O relato do encontro com o ator Bud Spencer, famoso pelos filmes de faroeste ao lado de Terence Hill.
Por Edgar Welzel, Revista Bula
Encontrei-o apenas uma vez. Foi em San José, Costa Rica. Eu acabara de regressar ao hotel. Tinha passado a noite com amigos ao pé do vulcão Arenal para ver, na escuridão, o espetáculo do magma incandescente deslizando pela encosta da montanha.
Era no meio da tarde. Sob San José, apesar da altura, pairava um mormaço. Estávamos sedentos e ansiávamos por um copo d’água. Ninguém na recepção.
Nenhuma viva alma no enorme hall. O bar, oposto à recepção, fechado. De um dos corredores ouço um murmúrio, vozes, pessoas falando. Vejo uma porta aberta que dava para um enorme salão. Aproximo-me. Muita gente. Garçons portando bandejas com bebidas, sucos, vinhos, uísque e água. Uma recepção, pensei. Ouvi alguns conversando em espanhol, outros em inglês e, ainda outros, em italiano. Num grupo de homens, no meio do salão, vejo um deles de costas para mim, baixo, gordo, pescoço curto, nuca de touro e um copo d’água na mão esquerda. Com a mão direita gesticulava à italiana. Conheço este camarada de algum lugar, pensei. Nesse momento o homem gira o seu pesado corpanzil de forma que me foi possível vê-lo de perfil. Reconheci-o.
Me lembrei-me que há anos havia lido ou alguém me falara, que o homem, além de sua atual profissão, estudara Direito. Que era poliglota e que falava inclusive português. Queria testá-lo, queria saber se o homem realmente dominava o idioma de Camões. Aproximei-me dele. Dei-lhe uma palmada nas costas. O copo de água em sua mão estremeceu. Virou-se para mim. Falei-lhe dum jeito exageradamente coloquial:
— Amigo, que diabo, que bom que te ver! O que faz por aqui?
— Oh! Você por aqui? Há tempos não o vejo. Diga-me, onde andaste?
— Por aí!
— Para beber?
— Aceito um copo de água, obrigado! Fez um gesto ao garçom que, em seguida, ofereceu-me o precioso líquido. Estive no Brasil por alguns dias, observei.
— Ah! Brezile! Brezile! E aí, conte-me, como está o Recife? perguntou.
Eu, que há anos não ia a Recife, respondi:
— Tudo bem! Gente boa!
— De gente boa, de gente boa! Lembro!
— Como sabes?
— Passei lá três anos. Meu pai era cônsul. Aprendi um pouco de português.
Foi nessa altura da conversa que se aproxima outro cidadão. Sorriso nos lábios, loiro, não tão corpulento como o meu interlocutor, ombros largos. Seusolhos pareciam duas águas-marinhas. Ouvi que perguntou a um dos presentes fazendo um gesto com a mão em minha direção:
— Who is this guy (Quem é esse cara?)
O interrogado, que também não me conhecia, deu de ombros. Fiz de conta que nada vi e ouvi. O meu interlocutor deu-me uma palmada nos ombros e perguntou:
— Mais um copo d’água?
Aceitei. Continuamos a trocar algumas frases. Nada de sério. Conversa solta até que dei a entender que teria que sair. Despedi-me do poliglota. Deu-me um aperto de mão que quase estraçalha a minha e disse-me:
— Gostei de te ver. Ciao! Da próxima, não deixe passar tanto tempo. Ligue-me. Sempre que puder. Deixei o salão tão sorrateiramente como entrara.
Era no meio da tarde. Sob San José, apesar da altura, pairava um mormaço. Estávamos sedentos e ansiávamos por um copo d’água. Ninguém na recepção.
Nenhuma viva alma no enorme hall. O bar, oposto à recepção, fechado. De um dos corredores ouço um murmúrio, vozes, pessoas falando. Vejo uma porta aberta que dava para um enorme salão. Aproximo-me. Muita gente. Garçons portando bandejas com bebidas, sucos, vinhos, uísque e água. Uma recepção, pensei. Ouvi alguns conversando em espanhol, outros em inglês e, ainda outros, em italiano. Num grupo de homens, no meio do salão, vejo um deles de costas para mim, baixo, gordo, pescoço curto, nuca de touro e um copo d’água na mão esquerda. Com a mão direita gesticulava à italiana. Conheço este camarada de algum lugar, pensei. Nesse momento o homem gira o seu pesado corpanzil de forma que me foi possível vê-lo de perfil. Reconheci-o.
Me lembrei-me que há anos havia lido ou alguém me falara, que o homem, além de sua atual profissão, estudara Direito. Que era poliglota e que falava inclusive português. Queria testá-lo, queria saber se o homem realmente dominava o idioma de Camões. Aproximei-me dele. Dei-lhe uma palmada nas costas. O copo de água em sua mão estremeceu. Virou-se para mim. Falei-lhe dum jeito exageradamente coloquial:
— Amigo, que diabo, que bom que te ver! O que faz por aqui?
— Oh! Você por aqui? Há tempos não o vejo. Diga-me, onde andaste?
— Por aí!
— Para beber?
— Aceito um copo de água, obrigado! Fez um gesto ao garçom que, em seguida, ofereceu-me o precioso líquido. Estive no Brasil por alguns dias, observei.
— Ah! Brezile! Brezile! E aí, conte-me, como está o Recife? perguntou.
Eu, que há anos não ia a Recife, respondi:
— Tudo bem! Gente boa!
— De gente boa, de gente boa! Lembro!
— Como sabes?
— Passei lá três anos. Meu pai era cônsul. Aprendi um pouco de português.
Foi nessa altura da conversa que se aproxima outro cidadão. Sorriso nos lábios, loiro, não tão corpulento como o meu interlocutor, ombros largos. Seus
— Who is this guy (Quem é esse cara?)
O interrogado, que também não me conhecia, deu de ombros. Fiz de conta que nada vi e ouvi. O meu interlocutor deu-me uma palmada nos ombros e perguntou:
— Mais um copo d’água?
Aceitei. Continuamos a trocar algumas frases. Nada de sério. Conversa solta até que dei a entender que teria que sair. Despedi-me do poliglota. Deu-me um aperto de mão que quase estraçalha a minha e disse-me:
— Gostei de te ver. Ciao! Da próxima, não deixe passar tanto tempo. Ligue-me. Sempre que puder. Deixei o salão tão sorrateiramente como entrara.
O poliglota, um italiano nascido em Nápoles, foi batizado com nome de Carlo Pedersoli, que ninguém conhece. Certo dia, no início de sua carreira, ele mesmo é quem conta a história, “eu estava num bar e gostava da cerveja Budweiser e era fã do ator Spencer Tracy (1900-1967). Combinei os dois. Surgiu o meu novo nome: Bud Spencer”.
Milhões o conhecem, o Bud Spencer, dos filmes do gênero faroeste, o gordote cabeçudo, fleumático, mas de bom coração que distribuía bofetadas massacrando maus elementos, atingindo sempre tipos escroques. Bud Spencer tornou-se mundialmente famoso e sua biografia, “Minha Vida, Meus Filmes”, lançada simultaneamente em vários países europeus, revela um personagem brilhante, de vida diversificada, com múltiplos talentos que o tornam uma raridade como pessoa, ator, compositor, nadador, cantor, estilista, autor de roteiros, produtor musical, inventor, guitarrista, operário de fábrica no Rio de Janeiro, bibliotecário em Buenos Aires, secretário de embaixada no Uruguai.
Enquanto isso, Bud Spencer curte a vida sossegada de aposentado e alegra-se sempre quando o seu parceiro de
Na segunda metade de 2011 o sossego de aposentado de Bud Spencer foi interrompido por um inusitado abalo. O ator, ou melhor, seu nome foi motivo de um evento no mínimo engraçado.
O que se segue, para alguns leitores, pode parecer uma digressão. Mas, decididamente, não é. Forma o pivô dessa trapalhada verídica que se passou numa pequena
Em princípios de 2011, quando a obra já estava em fase final de construção, os responsáveis na prefeitura lembraram-se que o túnel deveria ter um nome. Foi nomeada uma comissão encarregada para a escolha de uma denominação apropriada. Não houve acordo. Em obras públicas o normal é um nome de uma personalidade ou de um evento local, enfim, algo que tenha relação com a cidade ou a região. A última palavra cabe ao Ministério dos Transportes em Berlim.
Como não houve acordo, a prefeitura resolveu pedir a colaboração da opinião pública colocando o assunto na homepage da própria prefeitura. Da homepage o assunto foi parar no facebook onde alguém (aparentemente um gaiato) sugeriu um nome que, em poucas horas, foi repetido por mais de 100 mil membros da rede social: Túnel Bud Spencer.
Túnel Bud Spencer! Aqui? Qual é a relação que Bud Spencer tem ou teve com a cidade ou a região? Nenhuma, concluíram os responsáveis da municipalidade. A prefeitura emitiu um comunicado: agradeceu a população pela colaboração prestada e explicou que o nome recomendado, Bud Spencer, não se adaptaria, pois o ilustre cidadão nunca teve nenhum relacionamento com a cidade.
Outro cidadão, morador da cidade, já de certa idade, que lera atentamente o comunicado, apresenta-se na prefeitura e contesta os termos do documento. O atento leitor lembrou-se que, no ano de 1950, Schwäbisch-Gmünd tinha uma piscina olímpica e que, em 1951, na Competição de Natação Europeia, um tal de Carlo Pedersoli recebera a medalha de ouro por ter vencido os 100 metros numa das disciplinas. “E, se não me engano”, acrescenta o cidadão, “este tal de Pedersoli é Bud Spencer”!
Em verdade, Bud Spencer, quando ainda era Carlo Pedersoli, realmente participou da competição, assim como participou, internacionalmente, em várias outras. Foi campeão italiano nos 100 metros durante sete anos consecutivos.
Em 1951 participou dos
Bud Spencer tinha, pois, algo a ver com a cidade. Afinal ganhara aí uma medalha de ouro em 1951! Mas como resolver a questão? Um dos vereadores sugeriu que se contatasse Bud Spencer em seu repouso na Itália. Este, ao ouvir a história, sentiu-se honrado e reagiu de forma pragmática, o que aliviou os ânimos em Schwäbisch-Gmünd: “Bud Spencer, como nome de túnel, não serve; mas como nome de piscina fica bem”, observou o ator, com aquele seu conhecido sorriso enigmático.
O túnel foi inaugurado em dezembro de 2011 com o nome de Gmünder Einhorn-Tunnel (Einhorn é um unicórnio que se encontra no brasão da cidade) e Bud Spencer esteve presente à cerimônia. A piscina, que na cidade simplesmente era chamada de piscina pública, foi reformada e recebeu o nome de piscina pública Bud Spencer. Depois de 62 anos, Carlo Pedersoli, o Bud Spencer, retornou ao lugar de uma de suas primeiras vitórias esportivas.
Bud Spencer acabou tirando vantagem da confusão. Aproveitou a oportunidade para promover a sua autobiografia em várias das grandes cidades da Alemanha, onde deu infindáveis horas de autógrafos. Fãs e demais curiosos acorriam às multidões e a sua obra foi vendida aos montes. Não tardou e o título foi parar na lista dos mais vendidos da revista “Der Spiegel”.
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