sábado, 17 de fevereiro de 2018

MILITARES OU MARIONETES?: É lamentável que os militares se prestem a esse papel, deixando-se manipular



Publicado no site NÓS POR LUIZ EDUARDO SOARES, antropólogo, escritor, dramaturgo e 
professor de filosofia política da UERJ. Foi secretário nacional de segurança pública.

A situação da segurança pública no Rio é gravíssima e, portanto, não há mais lugar para discursos 
oficiais defensivos e auto-indulgentes. O crime organizado se espalhou como por metástase, mas 
note bem: só há crime organizado quando estão envolvidos agentes do Estado. Segmentos 
numerosos e importantes das instituições policiais não apenas se associaram ao crime, mas o 
promoveram –e aqui se fala sobretudo no mais relevante: tráfico de armas, crime federal. O que fez a 
polícia federal? O que fez o Exército, responsável com a PF pelo controle das armas?
O que fez a Marinha para bloquear o tráfico de armas na baía de Guanabara? O Estado do Rio está 
falido, suas instituições profundamente atingidas, mas o que dizer do governo federal e dos 
organismos federais? De que modo uma ocupação militar resolveria questões cujo enfrentamento 
exige investigação profunda e atuação nas fronteiras do estado, além de reformas institucionais 
radicais e grandes investimentos sociais?
Os próprios militares sabem que não podem nem lhes cabe resolver o problema da insegurança 
pública. Sua presença transmitirá uma sensação temporária de que o Rio se acalmou, porque os 
sintomas estarão abafados, mas nada será solucionado e a solução sequer será encaminhada. Basta 
analisar o que se passou na Maré: o Exército ocupou as favelas por um ano, desgastou-se na relação 
com as comunidades, a um custo de 600 milhões de reais, e tão logo as tropas se retiraram, os 
problemas retornaram com mais força.
Já que não se trata de enfrentar os verdadeiros e permanentes desafios da segurança pública, muito 
menos resolvê-los, a que serve a intervenção: são três, a meu ver, suas funções, todas de natureza 
eminentemente política –é lamentável que os militares se prestem a esse papel, deixando-se 
manipular, politicamente, como peões em um jogo de cartas marcadas.

(1) Muda-se a narrativa sobre a realidade do Rio, investindo-se na expectativa sebastianista da 
redenção, que se realizaria, nesse caso, pelas Forças Armadas, em especial o Exército, e pelo 
governo federal. Um projeto dessa magnitude não seria implantado sem um acordo com a grande 
mídia, porque sua descrição dos fatos e sua escolha de focos serão decisivas para o êxito político da 
operação. Ela consistirá essencialmente no deslocamento de Bolsonaro, abrindo-se um espaço para 
que uma candidatura de centro-direita, em nome da lei e da ordem, mas legalista, capture o 
eleitorado de direita: ter-se-ia, assim, uma espécie de bolsonarismo sem Bolsonaro. Sai o capitão 
aventureiro e desorienatdo, e entram generais formalmente legalistas, embora “duros”. Abre-se novo 
espaço para candidaturas no Rio e no país, e para a emergência de lideranças “de fora da política” e 
“impolutas”.
Parece que está em curso uma transição: aos poucos, deixamos de ser o país dos juízes para nos 
tornarmos a nação dos generais –de novo, ainda que, dessa vez, com cobertura legal, uma vez que, 
depois do impeachment, qualquer atropelo às leis poderá ser tolerado desde que os fins justifiquem, 
para seus operadores, os meios. As denúncias relativas ao auxílio moradia contra Moro e Bretas, 
poucos dias depois da condenação de Lula em segunda instância, deixa claro que, para a mídia e as 
elites que mandam no país, em particular o capital financeiro e seus sócios internacionais, o papel 
dos magistrados já foi cumprido e agora é tempo de “cortar suas asinhas” para evitar que acreditem 
no próprio personagem e avancem sobre o PSDB, os bancos e as corporações midiáticas. Como se 
vê, a intervenção militar no Rio complementa a exclusão de Lula da disputa eleitoral, uma vez que 
não seria suficiente exclui-lo e prosseguir na sistemática marginalização da candidatura Ciro Gomes, 
se a direita e o centro não se entendessem e criassem uma alternativa viável.

(2) Atuando-se reativamente na emergência, impede-se mais uma vez que alcancem a agenda pública 
temas fundamentais: (a) a política de drogas; (b) a reforma do modelo policial e a refundação das 
polícias, com a mudança do artigo 144 da Constituição (por exemplo, com a aprovação da PEC-51 
que o senador Lindbergh Faria apresentou em 2013);

(3) a repactuação entre o Estado e as comunidades que vivem em territórios vulneráveis, em especial 
a juventude, de modo a que as instituições policiais deixem de ser parte do problema e se 
transformem em parte da solução. Hoje, as execuções extra-judiciais são a regra, o que leva analistas 
a declarar que essas áreas estão sob a regência de um Estado de exceção. Infelizmente, isso ocorre 
com a anuência, por cumplicidade ou omissão, do Ministério Público e as bençãos do poder 
Judiciário;

(4) o investimento em infra-estrutura, educação e cultura, e a abertura de novas oportunidades para a 
juventude mais vulnerável, respeitando-se as camadas populares e, assim, bloqueando o 
aprofundamento do racismo estrutural. Os recursos, aos bilhões, viriam do corte no pagamento de 
juros aos rentistas. Um efeito lateral nada desprezível seria a suspensão das votações no Congresso 
da reforma da previdência, salvando o governo de uma derrota, no item que supostamente justificaria 
sua ascenção ao poder. Por mais que, hoje, o governo negue essa possibilidade, está aberta a 
temporada de caça a brechas judiciais para obstar o processo de votação.

Não posso concluir sem chamar atenção para os riscos que a intervenção militar representa para os 
moradores das comunidades e para os próprios militares, que são jovens e não foram treinados senão 
para o enfrentamento de tipo bélico. A primeira morte provocada por um militar, em decorrência da 
nova legislação, será julgada pela Justiça militar, o que poderá transferir para a arena jurídico-
política internacional a problemática da ocupação do Exército, tornando a operação política um 
desastre, a médio prazo, a despeito do provável apoio ufanista da grande mídia. Por outro lado, se 
um militar for atingido mortalmente, as consequências serão imprevisíveis, fazendo girar mais rápida 
e intensamente o círculo, ou a espiral da violência.
Além de tudo, não nos esqueçamos do exemplo mexicano: quando as Forças Armadas se envolvem 
na segurança pública, abrem-se as portas para sua degradação institucional.

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