terça-feira, 31 de julho de 2018

Como Bete Mendes denunciou seu torturador, o coronel Ustra, após uma viagem ao Uruguai


Bete Mendes
A atriz Bete Mendes deu um depoimento para a jornalista Eleonora de Lucena na Folha de S.Paulo.
Em 1985, numa viagem ao Uruguai, ela encontrou o coronel Brilhante Ustra, que a torturou em
1970.
Deputada federal na ocasião, Bete denunciou Ustra ao presidente José Sarney.
Fui presa duas vezes. Na primeira, não fui torturada fisicamente. Na segunda, foi total. Fui torturada
[em 1970] e denunciei [o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra]. Isso me marcou profundamente. 
Não desejo isso para ninguém –nem por meus inimigos. A tortura física é a pior perversidade da raça 
humana; a psicológica, idem.
Não dá para ter raiva [de quem me torturou]. A gente é tão humilhado, seviciado, vilipendiado que o 
que se quer é sobreviver e bem. Estou muito feliz, sobrevivi e bem. E não quero mais falar desse 
assunto.
Superei isso com tratamento psicológico e com trabalho. Agradeço à família, à classe artística, aos 
amigos que foram meu alicerce.
Carlos Zara me convidou para fazer a novela “O Meu Pé de Laranja Lima”, e isso me salvou. 
Continuei o trabalho artístico, fui fundadora do PT, fui deputada federal duas vezes e secretária da 
Cultura de São Paulo.
Comecei a fazer teatro e cantar com seis anos de idade. Com oito já participava de manifestações de 
alunos. Era do grêmio do colégio, depois fui para o diretório da faculdade. Em bibliotecas públicas 
ou pegando livros emprestados lia tudo: Rousseau, Marx, Mao, Lênin, Gorki, Aristóteles. Depois, 
adotei o codinome de Rosa em homenagem a Rosa Luxemburgo.
VAR PALMARES
Na adolescência escrevi textos de peças de teatro. Quando fui presa, eles levaram esses textos. 
Achavam que eles eram prova de crime, que depunham contra mim. Nunca mais os recuperei. Era 
coisa tão pouca, boba, pessoal.
Quando fecharam as portas à democracia, me senti usurpada, revoltada, aprisionada. Achei que a 
única saída era entrar numa organização revolucionária contra a ditadura militar. Entrei na VAR-
Palmares. Fizemos aquela opção. Foi certa, errada? É difícil julgar hoje.
A minha visão era a revolução socialista: tirar poder dos militares, dos opressores, do capitalismo 
selvagem. Deixar a gente governar para o bem de todos, com todos participando.
Eu tinha 18, 19 anos e achava que podia fazer tudo. Não tinha consciência do risco imenso que 
estava correndo. Era atriz de uma novela que explodia no Brasil, “Beto Rockfeller”, estudava 
ciências sociais na Universidade de São Paulo e participava de uma organização clandestina 
revolucionária. Aí deu zebra.
O medo era a pior coisa que a gente sentia na época. Historicamente tem que se reconhecer que nós 
entramos numa ditadura muito mais pesada do que foi dito no passado. Isso vai sendo desdito 
atualmente pela Comissão da Verdade.
Hoje não tenho medo de retrocesso, mas é preciso prestar atenção em manifestações como de 
movimentos nazistas em vários países e no Brasil. Por exemplo? O coronel Brilhante Ustra faz parte 
desse movimento. Ele tem um site. Há jovens fazendo movimento nazista.
DEMOCRACIA
É um receio. É preciso ser cauteloso em relação a movimentos que podem ser prejudiciais ao avanço 
democrático. Mas impedir jamais, porque a gente legitima a manifestação de todos, de opiniões 
diversas. É preciso cuidar da democracia para que esses movimentos não cresçam.
Sou política como qualquer cidadão. Sou cidadã, atriz, socialista. O socialismo se constrói todo dia. 
Não temos o modelo socialista do passado, mas a gente constrói um novo. Quero continuar 
trabalhando como atriz e viajar mais. Poder viver essa democracia até morrer. Sonho político? Que o 
trabalho escravo acabe no Brasil.
Estou aqui viva e feliz. Minha vida é muito efervescente. Emendei três trabalhos na televisão. Faço o 
que eu gosto: ser atriz. Não vamos ficar presos no passado. O que eu tinha que dizer disse com todas 
as letras na época. “Revival” não tem sentido. Meu assunto hoje é [a novela] “Flor do Caribe”.
Problema de audição? Tenho. É que eu fui torturada. [Fica com os olhos marejados].

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