quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

FALTA O 11º MANDAMENTO NA LISTA BÍBLICA DO PROCURADOR FANFARRÂO


A Lava Jato só ataca um lado 

Luis Nassif

Há duas maneiras de ler a Lava Jato: pelas manchetes e pelas entrelinhas.
Já que as manchetes são óbvias, vamos a uma releitura através das entrelinhas do que saiu publicado 
nos últimos dias.
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O repórter policial da Folha, Frederico Vasconcellos, divulgou trechos de um trabalho de Ségio 
Moro de 2004, sobre a Operação Mãos Limpas, da Itália. Já havia sido divulgado e analisado no 
Blog há tempos. Como é repórter policial, restringiu-se aos abusos para-legais analisados por Moro 
na Mãos Limpas, e vistas por ele como imprescindíveis para a Lava Jato. Tipo, em linguagem 
policial: tem que manter o suspeito na prisão o máximo de tempo possível afim de que ele abra o 
bico.
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Mais sofisticado, o colunista Mário Sérgio Conti aborda outros ângulos do trabalho, exaustivamente 
discutidos no Blog. Um deles, o uso desabusado da imprensa, através do vazamento de notícias 
visando comandar a pauta.
Aborda também os aspectos geopolíticos da cooperação internacional - a rede internacional de 
autoridades de vários países, montada inicialmente para o combate à narcotráfico e ao terrorismo e, 
depois, estendida para outras atividades ilícitas, sob controle estrito das autoridades norte-americanas.
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Aqui, mostramos claramente que a cooperação internacional tornou-se uma peça da geopolítica norte-
americana, visando impedir concorrência desleal de empresas de outros países contra as americanas.
Conti faz uma baita ginástica para a conclusão óbvia: na cooperação internacional, os Estados 
Unidos entram com motivação econômica. O óbulo: "Para os toscos, é um garrote vil do 
imperialismo norte-americano". Para ele, que é sofisticado, "a corrupção beneficia as burguesias 
locais, mormente (sic) de países periféricos, em detrimento da classe dominante do Império". E 
justifica como um gesto de auto-defesa dos EUA – aquele país cujas ferramentas de espionagem não 
pouparam sequer presidentes de nações amigas.
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Pelo conteúdo, o artigo foi montado em cima de entrevistas com membros da Lava Jato, que 
admitem o jogo. Segundo eles, "admite-se que a motivação americana (e não apenas ela) tem boa 
dose de mercantilismo". Mas, no frigir dos ovos, acreditam que seja benigna, pois "ajuda o Brasil a 
resolver seus problemas".
A maneira como as corporações norte-americanas instrumentalizam suas instituições torna o Brasil 
um peixe fácil. É para ajudar o Brasil a resolver seus problemas que a Lava Jato tratou de 
criminalizar financiamentos à exportação de serviços, que o MPF tenta a todo custo envolver o 
BNDES e espalhar suspeitas sobre ações diplomáticas na África.
Nem se culpe juiz, procuradores e delegados. Eles apenas se valem de forma oportunista da 
fragilidade institucional brasileira, da visão rala de interesse nacional, de uma presidente 
politicamente inerte e de um Ministro da Justiça abúlico para ocupar espaços.
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A manipulação da mídia ficou clara em um episódio ocorrido ontem. Nos depoimentos, qualquer 
menção a Lula é vazado no mesmo dia.
Ontem, o repórter Rubens Valente, da Folha - que não pertence ao circuito mídia-Lava Jato - 
levantou o depoimento de um delator apontando propinas a Aécio Neves. É de junho passado. 
Passou seis meses inédito.
No período da tarde, a Lava Jato tratava de vazar correndo outro depoimento, indicando pagamento 
de propinas ao presidente do Senado Renan Calheiros, a um senador da Rede, Randolfo Rodrigues.
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Todo dia o procurador Deltan Dallagnol aparece em sua campanha pelos 10 pontos a serem alterados 
na lei para combate à corrupção.
Se fosse uma campanha efetivamente isenta, o 11º ponto seria a obrigação do Procurador Geral da 
República e do Supremo Tribunal Federal (STF) de abrir os dados em relação a todo pedido de vista 
ou todo inquérito engavetado. E de se criar formas que impeçam o uso político do vazamento 
seletivo de inquéritos.
No STF, o ex-Ministro Ayres Britto engavetou por dez anos, sem nenhuma explicação, o inquérito 
sobre o mensalão mineiro. Tinha que apresentar em uma sessão, foi tomar um café no intervalo, e na 
volta simplesmente deixou de falar sobre o inquérito.
Do mesmo modo, desde 2010 dorme na gaveta do PGR um inquérito contra Aécio Neves, acusado 
de ter conta no paraíso fiscal de Liechtenstein em nome de uma offshore. Como o próprio Procurador 
Geral observou, na denúncia contra Eduardo Cunha, o uso de offshores visa esconder a verdadeira 
identidade dos titulares da conta. E se visa esconder, é porque o dinheiro é de procedência duvidosa.
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De fato, o país precisa ser passado a limpo. E a Lava Jato tem feito um trabalho completo de 
desvendar as maracutaias de um lado. Mas esconde e blinda os malfeitos do outro lado.
Se ataca só um lado - a ponto de deixar por um fio o mandato de uma presidente inerte - e poupa o 
outro, é evidente que instrumentaliza o combate à corrupção em favor de interesses corporativos e 
políticos.
Essa hipocrisia não pode perdurar muito, ainda mais em um ambiente de redes sociais.
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