Em seu blog, o jornalista Lúcio Flávio Pinto analisa a cobertura feita pelos dois jornais
paraenses, na recente visita da presidenta Dilma ao Pará.
Sem imprensa livre a democracia não prospera. A liberdade de que deve gozar a imprensa, como esteio do regime democrático, precisa ser usada para bem informar os cidadãos. Um velho brocardo continua inteiramente válido: a imprensa não pode atropelar os fatos. Os principais, os decisivos, os que são realizados cotidianamente pelas pessoas têm que aparecer na imprensa.
A internet, ao invés de ser o demiurgo, é, na verdade, o arauto de uma nova era para a imprensa. Conectados à rede mundial de computadores, os cidadãos pressionam para que sejam registrados os fatos que veem ou dos quais são participantes. Mas nem sempre (ou raramente) aquele que vê sabe o que viu: desconhece seu significado, seus antecedentes e seus desdobramentos. Nem sabe como aquele fato irá afetar a sua vida.
Essa é a principal missão da imprensa nos nossos dias: contextualizar os acontecimentos. A internet atomiza, dispersa, banaliza. A imprensa emoldura essa algaravia bilionária de informações de todos os dias com os elementos da elucidação, com a iluminação compreensiva. Mas só desempenhará esse papel se estiver preparada para isso.
Se seus jornalistas forem qualificados para entender e fazer entender a cornucópia de acontecimentos diários que circulam quase instantaneamente pelo mundo. É preciso saber ver e ter disposição ou coragem de publicar. Sem o que a credibilidade, se conquistada, acabará por ser desperdiçada.
O processo de descrédito costuma ser lento, sem deixar de ser fatal. A crise de confiança do público pode ser revertida antes de ultrapassar o limite da coisa irreversível. Mas é preciso oferecer elementos para a esperança.
A imprensa do Pará está se empenhando em ultrapassar essa faixa de periculosidade: esconde os fatos, manipula as informações, colide com os acontecimentos, não tem escrúpulo na mentira. Acredita que uma boa aparência ou uma retórica bem posta sejam capazes de ludibriar a atenção e a boa fé das pessoas, atando-as ao seu redor, tornando-as cúmplices de sua tendenciosidade.
A brutal queda na qualidade dos veículos paraenses de comunicação está associada ao paroxismo dos dois principais grupos. Eles não se limitam à concorrência comercial e à disputa editorial: agem como partidos políticos. Em sua inimizade visceral, acham que vale tudo, até o rompimento dos mais comezinhos princípios técnicos do jornalismo ou da ética em geral.
Hoje, por exemplo, na abertura do Repórter 70, que é a sua principal coluna, O Liberal diz ao seu leitor:
“A julgar pelo mirrado noticiário do ‘diário de mentiras’, a visita da presidente Dilma ao Pará não foi, digamos, das melhores. O jornaleco deu ampla divulgação antes, mas depois da visita, quase nada. Nas redes sociais, os assessores do ministro ‘filho de peixe’ não publicaram nem registro, no momento em que crescem em Brasília os rumores sobre corte de ministérios, entre eles o da Pesca. Terá sido mera coincidência?”.
A informação não é exatamente verdadeira. O Diário do Pará deu chamada e foto na primeira página para a visita da presidente a Capanema para a inauguração de casas do programa Minha Casa, Minha Vida. A foto só saiu menor do que a da premiação feita pelo jornal aos vencedores de um concurso sobre o prazer em trabalhar, o que é até compreensível.
A manchete da capa foi sobre o início da greve na Universidade do Estado, marcado para segunda-feira, pelo motivo óbvio de causar desgaste ao governador Simão Jatene, inimigo da “casa” e do PMDB. Internamente o jornal deu três quartos de página para o noticiário sobre Dilma Rousseff.
A foto da presidente na primeira página de O Liberal teve destaque bem maior, mas porque ela aparece ao lado de Jatene, aliado dos Maioranas (que não saiu no Diário, assim como o ministro Helder Barbalho, integrante da comitiva presidencial, foi ignorado por O Liberal). Mas o título da matéria é bem menor. Na página interna a cobertura do jornal dos Maioranas superou a do rival: ocupou todo o espaço.
Não porque agora a presidente tenha entrado nas graças do grupo. É porque os Maioranas estão em campanha para tirar o inimigo do ministério, ecoando as pressões para a redução do tamanho do governo e plantando notícias sobre a inclusão do ministério da pesca nessa lista de marcados para morrer. Sem esse cargo, o filho de Jader Barbalho estará exposto ao sol e à chuva, se enfraquecendo para a próxima eleição.
Ao fim e ao cabo, como gostava de dizer um cronista esportivo, o objetivo dos dois jornais não é o de bem informar e sim de tirar proveito particular da informação que filtram. O leitor que trate de aprender uma arte muito cultivada na época da ditadura, quando a censura era oficial e explícita, e que precisa subsistir em plena democracia, mas de autocensura e censura mais sutil: a leitura nas entrelinhas – para descobrir o que não foi dito e a razão do que foi dito.
Com uma imprensa assim, a democracia continua a ser a planta tenra e frágil de que falava João Mangabeira. Por isso mesmo a necessitar de tratos e cuidados.
Sem imprensa livre a democracia não prospera. A liberdade de que deve gozar a imprensa, como esteio do regime democrático, precisa ser usada para bem informar os cidadãos. Um velho brocardo continua inteiramente válido: a imprensa não pode atropelar os fatos. Os principais, os decisivos, os que são realizados cotidianamente pelas pessoas têm que aparecer na imprensa.
A internet, ao invés de ser o demiurgo, é, na verdade, o arauto de uma nova era para a imprensa. Conectados à rede mundial de computadores, os cidadãos pressionam para que sejam registrados os fatos que veem ou dos quais são participantes. Mas nem sempre (ou raramente) aquele que vê sabe o que viu: desconhece seu significado, seus antecedentes e seus desdobramentos. Nem sabe como aquele fato irá afetar a sua vida.
Essa é a principal missão da imprensa nos nossos dias: contextualizar os acontecimentos. A internet atomiza, dispersa, banaliza. A imprensa emoldura essa algaravia bilionária de informações de todos os dias com os elementos da elucidação, com a iluminação compreensiva. Mas só desempenhará esse papel se estiver preparada para isso.
Se seus jornalistas forem qualificados para entender e fazer entender a cornucópia de acontecimentos diários que circulam quase instantaneamente pelo mundo. É preciso saber ver e ter disposição ou coragem de publicar. Sem o que a credibilidade, se conquistada, acabará por ser desperdiçada.
O processo de descrédito costuma ser lento, sem deixar de ser fatal. A crise de confiança do público pode ser revertida antes de ultrapassar o limite da coisa irreversível. Mas é preciso oferecer elementos para a esperança.
A imprensa do Pará está se empenhando em ultrapassar essa faixa de periculosidade: esconde os fatos, manipula as informações, colide com os acontecimentos, não tem escrúpulo na mentira. Acredita que uma boa aparência ou uma retórica bem posta sejam capazes de ludibriar a atenção e a boa fé das pessoas, atando-as ao seu redor, tornando-as cúmplices de sua tendenciosidade.
A brutal queda na qualidade dos veículos paraenses de comunicação está associada ao paroxismo dos dois principais grupos. Eles não se limitam à concorrência comercial e à disputa editorial: agem como partidos políticos. Em sua inimizade visceral, acham que vale tudo, até o rompimento dos mais comezinhos princípios técnicos do jornalismo ou da ética em geral.
Hoje, por exemplo, na abertura do Repórter 70, que é a sua principal coluna, O Liberal diz ao seu leitor:
“A julgar pelo mirrado noticiário do ‘diário de mentiras’, a visita da presidente Dilma ao Pará não foi, digamos, das melhores. O jornaleco deu ampla divulgação antes, mas depois da visita, quase nada. Nas redes sociais, os assessores do ministro ‘filho de peixe’ não publicaram nem registro, no momento em que crescem em Brasília os rumores sobre corte de ministérios, entre eles o da Pesca. Terá sido mera coincidência?”.
A informação não é exatamente verdadeira. O Diário do Pará deu chamada e foto na primeira página para a visita da presidente a Capanema para a inauguração de casas do programa Minha Casa, Minha Vida. A foto só saiu menor do que a da premiação feita pelo jornal aos vencedores de um concurso sobre o prazer em trabalhar, o que é até compreensível.
A manchete da capa foi sobre o início da greve na Universidade do Estado, marcado para segunda-feira, pelo motivo óbvio de causar desgaste ao governador Simão Jatene, inimigo da “casa” e do PMDB. Internamente o jornal deu três quartos de página para o noticiário sobre Dilma Rousseff.
A foto da presidente na primeira página de O Liberal teve destaque bem maior, mas porque ela aparece ao lado de Jatene, aliado dos Maioranas (que não saiu no Diário, assim como o ministro Helder Barbalho, integrante da comitiva presidencial, foi ignorado por O Liberal). Mas o título da matéria é bem menor. Na página interna a cobertura do jornal dos Maioranas superou a do rival: ocupou todo o espaço.
Não porque agora a presidente tenha entrado nas graças do grupo. É porque os Maioranas estão em campanha para tirar o inimigo do ministério, ecoando as pressões para a redução do tamanho do governo e plantando notícias sobre a inclusão do ministério da pesca nessa lista de marcados para morrer. Sem esse cargo, o filho de Jader Barbalho estará exposto ao sol e à chuva, se enfraquecendo para a próxima eleição.
Ao fim e ao cabo, como gostava de dizer um cronista esportivo, o objetivo dos dois jornais não é o de bem informar e sim de tirar proveito particular da informação que filtram. O leitor que trate de aprender uma arte muito cultivada na época da ditadura, quando a censura era oficial e explícita, e que precisa subsistir em plena democracia, mas de autocensura e censura mais sutil: a leitura nas entrelinhas – para descobrir o que não foi dito e a razão do que foi dito.
Com uma imprensa assim, a democracia continua a ser a planta tenra e frágil de que falava João Mangabeira. Por isso mesmo a necessitar de tratos e cuidados.
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