terça-feira, 19 de junho de 2018

CEM DIA DE INTERVENSSÃO TABAJARA NO RIO: UM FRACASSO


Samira Bueno: Por que o Rio de Janeiro e não Rio Grande do Norte? Por que não Alagoas?
Sergipe? Que são estados com taxas de homicídio muito superiores. A intervenção, ela não só não
vem surtindo efeitos, como você cria uma crise republicana e federativa, porque você tem vários
estados com indicador de criminalidade superiores ao do Rio de Janeiro, então como é que você
justifica, não só a intervenção pelo ponto de vista da mobilização dos quadros do exército, mas
também o recurso que está indo pra lá.
Reginaldo Nasser: Recentemente, com a questão da intervenção no Rio, o general Augusto
Heleno, que um dos que mais tem falado nisso, foi um dos primeiros comandantes de tropas na
“missão de Paz no Haiti, e ele tem dado muita entrevista agora, ele está na Reserva, mas é uma
pessoa de referência, e ele diz isto claramente; “Nós vamos fazer no Rio de Janeiro o que nós
fizemos no Haiti”. O general tem aparecido na televisão, na Globo, como especialista em segurança
pública, que é uma coisa muito interessante, porque se você voltar um pouco, é tradicional, os
militares não admitem que são de segurança pública, no primeiro momento, no sentido clássico: a
função do militares é defender o país, o combate externo e eventualmente nós entramos nas questões
internas. Hoje eles estão admitindo explicitamente isso.
Bueno: Eu não gosto dessa expressão “guerra”, porque eu acho que quando a gente fala que o
Brasil está em guerra, é uma justificativa para a gente usar o exército, e é um pouco o que está
acontecendo no Rio de Janeiro, uma justificativa de que o Rio de Janeiro está em guerra e por isso
uma necessidade de usar a intervenção das Forças Armadas, então não deixa de ser, a gente não
deixa de conviver com indicadores de guerra, mas isso tem maios a ver com a incompetência do
poder público no desenvolvimento de políticas de segurança, do que efetivamente, um quadro de
descontrole ou de uma guerra entre etnias.
Nasser – Ele trocou o comando de segurança pública que está alocado no governo, podemos
discordar, mas eleito democraticamente etc. e colocou sobre o comando militar, isso é inédito nesse
período pós ditatura civil militar, então a mudança é essa. Eu diria que ao acontecer isso eles estão
querendo ir mais além. Eu me lembro que uma vez eu fui perguntar a um dos generais e eu vi minha
ingenuidade e inocência apesar de estudar política. Eu perguntei: Quando essas tropas vão para esse
campos e tudo mais, eles são regidos pelo que? Direito nacional humanitário, direitos humanos? Ele
falou: nenhum dos dois, regra de engajamento.
O que é essa regra de engajamento? Cada tropa de uma regra que é dada pelo comandante, e ele da a
liberdade para aquele que está em ação resolver o que ele deve fazer. Então, esse cara ali no terreno,
ele tem o poder de decidir, se aquele que está ali tem intenção hostil, não tem intenção hostil.
Ao lado disso, o que aconteceu? Os militares passam a ser julgados nesses atos pela Justiça Militar.
Veio coroar esse processo de intervenção. Eles estão atuando dentro do país, dentro das comunidades
como se fosse um teatro de guerra. Isso é guerra. Então são militares atuando como polícia, fazendo
operações policiais, mas ao mesmo tempo trazem esse ethos da guerra.
Bueno: Eu não consigo ver uma forma do Brasil sair dessa crise que não seja o investimento em
política pública. E colocar as Forças Armadas para fazer isso é exatamente o que nós não deveríamos
fazer. Estamos adotando o modelo mexicano e temos todos os exemplos de que a “mexicanização”
da segurança pública não só não vai funcionar no Brasil como não funcionou no México. Então a
minha única preocupação de trabalhar com essa concepção de guerra é que a gente reforça o modelo
belicista, militarizado, que a gente vem fazendo até agora e não funcionou.A gente tem que enfrentar
isso de maneira séria e entender que isso é uma responsabilidade do poder público nas suas três
esferas. Segurança pública não é só um problema de polícia. Se fosse, já teríamos resolvido.
Nocaute: Você acha que isso abre um precedente para uma intervenção maior?
Nasser: Abre o precedente, não tenha dúvida nenhuma. Porque pôs um pé ali dentro do governo,
governo do estado eleito, e numa área fundamental que é segurança. Não é de se estranhar que numa
sequência de eventos eles venham interpretar também que o governador está inabilitado para isso.
São princípios de estado de direito, democráticos, que vêm sendo corroídos progressivamente e
gradativamente. Hoje no mundo não temos mais aquele modelo de 60 e 70, toma de uma vez, golpe
militar. Você tem a corrosão sistemática, progressiva de várias coisas que atingem as pessoas no seu
cotidiano. É uma outra forma. Mas não tenho dúvida nenhuma de que é um precedente muito
perigoso.
Bueno: A redemocratização do Brasil não mudou nada na arquitetura institucional da segurança
pública. A gente vem de um período de ditadura militar e manteve as mesmas pessoas, nas mesmas
posições, dizendo para elas que tinham que fazer política de segurança. Um pouco do que a gente
vive hoje é reflexo das escolhas que fizemos ou não fizemos nos anos 80, dos fantasmas que a gente
não enfrentou. E o pior: estamos flertando com o autorismo num momento em que Jair Bolsonaro
aparece como um dos principais candidatos à Presidência.
A esquerda historicamente no Brasil não se preocupou com políticas de segurança pública porque
apostava que com a redução da desigualdade a gente ia resolver os dilemas cruciais da violência e
vários outros. E isso não se converteu. Ao passo que a direita o tempo todo nesses últimos 30 anos
ficou discutindo política de segurança pública e conseguiu impor um modelo hegemônico.
O que a gente vem reproduzindo é um modelo que a direita idealizou. Mas a esquerda nunca teve
nada para colocar como contraponto. Então veio com um projeto de direitos humanos muito forte,
mas esqueceu que tinha que ter política de segurança junto. Se essas duas coisas não andam de forma
conjunto, acontece o que aconteceu no Brasil: uma desmoralização completa dos direitos humanos.
As pessoas acreditam que direito humano é coisa de bandido, não entendem que isso é uma
efetivação de direitos para toda a população e no fundo até hoje a esquerda não tem um plano real e
concreto para a redução da violência. Acho que essa é a maldição da esquerda hoje no Brasil.

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