Quanto tempo o Jornal Nacional desta terça, 3, dedicou à tragédia do reitor da UFSC, Luiz
Carlos Cancellier? Zero. Repito: zero. A repercussão do suicídio foi escondida na mídia. A
razão é uma só: ela é cúmplice. O estado policialesco em que vivemos é resultado de anos de
doutrinação e emburrecimento iniciados com o mensalão e com a indignação coletiva que
frutificou. As capas canalhas da Veja, os jograis de William Bonner, o vômito de ódio de
colunistas deseducaram e deram subsídio para milhares de cretinos que evoluíram para o
fascismo sem medo de ser felizes. Temos um juiz absoluta e desavergonhadamente parcial
como heroi. No nosso novo normal, ele vai a premieres de filmes em que ele mesmo é
protagonista e tudo bem. A cobertura é do Oscar.
Não há dúvida de que uma grande parte da responsabilidade pela morte do reitor Luiz Carlos
Cancellier de Olivo cabe ao Judiciário, na figura da juíza. Ela decretou uma prisão absolutamente
desnecessária, cujo único objetivo discernível era abater moralmente e humilhar. Uma prisão
decretada antes de que o preso tivesse sequer sido convocado a prestar esclarecimentos! A prisão foi
revogada, mas a juíza manteve o reitor incomunicável, a despeito de um claro diagnóstico de
depressão.
Estava impedido de entrar no campus e, fora advogados e médicos, só podia falar com seu irmão, o
Estava impedido de entrar no campus e, fora advogados e médicos, só podia falar com seu irmão, o
jornalista Júlio Cancellier. Quando concedeu que ele retomasse algumas atividades acadêmicas, foi
introduzindo uma nova humilhação: sua presença na universidade seria estritamente cronometrada,
duas horas e meia, como se fosse um elemento tóxico ou radioativo.
Em suma: um exemplo perfeito da prepotência, da insensibilidade e do autoritarismo que,
Em suma: um exemplo perfeito da prepotência, da insensibilidade e do autoritarismo que,
infelizmente, grassam no Judiciário brasileiro. Pergunto: uma vez que esse evidente abuso de poder
levou a consequências tão trágicas, haverá algum tipo de punição à juíza?
Mas há uma cota de responsabilidade importante que cabe à mídia. Ela é a cúmplice ativa dos
processos de pré-julgamento e assassinato moral promovidos pelo Judiciário. Ainda hoje, ao noticiar
a morte do reitor, a Folha de S. Paulo escreve que ele integrava um grupo “suspeito de desviar R$ 80
milhões em recursos que deveriam ser investidos em programas de Educação à Distância”.
Há duas inverdades na frase. O projeto totalizava R$ 80 milhões; o valor que se suspeita que tenha
Há duas inverdades na frase. O projeto totalizava R$ 80 milhões; o valor que se suspeita que tenha
sido desviado é alto, mas não chega a 0,5% desse montante. E, mais importante, a acusação que
pesava contra o Cau não era de participar do desvio, que teria ocorrido antes de sua gestão, mas de
estar “obstruindo as investigações” (acusação que ele negava).
A mídia reproduz, de forma leviana, informações imprecisas ou mesmo falsas, embarca alegremente
A mídia reproduz, de forma leviana, informações imprecisas ou mesmo falsas, embarca alegremente
na culpabilização antecipada dos denunciados e, quando concede espaço para o contraditório, é
apenas de forma burocrática e limitada. O Judiciário pode preparar os archotes, mas quem risca o
fósforo para o linchamento moral é a mídia.
Ao noticiar desta maneira a morte do reitor, a Folha trabalha para esvaziar o sentido de denúncia
Ao noticiar desta maneira a morte do reitor, a Folha trabalha para esvaziar o sentido de denúncia
contra a arbitrariedade que Cau buscou imprimir ao sacrifício de sua própria vida.
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