sexta-feira, 30 de outubro de 2015

A Lava Jato e a nova classe dos intocáveis



No Judiciário há três linhas de conduta em relação aos crimes do colarinho branco.
Existe a linha dos garantistas, que privilegiam os direitos individuais em relação à mão pesada do 
Estado. Existe a linha-dura, para quem o Estado - através dos códigos de processos - criou barreiras 
para impedir a aplicação das penas. E existe a corrupção, que se vale do suborno para obter sentenças 
favoráveis. Acima deles, uma legislação que permite postergar o máximo possível a punição.
O resultado final é um modelo em que o pobre é penalizado e o rico beneficiado.
Nesse lusco-fusco, cria-se um clima de animosidade entre linhas duras e garantistas. Respeitar 
direitos individuais significa se curvar a um modelo criado para impedir a punição dos culpados.
Este é o cenário a ser considerado quando se analisam os episódios recentes. Para a maioria dos 
procuradores envolvidos com essas operações, a briga central é contra a impunidade.
A maneira encontrada para contornar o poder dos tribunais superiores foi recorrer a outro poder de 
fato, a mídia.
As novas estratégias
Há muito tempo, procuradores e PF montam parcerias com repórteres policiais. Em vez do 
contraditório e de um juiz mediando a disputa, muitas vezes dificultando a apuração dos crimes, há 
apenas um repórter recebendo as informações de forma passiva e um editor buscando a manchete 
mais apelativa. É como disputar um jogo sem adversário.
O que era uma tática individual transformou-se em política de Estado na Lava Jato com a estratégia 
Sérgio Moro endossada pelo Procurador Geral da República Rodrigo Janot.
Em documento de 2004 – já analisado aqui no GGN – Moro expõe de forma magistral a estratégia, a 
partir das lições da Operação Mãos Limpas, da Itália. O foco central funda-se em três pontos:

1. Assumir o protagonismo no noticiário, para criar o clamor das ruas e, através desse trabalho, 
superar as resistências políticas.

2. Definir a delação premiada como peça central das investigações.

3. Valer-se da cooperação internacional.

Depois da Lava Jato, todo vazamento deixa de ser coibido. Pelo contrário, passa a ser peça central na 
estratégia de cada investigação.
Os pontos obscuros
No entanto, há pontos obscuros nessa estratégia que, provavelmente, ainda não foram objetos de 
reflexão interna tanto no MPF quanto na Polícia Federal.
O primeiro, os limites entre cooperação internacional e interesse nacional. Até agora o MPF e, 
especialmente, o PGR não explicaram adequadamente a troca de informações com autoridades norte-
americanas, visando alimentar inquéritos contra a Petrobras – que é um braço do estado brasileiro – 
em tribunais estrangeiros.
O segundo, os limites dos pactos tácitos com os grupos de mídia.
Grupos jornalísticos são empresas, com interesses comerciais e políticos. A extrema concentração do 
mercado jornalístico brasileiro transformou os grandes grupos de mídia em um dos poderes de fato, 
com privilégios, blindagens e práticas comerciais em nada diferentes de outros setores empresariais 
que mexem com o poder político.
O MPF montou uma estratégia eficaz para se valer dessa parceria, mas nenhuma estratégia para 
garantir autonomia em relação aos grupos de mídia.
As relações conflituosas com a mídia
A Satiagraha e a Castelo de Areia foram anuladas por pressões políticas. A Castelo de Areia 
respeitou o sigilo e morreu mesmo sendo juridicamente perfeita. A Monte Carlo caminhou 
sigilosamente e só recebeu ampla divulgação devido à CPMI de Carlinhos Cachoeira. Mesmo com a 
profusão de provas levantadas, acabou abafada.
Por seu lado, a Lava Jato conseguiu amplo sucesso, recorrendo a métodos profissionais de 
vazamento de informações. Seu poder foi amplificado pela descoberta de valores inacreditáveis da 
corrupção na Petrobras.
O que a Lava Jato tem de diferente de todas as demais não é ter recorrido a uma comunicação 
profissional, mas a circunstância de se adequar aos interesses dos grupos de mídia.
A Satiagraha não interessava à mídia e morreu. A Castelo de Areia menos ainda, e acabou. A Monte 
Carlo incriminava diretamente a Editora Abril, como parceira de Cachoeira. Não gerou um 
indiciamento sequer de jornalistas ou executivos do grupo.
A Zelotes investiga a quadrilha que atuava na CARF (o conselhinho que analisa as multas fiscais) 
que beneficiou as maiores empresas nacionais e alguns grandes grupos jornalísticos. Nas fases 
iniciais não despertou nenhuma curiosidade da imprensa e houve a resistência do juiz em autorizar 
pedidos de detenção provisória e busca e apreensão.
De repente, os procuradores e delegados fogem do script e passam a vazar informações sobre a tal 
Medida Provisória supostamente comprada que nada tinha a ver com o objeto inicial da Zelotes. 
Interrompem uma operação que envolve somas bilionárias para centrar fogo em um suposto suborno 
no qual, segundo as próprias informações do inquérito, os financiadores haviam interrompido os 
pagamentos ao suposto subornador, pelo fato do dinheiro não ter chegado ao seu destino.
Deixam de lado provas robustas de anistias fraudulentas envolvendo centenas de milhões de reais e 
vão atrás do indício de crime apontado em um e-mail do tal escritório, mencionando duas bonecas de 
plástico dadas de presente para filhas de Gilberto Carvalho. “Bonecas” pode ser senha para suborno, 
alegam procuradores e delegados. Assim como “café”. Basta isso – e muita reportagem prévia - para 
serem autorizados a avançar sobre o sigilo fiscal dos suspeitos, deixando os grandes grupos 
incólumes.
Se alguém considerar que essas discrepâncias são naturais nos inquéritos, que se apresente.
O resultado final foi esse: a mídia não deu aval para que a força tarefa da Zelotes invadisse grandes 
grupos, e ela não invadiu; autorizou que avançasse sobre as bonecas das filhas de Gilberto Carvalho 
e ela avançou.
Essa é a nova era da justiça, sem blindagens e com independência de atuação de procuradores e 
delegados?
Quando o promotor, o delegado e o editor tornam-se juiz
A exposição de qualquer pessoa à mídia é uma condenação em si. Não se trata de um ato indolor que 
poderá ser corrigido nas instâncias superiores. Mesmo que, no final do processo, a vítima seja 
inocentada, que a soma de indícios não permita sequer que seja indiciada, mesmo assim ela e seus 
familiares conviverão por anos com a marca da suspeita.
Além disso, quando esse festival de vazamentos atinge só um dos lados do jogo, tem repercussões 
políticas.
Mais que isso, a nova justiça confere um poder absurdo ao procurador e ao delegado para definir o 
alvo, impor o castigo público e até exercitar suas preferências partidárias.
Por que razão, tendo indícios de que Aécio Neves recebeu de Furnas e tendo informações concretas 
sobre o número de sua conta em Liechtenstein, o PGR brecou uma investigação e sentou em cima da 
outra? É evidente que o filho de Lula deve explicações sobre sua renda, sim. Mas qual a razão para 
blindar Aécio?
Fizeram bem procuradores e delegados de investir contra a impunidade. Mas devem satisfações à 
opinião pública mais esclarecida, cujo grau de compreensão não se limita à leitura de jornais: a Lava 
Jato veio para romper com toda forma de blindagem dos culpados, ou para criar uma nova casta de 
protegidos?
A prova dos nove será a delação premiada dos executivos da Andrade Gutierrez. 
Além das obras em Minas, a Andrade raspou o caixa da Cemig, obrigada por seu controlador – o 
governo de Minas – a adquirir debêntures da construtora, enrolada com os problemas da usina de 
Belo Monte.
Se Aécio sair ileso desses depoimentos, não haverá como a Lava Jato se livrar do julgamento da 
história.
___________________________________________________

Nenhum comentário: