O semipresidencialismo esvaziaria a eleição direta e a condenação de Lula seria uma aberração jurídica, além de “um profundo ataque à democracia”, diz Guilherme Boulos, 35, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), cotado para disputar a Presidência pelo PSOL.
O julgamento em segunda instância do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está marcado para o dia 24 deste mês de janeiro, em Porto Alegre. E a proposta de uma PEC para implantar o sistema semipresidencialista (depois da eleição) vem sendo costurada pelo ministro do STF Gilmar Mendes e pelo presidente Temer.
Liderança emergente de esquerda, Boulos vê a investida de tipo parlamentarista como um “retrocesso”. Diz que a mudança retiraria poder de decisão do povo e o “terceirizaria” para um Parlamento dominado por representantes de oligarquias e de grandes interesses econômicos –que passaria, na prática, a escolher quem governaria o Brasil.
A conversa aconteceu antes da publicação da entrevista de Marcelo Freixo à Folha, na qual o ex-candidato à Prefeitura do Rio diz que não sabe se é o momento de unificar a esquerda. Instado posteriormente a falar sobre as declarações de seu correligionário , o líder do MTST preferiu não comentar.
Blog – Está em curso uma articulação conduzida por Temer e Gilmar Mendes para apresentar uma PEC com o intuito de mudar o sistema político para o semipresidencialismo. Como você vê essa proposta?
Boulos – Momentos de crise são momentos em que retrocessos se apresentam como falsas soluções. O sistema político está falido e precisa ser mudado, mas essa mudança deve se dar com a ampliação da participação popular, não com a redução. Para ampliá-la, é necessário adotar mecanismos que envolvam referendos e plebiscitos em temas fundamentais; é importante também construir canais de participação mais permanentes da população, através de conselhos deliberativos. É preciso aproximar o poder das pessoas. Democracia não pode ser apenas apertar um botão a cada quatro anos.
As distorções do presidencialismo de coalizão podem ser resolvidas em parte com essa ampliação do controle social e com formas de participação direta. Há também a questão do voto em lista, como maneira de despersonalizar o processo eleitoral, enfraquecendo o clientelismo. Já o semipresidencialismo seria um retrocesso.
Blog – Mas não poderia ser uma saída para solucionar ou contornar crises?
Boulos – Não é uma saída. Basta ver quem está propondo. Uma proposta que venha de Temer e Gilmar Mendes deve ser vista em princípio com muita desconfiança. O semipresidencialismo é uma forma de esvaziar ainda mais a democracia em nosso país.
Nós temos uma democracia de baixa intensidade no Brasil, como constatou o professor Boaventura de Souza Santos. O semipresidencialismo na verdade daria todo o poder ao Parlamento. E a este Parlamento, com essa composição, na qual historicamente as oligarquias e os grupos de interesse econômico predominam.
Você imagina um Eduardo Cunha ou outros que têm suas redes de influência parlamentar desde sempre decidindo sobre quem vai governar o Brasil… Na prática é isso. É esvaziar a eleição direta, é esvaziar um momento de decisão popular e terceirizar essa decisão para o Parlamento.
Blog – Propostas de parlamentarismo já surgiram em outros momentos e foram rejeitadas em plebiscitos. Agora a ideia é tentar aprovar uma emenda à Constituição, um caminho que parece polêmico.
Boulos – Mudança de regime político precisa passar pela decisão popular. É curioso observar as aparições da proposta parlamentarista. Ela foi colocada em 1961 para impedir João Goulart de assumir a Presidência. A seguir, houve um plebiscito e o povo rejeitou. Depois tivemos um outro plebiscito em 1993 –e novamente a proposta foi rejeitada.
A questão reapareceu no fim dos anos 90, judicializada, e não foi adiante. Agora, o Supremo desengaveta a ideia para tentar viabilizá-la por meio de uma emenda constitucional. Historicamente o povo rejeitou. Tentar aprovar isso com uma PEC é tentar subverter a vontade popular. É inadmissível. Neste momento histórico, no Brasil, seria um profundo retrocesso democrático.
Blog – Como você vê a perspectiva de Lula ser condenado e impedido de concorrer à eleição presidencial?
Boulos – A forma de condução do processo contra Lula é uma aberração jurídica. Primeiro, Sergio Moro o condenou sem provas, num julgamento político. As cartas estavam marcadas. Agora, o TRF4 acelera todos os ritos e antecipa o julgamento, no pior estilo sumário dos tribunais de exceção. Respeito muito o Ciro Gomes, mas não acho que Justiça boa seja Justiça rápida. Justiça boa é a que faz justiça e respeita os direitos de defesa, sem linchamentos.
Ninguém está acima da lei, mas também ninguém pode estar abaixo. Lula não está tendo um julgamento justo até aqui. Espero que o tribunal acate o recurso de Lula e desmonte esse absurdo. O MTST estará dia 24 em Porto Alegre com toda sua militância para defender essa posição nas ruas.
Blog – Qual seria o significado histórico de uma condenação?
Boulos – A condenação de Lula significaria, neste momento histórico e nas circunstâncias do processo, um profundo ataque à democracia. O Judiciário retiraria no tapetão e de forma casuística o candidato mais popular. Seria um novo momento do golpe.
Por isso, denunciar uma condenação sem provas e defender o direito de Lula ser candidato é defender a democracia, é enfrentar o golpe. Independentemente de gostar ou não de Lula, de concordar ou não com ele. Eu mesmo divirjo de posições dele, mas estaremos em Porto Alegre e nas trincheiras de defesa da democracia. Como estivemos em defesa do mandato de Dilma, mesmo divergindo de opções políticas que seu governo tomou. É saber estar do lado certo da história.
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