segunda-feira, 1 de outubro de 2018

NA INTERNET, O POVO INFORMA O POVO, SEM INTERMEDIÁRIOS: A VELHA MÍDIA PERDEU


“Felizmente, a internet provê o que a tevê omite” (José Roberto de Toledo, no final de um texto 
antológico da revista Piauí no online, com o título “Um protesto histórico, menos para quem vê 
tevê”.
No balaio do Kotscho

Nossa cabeça pensa e o coração sente conforme o lugar onde os nossos pés pisam.
Essa velha lição, que aprendi muito cedo como repórter, não vem sendo muito respeitada 
ultimamente.
Em lugar do repórter, a televisão brasileira escalou helicópteros e drones para esconder de nós as 
maiores manifestações antifascistas já vistas no país, organizadas pelas bravas mulheres brasileiras 
neste sábado, que já passou para a história.
Animado com o que estava vendo nas redes sociais desde cedo, com textos, áudios e vídeos 
produzidos por cidadãos sem carteirinha de jornalista, corri para a televisão querendo ver mais ao 
vivo.
Pensei em encontrar uma cobertura oceânica, como aquelas que as emissoras faziam durante os 
protestos de 2013 e 2016, em que praticamente só mostravam as manifestações o dia todo e 
derrubavam a programação normal.
Nada disso. Desta vez, havia alguma ordem superior, quem sabe divina, para minimizar a dimensão 
do movimento #EleNão, em defesa dos direitos da mulher, da democracia e da liberdade, contra as 
ameaças das milícias boçalnaristas.
Durante todo o dia, ganhou mais destaque nos noticiários de TV a tragédia da Indonésia, que abriu o 
Jornal Nacional, do que a grande festa cívica e suprapartidária que a gente só pode acompanhar na 
internet.
Tentaram até igualar o grito da mulherada que se espalhou por todos os cantos do país, com algumas 
carreatas de carrões e motos importadas organizadas pelos agroboys das milícias em redutos rurais.
Com imagens fechadas de helicóptero vindo do mar para a praia de Copacabana, num esforço de 
reportagem, mostraram algumas centenas de gatos pingados em apoio ao capitão reformado 
(afastado do Exército com 32 anos), para dar ideia de multidão que não havia.
Multidões se espalharam o dia todo no Rio, em São Paulo e em todas as grandes capitais, um mar de 
gente nas ruas e praças gritando, cantando e dançando, na mais bela festa democrática desde a 
campanha das Diretas Já, em 1984.
Posso falar isso porque eu estava lá. Voltei no tempo àquela época em que eu era enviado especial da 
Folha e, muitas vezes, o único repórter acompanhando os comícios nos rincões mais distantes do 
país.
Quando não havia ainda internet, celular, tablet e todas essas traquitanas da pós-modernidade, tinha 
que passar a matéria do dia de um orelhão ou da casa de algum morador próximo ao comício.
Só havia um jeito das pessoas se informarem sobre aqueles acontecimentos que mudaram a história 
do país já nos estertores da ditadura militar: esperar a Folha sair no dia seguinte.
Dar ampla cobertura a tudo relacionado às Diretas Já foi uma decisão editorial da direção do jornal, 
logo encampada com gosto pela maioria da redação, que se engajou na campanha pela volta da 
democracia com eleições diretas para presidente da República.
Televisões, rádios, jornais e revistas da grande mídia minimizavam, distorciam ou simplesmente 
ignoravam o que estava acontecendo quando o povo perdeu o medo de sair às ruas para reivindicar 
seus direitos.
Só quando a campanha já tinha conquistado o país, e não havia mais como esconder o que estava 
acontecendo, é que a concorrência soltou seus repórteres nas ruas.
É verdade que naquela campanha só havia um evento por dia, o que facilitava a cobertura, e agora as 
manifestações foram simultâneas, em praticamente todas as cidades do país, grandes ou pequenas, 
onde houvesse homens, mulheres, crianças, idosos, brasileiros, enfim, dispostos a dar um basta!, 
gritando sem pedir licença.
Mesmo que quisessem, as grandes corporações de mídia não teriam condições físicas e técnicas para 
acompanhar tudo. Afinal, não existem tantos repórteres profissionais no Brasil.
Mas, agora, há milhões de repórteres anônimos com seus celulares, espalhados por toda parte do
pais para nos mostrar ao vivo cada detalhe das manifestações, sem intermediários, ali do chão da 
festa, ao vivo, como escreveu o Toledo em seu belo artigo na Piauí.
Este 29 de setembro vai ficar marcado como o dia em que o poder da comunicação mudou de poucas 
para milhões de mãos.
Nos tornamos todos emissores e receptores de informações, por todos os meios, sem intermediários, 
sem editores nem chefes, para dizer o que pode ou não ser mostrado.
Embora ainda queiram influir no resultado, os velhos barões da mídia perderam o poder de decidir 
monocraticamente em quem podemos ou não votar, já não elegem nem derrubam candidatos.
Somos todos agora multimídia, online, full-time, ninguém mais segura o grito parado no ar, que 
agora chega aos ouvidos e às consciências de toda gente.
Valeu, lindas e valentes meninas do Brasil!
Com dificuldades para andar, sem conseguir ir até vocês, vocês vieram até aqui em casa pela 
internet, e pude ver esta beleza de festa com meus próprios olhos afundados o dia todo no 
computador.
Acho que já posso vender meu velho aparelho de TV. Mas quem vai querer comprar?

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