segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Como Murdoch tornou-se o inspirador da mídia brasileira




Foi simbólica a entrega do Prêmio Emmy por Rupert Murdoch a Roberto Irineu Marinho - 
representando as Organizações Globo.
Em um período em que a Internet e as redes sociais jogaram os grupos de mídia globais no maior 
desafio da história, Murdoch tornou-se o modelo, o campeão branco a fornecer a fórmula da 
sobrevivência aos grupos de mídia de todo mundo, especialmente aos brasileiros.
Em algum período escondido na memória, o jornalismo brasileiro inspirou-se na sofisticação do New 
Journalism de Tom Wolfe, Gay Talese e Norman Mailer; nas reportagens-verdade de Truman Capote; 
e até no jornalismo gonzo, do repórter vivendo os riscos relatados na reportagem.
Mas nenhum estilo influenciou mais do que o do australiano Rupert Murdoch.


Ele surgiu no rastro da globalização. Valeu-se do mercado de capitais, promoveu uma série de 
aquisições nos diversos continentes, adquiriu uma rede social, a 21st Century Fox e, através da 
News Corporation, jornais em diversos países.

Mas, principalmente, pavimentou sua escalada com um estilo jornalístico que remetia às origens dos 
"barões da mídia".
Ressuscitou o mais abjeto estilo da história, continuador de William Randolph Hearst e outros "barões 
da mídia"; que transformaram o jornalismo em uma máquina de assassinar reputações, em um 
instrumento rude, truculento de participação no jogo político, sem nenhuma sofisticação a não ser a 
exibição permanente da força bruta, o jorrar intermitente do esgoto.
Coube a Roberto Civita, presidente da Editora Abril, captar o novo movimento e importá-lo para o 
Brasil.
A partir de 2005, tornou-se o padrão dos grupos de mídia brasileiro, inaugurado pela revistaVeja, 
imitado pela Folha e disseminado por diversos comentaristas da Globo.
Da noite para o dia, o cenário jornalístico brasileiro ficou coalhado de imitações de personagens 
funambulescos, tentando emular o estilo grosseiro da Fox.
O início do estilo Murdoch
O modelo Murdoch consiste nas seguintes características:
1. Buscar na extrema direita - no caso o Tea Party - o linguajar chulo e agressivo e o compêndio de 
preconceitos. Usa o preconceito como recurso jornalístico para conquistar a classe média.
2. Criar um inimigo externo, não mais a União Soviética, mas um novo fantasma. No caso, o Islã; por 
aqui, a Bolívia ou Venezuela.
Assim como a ultradireita brasileira, o Tea Party criou toda uma mitologia em torno da ameaça 
histórica do islamismo sobre a civilização cristã ocidental.


Não há mais o receio das bombas da Guerra Fria, mas de outros fantasmas imemoriais, as ideias 
que penetram subliminarmente no cérebro dos incautos levando-os para o reino das trevas.

Como diz Arnaldo Jabor, o comunismo explodiu e disseminou milhares de vírus pelo mundo todo, 
contaminando a cabeça de todos os democratas.
Essa versão dramatizada da “Guerra dos Mundos”, do “Monstro da Lagoa Negra”, da propaganda 
subliminar – consagrada no auge da Guerra Fria - acabou se constituindo no roteiro geral do grupo Fox 
e de seus emuladores brasileiros.
3. Valer-se do conceito de liberdade de imprensa para se blindar e promover uma ampla ofensiva de 
assassinatos de reputação contra adversários: jornalistas de outros veículos, políticos, empresários e 
intelectuais. E, por trás do macarthismo, montar jogadas comerciais de interesse do grupo.
4. Promover a ridicularização do cidadão comum – e dos críticos e adversários -, como maneira de 
ressaltar a superioridade intelectual do seu leitor.
O fenômeno Fox
O ponto central da disseminação desse modelo foi a Fox News.
Lançada em 1996, a emissora conquistou uma audiência diária de 2 milhões de telespectadores, mais 
do que a soma da CNN e da MSNBC. Contratou diversos pré-candidatos republicanos à presidência, 
promoveu o Tea Party, contribuiu financeiramente com o Partido Republicano e grupos de ultra-direita 
e foi relevante para a vitória republicana em 2010.
Disseminou teorias conspiratórias, falseou informações, espalhou boatos - como a de que Barack 
Obama era terrorista, ou que teria estudado em uma escola islâmica.


Em 2008, tentou ligar Obama com Bill Ayers - terrorista americano da década de 70, e a Louis 
Farraknan (líder da Nação islâmica nos EUA). Memorando interno do grupo recomendava aos 
repórteres enfatizar que no livro “Sonhos de meu pai”, Obama divulgava ideias simpáticas ao 
marxismo.

Um e-mail que chegou a outros veículos de mídia explicitava melhor o espírito Murdoch. Ordenava 
aos repórteres que "evitem dizer que o planeta aqueceu (ou resfriou) em qualquer frase sem apontar em 
seguida que tais teorias são baseadas em dados que críticos questionam".
Seis meses após a invasão do Iraque, 67% do seus telespectadores acreditavam que Sadam Hussein 
tinha se associado à al-Qaeda, e 60% juravam que a maior parte dos cientistas garantia que não havia 
aquecimento global.
Políticos e jornalistas que ousassem criticar a Fox News tornavam-se alvos de seus ataques.
Apenas um jornalista ousou se erguer contra aquela máquina de assassinar reputações, Jon Stewart 
que, em seu "Daily Show", ironizava a paranoia da rede.
O restante dos jornalistas amarelou - da mesma maneira que no Brasil – mesmo sabendo que aquele 
estilo contaminava a todos indistintamente. E o principal fator foi o medo de ser emboscado por uma 
equipe de filmagem, atacado nos shows de televisão, ou ser acusado de esquerdista.
Mesmo após a vitória de Obama, a Fox continuou espalhando seu terror. Durante o debate sobre o 
aumento do teto da dívida pública, foi a Fox quem estimulou, através de seus comentaristas em rádio e 
televisão, o extremismo de muitos republicanos no Congresso (leia aqui reportagem de Michael 
O tabloide News of The World
O escândalo maior foi com o tabloide News of The World, até então o jornal mais vendido aos 
domingos no Reino Unido.
Em 2005 foi alvo de uma série de denúncias, de contratar detetives particulares e policiais para 
grampear celebridades e membros da realeza.
Algum tempo depois, The Guardian denunciou o jornal por ter grampeado os atores Jude Law e 
Gwyneth Paltrow.
O aug do escândalo foi a descoberta de que chegou a grampear o celular da menina Milly Dowler, de 
13 anos, sequestrada e morta. Na tragédia do atentado ao metrô de Londres, em 2005, o jornal 
interceptou mensagens dos celulares dos parentes.
Os abusos reiterados levaram à prisão do editor do jornal, Clive Goodman, e o detetive particular Glen 
Mulcaire. E ele nem chegou à ousadia da revista Veja, que se associou a uma organização criminosa – 
Carlinhos Cachoeira –, praticou grampos ilegais, manipulou notícias envolvendo no próprio STF 
(Supremo Tribunal Federal), sem ser incomodada pelo Ministério Público Federal e outros órgãos de 
controle.Entre Pulitzer e Hearst


Na origem do moderno jornalismo empresarial, há duas figuras centrais, Joseph Pulitzer e 
William Randolph Hearst.

Pulitzer foi autor de máximas:
* “Para se tornar influente, um jornal tem que ter convicções, tem que algumas vezes corajosamente ir 
contra a opinião do público do qual ele depende”.
“Acima do conhecimento, acima das notícias, acima da inteligência, o coração e a alma do jornal reside 
em sua coragem, em sua integridade, sua humanidade, sua simpatia pelos oprimidos, sua 
independência, sua devoção ao bem estar público, sua ansiedade em servir à sociedade”.
E a mais conhecida delas:
“Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil 
como ela mesma”,
No lado oposto, Hearst e sua “imprensa marrom”, derrubando de vez os limites entre os fatos e a 
ficção. 
Os repórteres saiam das redações com a incumbência de trazer fatos que se adaptassem à pauta pré-
definida. Se não encontrassem, que inventassem.
Nos anos 40, o império Hearst juntava 25 jornais diários, 24 revistas semanais, 12 estações de radio, 2 
serviços de noticias mundiais, um serviço de notícias para filme.
Em 1948 colocou o pé na televisão, adquirindo a WBAL-TV em Baltimore, uma das primeiras 
emissoras dos EUA. Foi peça central no macarthismo que, nos anos 50, envergonhou o mundo 
civilizado.
Entre Pulitzer e Hearst-Murdoch, a mídia brasileira fez a sua escolha, jogou os escrúpulos às favas e 
caiu de cabeça no velho estilo que renascia do lixo da história. Abriu mão de qualquer veleidade de 
legitimar sua atuação, de justificar a liberdade de que dispõe, ou as concessões que recebeu.
Conservadores até a medula, Ruy Mesquita e seu irmão Júlio tinham rasgos de grandeza e a 
preocupação permanente em legitimar a atividade jornalística. No dia em que Fernão Mesquita, 
herdeiro dos Mesquita, colocou Roberto Civita no mesmo nível que seu pai, Ruy Mesquita, estava 
claro que a perda de rumo havia sido total.
E foram esses abusos, disseminados por vários países, em um momento em que as redes sociais davam 
voz a todos os setores, que transformaram a regulação da mídia em bandeira universal de direitos 
humanos.
Ontem, no Rio de Janeiro, a Comissão Estadual da Verdade discutiu uma série de recomendações para 
a ampliação da liberdade de expressão.
No mesmo dia, em Marrakech, o Fórum Social Mundial alçou o direito à informação ao mesmo 
patamar dos demais direitos fundamentais: à vida, à liberdade, à saúde e à educação.

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