sexta-feira, 24 de agosto de 2018

HORROR A POBRE, MAS NÃO A POBREZA


POR FERNANDO BRITO 

A turma da elite já não duvida – apenas resmunga, irritada- de que Lula esteja à frente – e cada vez
mais à frente -das pesquisas presidenciais.
Entre rosnados e lamentos, culpam “os pobres”, “os nordestinos”, “os beneficiários do Bolsa 
Família”, os “grotões”, as “periferias”. Quando estão em conversas informais, se soltam mais: aí são 
os “favelados”, a “negrada”, os “vagabundos”…
Aqueles que nasceram para ser pobres eternamente, mesmo que os incomodem aos vidros fechados 
do carro e junquem as calçadas por onde passam ao saltar dele.
Serve-lhes qualquer candidato que possa iludir, já que Geraldo Alckmin não serviu, até Bolsonaro, o 
troglodita político.
Sua estratégia de campanha, para cumprir o rito formal da democracia, o do voto?
Eliminar Lula não basta.
É preciso que aquela malta não saiba quem é o seu candidato, tanto que Merval Pereira, aquele que 
quer tirar Lula das pesquisas, junto com Marina e Bolsonaro, pontifica, hoje, em O Globo:
Haddad, de acordo com a tendência majoritária do Tribunal Superior Eleitoral não poderá usar 
fotos e filmes sobre Lula em sua campanha, além de não ser autorizado a usar a máscara de Lula 
como vem fazendo nos comícios e carreatas.
O ex-presidente está proibido pela Justiça de gravar programas e dar entrevistas, e pode ser 
impedido de participar da campanha mesmo com imagens anteriores à prisão. Seria uma 
propaganda enganosa de um candidato que não está sub-judice, mas impugnado pela legislação 
eleitoral.
É o banimento (ou a tentativa de) de Lula, não apenas na presença física quanto, até mesmo, na 
imagem, no nome, na referência.
É aquele que não pode existir ou ter existido. Que tem de ser eliminado, uma vez que não podem ser 
eliminados os pobres que nele vêem sua esperança miúda.
Porque os pobres não podem existir, pode existir apenas a pobreza, que lhes permite serem os donos 
de tudo onde o povo não pode e não deve ser dono de nada: nem do petróleo, nem dos minérios, nem 
das terras infindas, nem de casas decentes, nem de boas escolas e hospitais, nem de direitos ao 
trabalho e a aposentadoria.
E nem do próprio voto.


por Luis Felipe Miguel
O "Novo" (sic) é um fenômeno ilustrativo. Ele nos permite avaliar quão muderna e iluminada é a nossa burguesia.
A fundação do partido parece responder ao desejo do Itaú Unibanco de não pagar mais pedágio para a elite política tradicional e governar diretamente. Um partido, digamos assim, militantemente antibonapartista. "Todo poder à burguesia".
Com um reluzente plantel de multimilionários na sua direção, o "Novo" queria ser o arauto do credo ultraliberal, em sua forma mais descontaminada e intransigente. Seria um mostruário da sofisticação intelectual, competência gerencial e honestidade a toda prova - quanto não tentada pelo etos corrupto da elite política - da nossa classe capitalista.
Como demonstração mais cabal da seriedade do partido-empresa, foi instituído um "processo seletivo" para possíveis candidatos. Só tem direito de envergar a camisa alaranjada do "Novo" quem é aprovado por uma banca, que avalia currículo e aplica uma prova escrita. (Também é necessário pagar uma taxa, de 300 ou 600 reais dependendo do cargo, "não reembolsáveis". O "Novo" aceita cartão.)
Agora candidato a presidente, ganha maior visibilidade João Amoêdo, o inspirador, chefe e acionista principal do "Novo" - dados indicam que ele investiu mais de 4 milhões de reais no partido, enquanto nenhum dos outros banqueiros associados colocou mais do que 250 mil. E quem é ele?
Em vez do sofisticado intelectual libertariano que era prometido, temos um troglodita de terno e gravata, que repete mecanicamente sua profissão de fé nas virtudes do mercado, indiferente às consequências humanas, incapaz de ver como pessoas aqueles que são jogados às margens. O Estado não pode intervir nem mesmo para impedir as injustiças mais gritantes, os serviços públicos devem ser abolidos, tudo deve ser privatizado. Não dá para perceber diferença entre Amoêdo e Flávio Rocha, por exemplo. Ambos são reprodutores do mesmo discurso tacanho.
Na verdade, o fundamentalismo de mercado de Amoêdo e o fundamentalismo cristão do Cabo Daciolo, por mais diferenças que possam apresentar, indicam a mesma incapacidade de raciocínio complexo e a mesma adesão a dogmas invulneráveis ao embate com a realidade. Sinto mais simpatia pelo Cabo, imerso em sua própria desrazão, do que pelo banqueiro janotinha, que tira proveito de seu próprio discurso e com quem a gente nunca sabe onde termina o fanatismo e começa o cálculo.
Falei que Amoêdo é um troglodita de terno e gravata, mas não é mais assim. Ao entrar em campanha, ele passou a envergar camisa polo e suéter. Seu site pretende que ele seja chamado de "João". (Risos.)
Mas não é só a imagem. A rigidez doutrinária libertariana não resistiu à política real e hoje o "Novo" está pronto a aceitar a defesa da censura, a limitação dos direitos individuais, o conservadorismo tradicional. Seus candidatos, aqueles mesmos que pagaram todas as taxas e passaram no rigoroso processo seletivo, parecem saídos da tropa de choque bolsonariana. Ricardo Salles, uma das principais apostas do partido para a Câmara dos Deputados em São Paulo, escolheu um número de candidato que faz alusão a calibre de projéteis de rifle e distribui material de campanha sugerindo o fuzilamento da esquerda. Diego Dusol, que também concorre a deputado federal, mas na Paraíba, promete tornar o aborto "crime hediondo" e liberar completamente o acesso a armas: "mais que um fuzil, fazendeiros e agricultores poderão adquirir um tanque de guerra" (não estou inventando, é citação literal do material de campanha dele).
Este é o "Novo". Talvez seja o que de pior existe na política brasileira hoje. Pior até do que Bolsonaro. Filhotes mimados da burguesia brasileira brincando de fazer política e se achando imensamente superiores a todo o resto da sociedade. Ao contrário de Bolsonaro, eles nem sequer desconfiam do quão toscos são.

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