim Levy, não irá quebrar o sigilo bancário. Sabe que é crime. Mas, pouco importa.  As ameaças de Guedes e Bolsonaro ajudarão a incutir o fator de risco no banco e a elevar o custo do dinheiro nos financiamentos de longo prazo.

Peça 2 – a apropriação financeira das riquezas

Vamos ver quem ganha e quem perde com esses movimentos de esvaziamento do BNDES.
Em um financiamento, há três pontas: o financiador, o financiado e o consumidor.
1. Financiador: são bancos, ou (no caso de debêntures de investimento) são os fundos administrados por instituições financeiras ou famílias. Engloba pessoas físicas, instituições financeiras, e investidores em geral, nacionais ou estrangeiros.
2. Financiado: são empresas do setor produtivo. Seus investimentos geram crescimento, emprego, melhoria da atividade econômica. Para conseguir o financiamento, o financiador monta um plano de negócios e estima de quanto será o faturamento necessário para cobrir o custo da dívida. Se consegue financiamento adequado, investe. Caso contrário, desiste.
3. Consumidor: para conseguir o financiamento, o financiador monta um plano de negócios e estima de quanto será o faturamento necessário para cobrir o custo da dívida.
Quando o custo do financiamento aumenta, há três consequências:
1. Parcela maior do lucro irá para o bolso do financiador.  Em vez de gerar emprego e crescimento, produz mais concentração de renda.
2. Também provocará um corte nos investimentos. Só irá investir a empresa que conseguir uma Taxa Interna de Retorno (TIR) superior ao custo do financiamento.
3. Gera um aumento no custo do produto ofertado. Nesse caso, é o consumidor quem paga a conta.
Nos projetos de infraestrutura – que exploram monopólios naturais – entra o investimento, o custo do capital, outros custos, e as receitas esperadas – que são constituídas pelo movimento e pelo preço do serviço. Se reduz o custo do capital, automaticamente cai o preço dos serviços. E vice-versa. Os tais subsídios que o BNDES concedia – ao emprestar a um custo inferior à maluquice da taxa Selic – não eram um benefício à empresa, nos projetos de infraestrutura, mas ao usuário de serviços públicos, permitindo uma tarifa menor.

Peça 2 – as simulações dos ganhos do mercado

Entenda a tabela abaixo:
Uma empresa que busca financiamentos de R$ 100 milhões.
Com o custo do dinheiro a 7,6% ao ano (a antiga TJLP, mais 3% de taxas adicionais do BNDES), necessitaria de R$ 11,4 milhões anuais para o serviço da dívida. Se a empresa tem uma Taxa Interna de Retorno (TIR) de 10% ao ano, os juros irão comprometer 87% do EBITDA (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) para o serviço da dívida). A 8% ao ano, o serviço da dívida saltaria para R$ 11,7 milhões ano (21% a mais). E a 10% ao ano, para R$ 13,1 milhões (36% a mais), comprometendo até mais que o EBITDA.
Entendida essa lógica, vamos ao quadro seguinte.

Peça 3 – o encarecimento dos financiamentos

A alternativa aos financiamentos do BNDES são as debêntures de infraestrutura, papéis de longo prazo emitidos por agentes financeiros, ou pelo próprio BNDES, e colocados no mercado. É uma bela alternativa, desde que reduza o custo do financiamento.
Qual o problema? Para projetos já consolidados, empresas conseguem colocar debêntures a um custo menor que os financiamentos do BNDES;
O problema são com os chamados projetos greenfield – que saem do zero. O investidor final de debêntures é a pessoa física, que não quer correr riscos com projetos de longo prazo, em início. Hoje em dia, aceita no máximo prazos de 5 anos. Por isso mesmo, não existem debêntures de longo prazo no país.
Como o BNDES tem a taxa referencial do mercado, as debêntures só se tornam alternativas se se aproximarem dos custos do BNDES. O que o governo Temer iniciou, e o Bolsonaro-Guedes continuará, é tratar de aproximar as duas taxas aumentando o custo dos financiamentos do BNDES, em vez de criar condições para reduzir o custo das debêntures.
O que se pretende, agora, é um jogo que irá encarecer o custo do financiamento e beneficiar exclusivamente o mercado.
Trata-se de obrigar o BNDES a assumir o risco integral do projeto e permitir a ele financiar apenas um percentual, de 80% ou 60% do projeto, ou menos ainda.
  1. O BNDES fica com o risco integral do projeto, mas financia apenas um percentual – digamos, 60%.
  2. Ao assumir o risco, o custo do financiamento aumenta, por incluir o IPCA + TLP + taxa de administração + taxa de risco. E pelo fato do retorno se dar em cima de um valor menor de financiamento. Ou seja, ele garante 100% do projeto, mas dilui o custo apenas por 60% ou 80% do valor financiado. Com isso, aumentará o custo do financiamento. Só nesse movimento, há um encarecimento de quase um ponto percentual no custo anual do financiamento.
  3. Além disso, quanto maior for o percentual que a empresa buscar no mercado, menor será o spread do BNDES. Ou seja, garante o ganho do debenturista reduzindo sua própria remuneração.
  4. Como o custo do dinheiro do BNDES é o piso do mercado, a empresa terá que recorrer às debêntures, que terão custo mais alto, por se basearem nos custos do BNDES acrescidos da taxa de risco. Ou seja, o aumento do custo do BNDES, para bancar o seguro, significará o aumento da rentabilidade da debênture (e do custo do tomador), mesmo sem ter mais risco algum.
Conclusão: o BNDES fica com o pior do risco. E o mercado com o melhor da rentabilidade.

Peça 4 - o custo do financiamento no EBITDA da empresa

Vamos comparar a maluquice do custo do financiamento no Brasil, em relação a outros países. E olhe que, agora, se está em um momento de calmaria, com a queda nas taxas de juros, ao custo de 13 milhões de desempregados.

A 9,75% ao ano
A tabela abaixo deve ser lida assim:
  1. Na linha horizontal, o custo anual do dinheiro. 7,6% a ano corresponde à antiga TJLP. Mais as taxas do BNDES. 10,2% à atual TLP, mais as taxas do BNDES. 8% e 10%, custos aproximados das debêntures mais baratas, dependendo do IPCA. 2%, o custo internacional do capital.
  2. As colunas azuis correspondem a investimentos com TIR (Taxa Interna de Retorno) de 10% ao ano; os amarelos, a TIR de 15% ao ano; e os verdes, a TIR de 20% ao ano.
 A 8% ao ano, por exemplo, o custo financeiro consumirá 89% do EBITDA de um investimento com TIR de 10%. Ou 51% do EBITD de um investimento com TIR de 20%
Com as taxas de juros praticamente zeradas nos grandes centros, o custo do financiamento de longo prazo corresponde a 36% do lucro de uma empresa que consiga TIR de 20%, até 59% do lucro de quem consegue TIR de 10%. Ou seja, viabiliza até investimento com taxas de retorno moderadas, de 10% ao ano.

Peça 5 – as conclusões

Na comparação internacional, mesmo nos tempos da TJLP, o custo do capital, por aqui, era 46%% maior do que nos países avançados. Quando se considera uma debênture de 7,75% e 2% de IPCA, o custo é 67% superior ao dos países avançados. Com IPCA de 4% ao ano, o custo poder chegar a 86% acima dos países avançados.
No entanto, o governo Bolsonaro pretende reduzir os custos apenas em cima da folha de salários, uma ninharia perto do custo financeiro.
Com essa estratégia, o que Guedes faz é aumentar a transferência de renda da economia real para o setor financeiro, comprometendo os investimentos em infraestrutura e a redução do custo Brasil.

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