América Latina, desta vez em Nicarágua. Já faz alguns meses que uma série de protestos,
altamente violentos, estimulados pelo imperialismo contra o ex-dirigente revolucionário
sandinista, Daniel Ortega, assombram o país. Supostamente, os protestos são contra a Reforma
da Previdência que o Fundo Monetário Internacional (FMI), o maior representante do
imperialismo, impôs ao país.
medidas impopulares, financia grupos golpistas para enfraquecer o governo, e desta forma
levar adiante um governo ainda mais impopular. Para os EUA, apenas a reforma previdenciária que
Ortega acabou aceitando não é o suficiente, da mesma maneira que não o era o ajuste fiscal de
Dilma, que sofreu um golpe.
O que o imperialismo quer é uma verdadeira política de terra arrasada. E governos nacionalistas
como o de Ortega tornam-se um empecilho, por isso, é preciso derrubá-los, ainda mais por ser em
um país que até os anos 70 era um quintal-colônia dos Estados Unidos.
E todo esse ataque desestabiliza o governo para, então, colocarem em campo a “cartada” conhecida
da campanha pela antecipação das eleições. Fazendo campanha internacional contra o governo de
Ortega, o imperialismo levantou a bandeira “contra a repressão” às manifestações e exigiu
imediatamente que Ortega chame novas eleições, antes do fim de seu mandato.
Criticar o governo de Daniel Ortega é não só um ato legítimo, como necessário. Mas trazer
para o debate o obscurantismo da dicotomia bem versus mal, retirar a Nicarágua do contexto
geopolítico e apoiar a queda de um governo legitimamente eleito é um desserviço.
Em seu Discurso de Angostura, Simón Bolívar afirmou que “um povo ignorante é instrumento
cego de sua própria destruição”, uma vez que adotam ilusões como realidade, confundem “a traição
pelo patriotismo; a vingança pela justiça”.
Quase duzentos anos depois, essa análise segue talvez mais atual do que nunca. A enxurrada de
informações com que somos bombardeados diariamente tem levado a um fenômeno absolutamente
pernicioso: o maniqueísmo analítico.
Nesse sentido, criticar, por exemplo, as políticas genocidas de Israel contra o povo palestino
invariavelmente se torna “antissemitismo”; defender o Estado Democrático de Direito contra os
ataques em nome da cruzada contra a corrupção se torna coisa de “esquerdista”; toda manifestação
de rua, por mais manipulada, violenta que seja, se torna “legítima”. A lista é longa. Não há nuance,
não há contexto, não há análise verdadeiramente crítica. A única coisa que decanta é a velha
oposição entre bem e mal; se eu estou certo, você está errado e o debate se encerra por aí. E a
Nicarágua vem se tornando o mais recente exemplo desse fenômeno.
Ortega é agora o grande bicho-papão da região. Assim como fizeram com Maduro durante os
protestos violentos organizados pela oposição em 2017, à direita e à esquerda vemos aflorar
“análises”, entre aspas, que endossam a velha fórmula dos “protestos pacíficos sendo violentamente
reprimidos pelo governo”. Deixam escapar, talvez inocentemente, os mais de 10 milhões de dólares
que tanto a USAID quanto o NED, o, digamos, braço intelectual da CIA, destinaram para “treinar”
estudantes na Nicarágua. Esquecem das consequências devastadoras das mudanças forçadas de
regime em toda a região – seja as do século passado, seja as que vemos agora no Brasil, Paraguai,
Honduras. E esquecem, acima de tudo, a quem essas mudanças interessam.
Veja bem, criticar o governo de Ortega (assim como qualquer outro governo, progressista ou não),
não só é um ato legítimo, como também necessário.
Agora, trazer para o debate o obscurantismo da dicotomia bem versus mal, retirar o que está
acontecendo na Nicarágua do seu devido contexto geopolítico e apoiar a queda de um governo
legitimamente eleito pelo voto popular é, para dizer o mínimo, um desserviço, expressão do
maniqueísmo analítico que tanto empobrece o debate. E as consequências são aterradoras, como
podemos constatar pela nossa própria experiência no Brasil.
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