quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

A JOGADA DE RISCO DE DILMA COM KASSAB



Por Renato Rovai

As escolhas anunciadas por Dilma na tarde de ontem trazem alguns recados bastante claros e em boa medida já desvelados por outros comentaristas políticos. Dilma analisou o Congresso eleito, viu a força de cada partido, identificou seus principais líderes e decidiu que dessa vez não vai trabalhar com prepostos. Mas com quem de fato manda em cada pedaço da base.
A presidenta pode ter errado solenemente, como desconfiam os que acham esse caminho uma traição ao sinal à esquerda que deu em sua campanha. Mas pode também ter feito isso para ter alguma condição de não ficar nas cordas e buscar tentar fazer parte daquilo que se propos. Por mais que pareça conta de um poliana, essa equação não pode ser desprezada.
Se o amigo vier a perguntar o que acho de Kassab no Ministério das Cidades a resposta voa como uma flecha do mais brilhante arqueiro Aimoré: péssimo. Mas não se pode desconsiderar que o ex-prefeito se tornou um dos principais líderes do Congresso. E que vai lhe tornar ainda mais poderoso em breve.
O PSD elegeu 55 deputados federais e Kassab já tem mais um partido prontinho pra estrear e receber ao menos mais 20 deputados federais que estão dispostos a deixar a oposição, o PL. Com essas duas agremiações na mão, ele passará a ter o controle do maior número de deputados federais. A bancada Kassab será maior do que a do PT (72) e a do PMDB (66).
Sim, isso é uma aberração. É uma aberração deste sistema político atual no qual Kassab conserta relógico suiço com luva de boxe num quarto escuro. Mas é nele que se jogará o jogo nos próximos minutos.
Dilma preferiu não tercerizar as funções. Preferiu entregar um ministério de peso ao líder desse quinhão do que aceitar a indicação de um apadrinhado para o mesmo posto ou para um ministério menor. Isso se repetiu na indicação de Cid Gomes para a Educação. Que convenhamos, fez um governo aprovado no Ceará e que escolheu para sucedê-lo um candidato do PT. O partido não teria a menor chance no estado não fosse esse apoio de Cid.
Jacques Wagner na Defesa também surprendeu a muitos. Olhando agora o quadro político, a história de Dilma e a gana golpista de alguns setores, quem você escolheria para a Defesa se fosse presidente. Eu colocaria no cargo o amigo mais mais leal e habilidoso politicamente. Alguém que não tivesse preguiça de conversar, mas ao mesmo tempo soubesse se impor nos momentos decisivos. Acho que esses foram os motivos que levaram Wagner ao cargo. E não são poucos.
Dilma fez questão de anunciá-lo num pacote à parte dos ministros petistas que deve sair em breve. Ela deixou claro que sua escolha tem outro toque.
Quanto a Kátia Abreu, Dilma deve ter lá seus motivos. Mas eles não são simples de entender já que muita gente que entende de ruralismo jura de pés juntos que a presidenta do CNA não tem mais tanta força na sua base. E que a mesmo tempo tem uma força semelhante a deste blogueiro no PMDB. Ou seja, nenhuma. Se isso for verdade, seu nome soa mais como uma provocação ao movimento social do setor (principalmente ao MST) do que com uma decisão calculada com base em contas congressuais.
Em relação aos outros nomes, há a surpresa já nem tão surpreendente de Aldo Rebelo sendo deslocado do Esportes para a Ciência e Tecnologia. Este blogueiro acha que isso pode fazer bem ao PcdoB.
Já estava mais do que na hora de uma dança das cadeiras para o partido. E o novo setor é bem mais interessante para se fazer política de gente grande e séria. Aldo, com todas as divergências que se possa ter com ele, é um nacionalista. Na Ciência e Tecnologia essa tende a ser uma grande qualidade.
Os ministros anunciados ontem devem garantir um primeiro ano mais confortável no Congresso para Dilma. E podem ajudá-la a ganhar a sua primeira batalha, a de impedir a eleição de Eduardo Cunha para presidente da Câmara.
Mas o que pode ser bom num primeiro momento, pode se tornar terrível se o carro não vier a andar na velocidade esperada. Se a economia não engatar, não vai ser no Congresso que Dilma vai ter de resolver sua vida. Aí o buraco é mais embaixo. Será na sociedade. E nela um Kassab com 75 deputados conta quase nada.
A operação atual é de altíssimo risco. Está longe de ser uma traição eleitoral porque os nomeados estavam na campanha, mas também não é uma jogada de gênio. É um lance arriscado e de alguém que parece prever enormes dificuldades pela frente.
Enfim, a presidenta olhou com lupa para o Congresso, mas talvez esteja lhe faltando olhar com um pouco mais de atenção para outras forças da sociedade que também impactam na política. Apostar tudo na democracia representativa na hora de montar um governo nos dias de hoje é como montar um escritório apenas com máquinas de escrever e relógio de ponto.
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