quinta-feira, 20 de outubro de 2016

O FAZ DE CONTA DA PRISÂO DE CUNHA..... ELE É PEÇA DO GOLPE DENTRO DO GOLPE


PAULO MOREIRA LEITE

A honestidade me obriga dizer que os motivos alegados para a prisão de Eduardo Cunha -- risco de 
fuga para o exterior, ameaça as investigações -- não me convencem.
O motivo é político, como um lance indispensável à justiça do espetáculo. Cunha é um dos mais 
notórios acusados da Lava Jato, com contas milionárias na Suíça, identificadas pelas autoridades 
daquele país e confirmadas pelo lobista Julio Camargo em dezembro de 2015.
Nesta situação, sua permanência fora da cadeia, diante de réus já aprisionados com base em 
acusações muito mais frágeis, era um risco insuperável a credibilidade da Lava Jato. A partir de 
agora, ficou menos complicado justificar medidas arbitrárias, quem sabe até a maior de todas -- uma 
eventual prisão de Lula. Para além de fatos concretos, estamos diante de uma retórica que precisa de 
balanços e compensações para não perder o discurso.
Não custa lembrar que, embora as provas particularmente robustas contra Cunha fossem conhecidas 
há tempos, ele manteve todas as prerrogativas do cargo enquanto era um personagem indispensável 
na articulação que planejou e encaminhou o impeachment da presidente Dilma Rousseff -- missão 
que, por exigência constitucional, só o presidente da Câmara de Deputados teria o direito de assumir. 
Mesmo denunciado pelo Ministério Público assim que as primeiras denúncias surgiram, só foi 
afastado do cargo quando Dilma já perdera a cabeça.
A prisão foi acompanhada pelo rumor de que Eduardo Cunha poderá fazer delações premiadas 
cabeludas, capazes de atingir, particularmente, um de seus maiores aliados, o governo Michel Temer. 
Não custa recordar a frase antológica de Romero Jucá: "Temer é Cunha", disse ele, em conversa 
gravada com o senador-empresário Sérgio Machado.
Não há dúvida, assim, que a prisão de Cunha é uma medida que esvazia o governo Temer, dá uma 
nova razão para questionar sua legitimidade e sem dúvida irá dificultar um projeto de destruição do 
país. A estabilidade que Temer busca desde a posse pode se transformar numa impossibilidade 
técnica e jurídica a partir de agora.
Quem tem malícia para examinar o calendário político, precisa encarar essa hipótese sem 
ingenuidade, porém. Vamos imaginar, por hipótese, que, mesmo tendo mulher e filha na linha de tiro, 
situação delicada para toda pessoa que se encontra sob risco de uma longa pena de prisão, Cunha de 
fato tenha munição e disposição para dinamitar o mandato de Michel Temer, forçando seu 
afastamento pelo Congresso.
Pelo ritual visto na Lava Jato, uma delação não irá ocorrer antes de dois meses, no mínimo. Pela 
constituição, a substituição de um presidente afastado pode ocorrer de duas formas. Até 31 de 
dezembro, o posto será preenchido através de eleições diretas, em urnas, convocadas pelo Congresso. 
Depois dessa data -- hoje faltam apenas dois meses e dez dias até lá -- o sucessor será escolhido pelo Congresso. Isso quer dizer que, se vier a fazer delação premiada, e se tiver munição suficiente para alimentar o impeachment de Temer, Cunha será, mais uma vez, protagonista de um golpe. Agora, um golpe dentro do golpe.
Deu para entender?
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