segunda-feira, 3 de outubro de 2016

OS ESCOMBROS DO PT



Aldo Fornazieri – Professor de Filosofia Política. 

As eleições municipais reduziram o PT a pouco mais que escombros. Não faltaram advertências, 
principalmente a partir de 2013, de que o partido se encaminhava para um desastre. As críticas 
foram colhidas pelos petistas de duas formas: o menosprezo arrogante por parte de quem detinha 
poder e direção e acusações por boa parte da militância que, também arrogante, classificava as 
críticas como PIG, moralistas, esquerdistas etc.
O poder fez muito mal ao PT: a estrutura partidária e dirigentes se corromperam, a militância se 
domesticou e os movimentos sociais que orbitavam em torno do PT começaram a orbitar em 
torno do Estado, sendo cooptados e perdendo a energia combativa na luta por direitos e justiça. O 
PT se transformou no partido dos palácios, dos gabinetes, do luxo e da arrogância. Ninguém 
promove tal movimento sem que desabe sobre ele, mais dia menos dia, o merecido castigo do 
povo.
O PT alimentou a mesma crença que as elites históricas conservadoras alimentaram desde os 
tempos coloniais no Brasil: a de que a sociedade pode ser moldada e transformada desde o alto, 
desde o Estado. Esta prática sempre engendrou dominação e não liberdade e cidadania. Enquanto 
esta crença permanecer vigente, o Brasil permanecerá eternamente deficiente em seu conteúdo 
nacional e popular e a sociedade carecerá de vínculos societários republicanos, orientados para o 
bem comum e para o interesse público. Aqueles que chegam ao poder sempre se tornarão 
representantes de grupos e interesses particularistas, a se apossar do erário público em 
detrimento dos interesses de caráter universalizante. Será sempre o velho patrimonialismo 
vestido com roupas novas.
O PT se deixou abater pelo erro mais comezinho que as esquerdas vêm cometendo desde o século 
XX: a corrupção. A corrupção vem sendo, ao longo das décadas, a espada nas mãos da direita e da 
mídia para fazer rolar as cabeças da esquerda. Os eleitores mostram-se intolerantes à corrupção 
das esquerdas, pois, querem ver nelas uma reserva moral da sociedade, um exemplo da 
administração correta da coisa pública, um cimento de ética na sociedade. Quando as esquerdas 
se corrompem, os eleitores se sentem traídos.
Pouco a pouco, o PT foi caminhando para aquela condição mais indesejável da política: ser 
odiado. Isto já era visível nas eleições de 2014. De lá para cá, a imagem do partido foi se 
deteriorando, seja porque as denúncias se revelaram medonhas, seja porque os ataques dos seus 
inimigos foram devastadores sem que houvesse uma linha de resistência e de contraofensiva. Ao 
mesmo tempo em que se destruía, o partido se deixava destruir. A cada ataque, a direção 
partidária reagia com notas burocráticas e protocolares, foi perdendo credibilidade e deixou de 
ostentar virtudes e força moral capazes de mobilizar a militância. Como já se disse, a direção do 
PT tornou-se um comitê de generais de gabinete sem exército e a militância se tornou um exército 
sem generais.
“Ser odiado” é a condição absoluta que precisa ser evitada em política, ensina Maquiavel. Como 
partido antimaquiaveliano que é, o PT, ao passar da praça para os palácios deixou de olhar a 
realidade com os olhos da praça, deixou de se situar na planície e passou a olhar o povo com o 
ângulo de mirada dos palácios. Mas não sabia jogar o jogo dos palácios e passou a acreditar em 
aliados que eram e são gananciosos, simuladores e ambiciosos. Emprestaram prestígio aos 
petistas enquanto estes lhes eram úteis e os traíram sem cerimônia na consumação do golpe. 
Golpe que o próprio PT ajudou a construir seja pela sucessão de erros políticos, de 
incompetências, e seja pela própria falta de apoio à presidente Dilma em momentos delicados em 
que o governo caminhava para a deriva.
Pela condução desastrosa que o PT vem tendo nos últimos anos, a direção partidária deveria 
renunciar nos primeiros dias desta semana. Uma comissão provisória deveria ser constituída com 
a tarefa de convocar e conduzir um Congresso partidário antes do final do ano. Se nenhum aceno 
for feito neste sentido, a tendência maior é a de que o PT caminhe para uma divisão irreversível. 
Não é admissível que os condutores do desastre continuem comandar um partido que foi 
esperança do povo brasileiro e se afogou nos seus próprios erros. Não há, em torno da atual 
direção, capacidades políticas, morais e intelectuais que sejam capazes de tirar o partido da crise.
Que fazer?
Esta velha pergunta, que precisa ser recolocada, suscita hoje muito mais dúvidas do que certezas 
às esquerdas. Antes de tudo, as esquerdas precisam se unir em torno do que sobrou dessa 
devastadora eleição: Freixo no Rio de Janeiro, João Paulo em Recife, Edmilson Rodrigues em 
Belém, Edvaldo Nogueira em Aracaju etc.
Com muitas divisões, com baixa propensão à unidade, com um ideário desconectado ao mundo 
contemporâneo, com organizações autoritárias e burocráticas, com uma retórica que não dialoga 
com a sociedade, com uma enorme crise em suas visões de mundo, as esquerdas vivem uma 
defensiva mundial, ao mesmo tempo em que cresce o rancor e o ódio neofascistas.
A crise das esquerdas se alinha com a própria crise civilizacional que tende a se agravar em várias 
dimensões: ambiental, social, econômica, humana. O mundo do futuro próximo, dizem os 
economistas e analistas mais atentos, será um mundo sem empregos, com populações que viverão 
cada vez mais. Em contrapartida, a concentração de renda e riqueza é crescente. As democracias 
são cada vez menos legítimas e cada vez mais incompetentes em fornecer respostas aos 
problemas das sociedades.
As esquerdas brasileiras pararam no tempo. Discutem os problemas com retóricas e paradigmas 
do século XX, quiçá, do século XIX. Nos últimos anos houve um abandono das incipientes 
experiências de governança democrática que vinham sendo desenvolvidas. Nos municípios, nos 
estados e no governo federal, os governantes, secretários e ministros ditaram as suas “verdades” 
às sociedades. Ao mesmo tempo em que direitos deixaram de ser garantidos, não se investiu na 
inovação e na qualidade dos serviços e direitos. Os governos continuaram analógicos em 
sociedades digitais. Reformas cruciais, seja no plano macro ou no plano micro, sequer foram 
cogitadas.
A ideia de aglutinar as esquerdas numa frente, que garanta a unidade na pluralidade, ganha força 
em face das fragilidades e derrotas recentes. A construção dessa frente, se vier a se concretizar, 
contudo, necessita de um processo amplo de definição de conteúdos programáticos e de métodos 
de condução dos processos internos. A perspectiva é a de que essa frente aglutine partidos, 
movimentos políticos e sociais, indivíduos e grupos cívicos, num novo tipo de organização e de 
relação política, sem as práticas hegemonistas e de controle burocrático, tão comuns às esquerdas.
A derrota eleitoral, somada ao golpe e às perspectivas de retrocessos em direitos, foi avassaladora. 
Subestimá-la, persistir nos erros e não fazer autocrítica significa contribuir para a consolidação de 
um projeto conservador que vem se delineando. Neste momento, o desafio das esquerdas é 
paradoxal: precisa construir sua unidade ao mesmo tempo em que promove um ajuste de contas.
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