domingo, 2 de setembro de 2018

O BRASIL QUE NÃO QUERO: AS ORIGENS DA IMBECILIDADE DA DIREITA BRASILEIRA


 No JB um emocionado artigo de Hildegard Angel:
O Brasil que eu não quero
No início dos anos 60, a campanha urdida pelos udenistas, liderados por Carlos Lacerda, assombrava 
o país com o medo do “comunismo” e denúncias de desvios e corrupção. João Goulart seria um 
corrupto insaciável e Juscelino Kubitscheck, que morreu pobre, teria ficado milionário com a 
construção de Brasília, beneficiando seus amigos. Com ressonância na mídia, essa campanha 
martelava ininterruptamente na cabeça dos brasileiros. Eu, menina, com 11, 12 anos, lembro-me do 
medo que se tinha do tal “comunismo”. Os comunistas viriam para interromper nossos sonhos 
individuais de prosperidade e casa própria. Eles entrariam em nossas casas, nos destituiriam de 
nossos bens, e os pobres “ficariam com tudo nosso”. Era assim que os golpistas de então botavam 
terror no povo brasileiro. Eleito, o udenista Jânio Quadros - um descompensado que deu provas disso 
desde o período eleitoral - quis dar o golpe, não conseguiu, renunciou, jogando o Brasil em 20 anos 
de ditadura militar. E a UDN? E Lacerda? Foram jogados pra escanteio, tiveram que se comportar 
como sabujos lambe-botas para sobreviver.
Lacerda foi cassado. Os políticos, alijados dos cargos e da vida pública. Assim acontece quando há 
uma ruptura constitucional, quando as leis passam a, em vez de serem cumpridas, obedecer a 
“interpretações” subjetivas, a serviço de conveniências outras. Perde-se o controle, e quem se impõe 
não são os agentes da desestabilização. Estes, golpeiam, mas não levam. No Brasil, prevaleceram os 
que melhor interpretaram o medo coletivo do “comunismo”, oferecendo como alternativa a repressão 
violenta. Os militares.
E não havia, naqueles anos, uma empresa no Brasil, um negócio, uma portinha, que não precisasse 
ter em seus quadros um militar para poder se manter aberta. Caso contrário, eram só dificuldades. 
Fiscais multavam indevidamente, burocratas emperrava os processos. E se o empresário em questão 
tivesse algum tipo de ligação com governos anteriores, de Getúlio, Goulart e JK, estava fadado à 
perseguição e à falência.
A comunidade rejeitava qualquer pessoa ligada, mesmo que remotamente, a partidos políticos 
demonizados, como o PTB e o PSD. Muitas delas foram presas e perseguidas. Os partidários do PCB 
- Partido Comunista Brasileiro - foram presos e eliminados. Como Alberto Aleixo, irmão de Pedro 
Aleixo, vice-presidente de Artur da Costa e Silva. Alberto era um idealista, editava o jornal de 
esquerda Voz Operária. Em 1975, foi preso e morreu em consequência das torturas. Pedro soube de 
sua prisão, mas, mesmo com tantas credenciais, nada pode fazer pelo irmão.
No país, estabeleceu-se o terror. Hoje, os revelados documentos de Estado norte-americanos da 
época acusam o Brasil de ter praticado o “terrorismo de Estado”. A contrapropaganda era usada à 
exaustão e com sucesso. Então, terroristas não eram os que sumiam com as pessoas, as 
encarceravam, torturavam e matavam. Eram os jovens idealistas, que, quando muito, se defendiam 
com “coquetéis molotov” - uma garrafa e um pavio. “Subversivo” era todo aquele que pensasse 
diferente do poder. A qualquer denúncia anônima, agentes do Dops invadiam residências, 
vasculhavam tudo, e bastava encontrarem um livro de economia de Celso Furtado para a família 
inteira ser presa como agitadora. E as consequências, imprevisíveis. Não se sabe se sairiam vivos. 
Quem duvidar que duvide, mas era assim.
O terror de Estado, as violências, torturas com crueldades inimagináveis, ensinadas por especialistas 
importados dos EUA e até da França - estes últimos financiados por empresários de extrema direita, 
dos quais alguns se compraziam em assistir às sessões de tortura. Uns doentes.
Todos tinham medo de todos. A filha de um síndico da Base Aérea do Galeão relata o medo que os 
próprios oficiais tinham do comandante, brigadeiro Bournier, considerado um descontrolado, com 
sangue nos olhos e o poder nas mãos. O brigadeiro dos “voos da morte”, em que pessoas eram 
jogadas ao mar, e com o requinte das pernas quebradas. Caso sobrevivessem, não poderiam nadar.
Este era o Brasil. Sobreviviam os que baixassem a cabeça, não vissem, não escutassem, não 
comentassem, num perpétuo “jogo do contente”, que durou duas décadas. Mesmo em casa, ninguém 
podia conversar com franqueza, com o risco de algum empregado ou visitante escutar e denunciar. 
“Dedurava-se”, delatava-se, caluniava-se a três por dois, qualquer desafeto que atravessasse o 
caminho. O marido ciumento entregava como “subversivo” o vizinho, de quem desconfiava estar 
cortejando sua mulher. Sei de um caso em que o vizinho foi levado para averiguação e nunca 
retornou. Este era o cotidiano brasileiro.
Eram as pessoas soturnas, com seus coturnos, que oprimiam a liberdade de todos. Quem as 
desagradasse era “excomungado”, tornava-se um “degradado social”, mesmo se não fosse preso. 
Ninguém queria lhe falar, atender seu telefonema. Atravessavam a calçada. Ser covarde era um 
mérito.
Estudantes foram impedidos de frequentar escolas e universidades. A censura veio rigorosa e 
extremamente ignorante. Hoje, fazem piada dos exageros dos censores. Peças de teatro tiradas de 
cartaz. Novelas da TV tinham vários capítulos inteiros reescritos. Livros, como “Capitães de areia”, 
de Jorge Amado, e “Tarzan”, de Edgard Burroughs - aquele mesmo, o Tarzan da Chita - eram 
proibidos com a pecha de “comunista”. Em sua sanha perseguidora, os censores viam cabelo em ovo. 
As canções falavam por metáforas, para refletir o sentimento do artista e as angústias do povo.
O lema “Ame-o ou deixe-o” estava em plásticos colado às janelas dos automóveis, como um salvo-
conduto para os motoristas. E tantos “deixaram”, forçados ao exílio como mecanismo de 
sobrevivência. Essas memórias são feridas que nunca param de sangrar.
Hoje, em véspera de eleição, momento crucial em que a preocupação geral é a segurança, os 
telejornais a enfatizam, como agentes provocadores de intimidação dos brasileiros. Apavorados, os 
cidadãos só enxergam seu pânico, alheios a qualquer perspectiva positiva. E ações extremas passam 
a ser única opção. Uma sociedade manipulada, não só pelos fatos, mas sobretudo pelo noticiário, que 
potencializa os temores de cada um. Nenhuma brecha para fatos construtivos. É esse o projeto 
político da grande mídia? Incendiar o país? Plantar a discórdia? A insegurança generalizada?
Esse medo coletivo fortalece a posição de candidatos sem qualquer capacidade ou preparo para 
exercer as funções de Presidente da República Federativa do Brasil, em que a segurança é fator 
importante, mas não único. E a educação? E a habitação? E o saneamento básico? E a retomada do 
desenvolvimento estagnado da Nação brasileira? E a engenharia brasileira, fundamental para o 
desenvolvimento e a multiplicação de empregos, desde a mão de obra não especializada ao 
engenheiro? Onde se quer chegar? Entregar a Nação a um despreparado? Ou a outro que já tenha 
mostrado competência? Qual o Brasil que queremos?

Nenhum comentário: