O discurso da presidente Dilma Rousseff na abertura da Assembleia-Geral das Nações Unidas
conteve verdades óbvias, mas inconvenientes; diante dos líderes mundiais, ela teve a coragem de
dizer que mais violência, como os bombardeios aos países onde se escondem militantes do
Estado Islâmico, irá gerar mais violência; "O uso da força é incapaz de eliminar as causas
profundas dos conflitos. Isso está claro na persistência da Questão Palestina, no massacre
sistemático do povo sírio, na trágica desestruturação nacional do Iraque", disse ela; no entanto,
para a mídia brasileira, com destaque para o Globo, Dilma foi quase confundida com uma
militante jihadista disposta a decapitar cabeças; segundo Merval Pereira, discurso de Dilma
produziu nele o sentimento de "vergonha alheia"; o que dizer então do Globo?
247 - Há tempos um discurso presidencial não irritava tanto a direita brasileira, como aconteceu nesta
quarta-feira. Em Nova York, ao abrir a Assembleia-Geral das Nações Unidas, a presidente Dilma
Rousseff teve coragem para enfrentar um tema sensível, no momento em que países do Ocidente,
tendo os Estados Unidos à frente, lideram uma nova ação militar contra países como Síria e Iraque,
onde se escondem militantes do Estado Islâmico. De acordo com a presidente Dilma, uma nova onda
de violência, que não enfrente a raiz dos problemas, irá apenas gerar uma escalada ainda maior de
violência.
Eis o que disse a presidente Dilma sobre a questão:
Não temos sido capazes de resolver velhos contenciosos nem de impedir novas ameaças. O uso da força é incapaz de eliminar as causas profundas dos conflitos. Isso está claro na persistência da Questão Palestina; no massacre sistemático do povo sírio; na trágica desestruturação nacional do Iraque; na grave insegurança na Líbia; nos conflitos no Sahel e nos embates na Ucrânia. A cada intervenção militar não caminhamos para a Paz mas, sim, assistimos ao acirramento desses conflitos. Verifica-se uma trágica multiplicação do número de vítimas civis e de dramas humanitários. Não podemos aceitar que essas manifestações de barbárie recrudesçam, ferindo nossos valores éticos, morais e civilizatórios. O Conselho de Segurança tem encontrado dificuldade em promover a solução pacífica desses conflitos. Para vencer esses impasses será necessária uma verdadeira reforma do Conselho de Segurança, processo que se arrasta há muito tempo. (...) Um Conselho mais representativo emais legítimo poderá ser também mais eficaz. Gostaria de reiterar que não podemos permanecer indiferentes à crise israelo-palestina, sobretudo depois dos dramáticos acontecimentos na Faixa de Gaza. Condenamos o uso desproporcional da força, vitimando fortemente a população civil, especialmente mulheres e crianças. Esse conflito deve ser solucionado e não precariamente administrado, como vem sendo. Negociações efetivas entre as partes têm de conduzir à solução de dois Estados – Palestina e Israel – vivendo lado a lado e em segurança, dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas.
O que há de errado nesse argumento? Será que a "Guerra ao Terror", promovida pelos Estados Unidos no Iraque realmente semeou a paz? Será que a intervenção ocidental em países como Egito e Líbia deu origem a países estáveis? Será que a carnificina recente promovida por Israel na Faixa de Gaza, com o assassinato impune de 2,2 mil inocentes, liderado por Benjamin Netanyahu, plantou o amor no coração dos palestinos?
Dilma disse o óbvio. A escalada da violência irá produzir, apenas, mais violência.
No entanto, para a imprensa brasileira, com destaque para o jornal O Globo, a presidente Dilma foi tratada quase como uma militante jihadista do Estado Islâmico, pronta para decapitar cabeças.
Na capa, duas chamadas para seus "autoelogios", como se o discurso fosse uma peça de campanha política, e para o fato de ela não se opor "à atuação contra o Estado Islâmico". A imagem principal, de um Barack Obama focado, também já denota o alinhamento ideológico da família Marinho.
Internamente, o editorial "Palanque em Nova York" acusou a presidente de usar o "vestido vermelho PT" na ONU e de se colocar ao lado de "sectários muçulmanos, que adotam costumes medievais". Na coluna "Uso indevido", Merval Pereira disse ter sentido "vergonha alheia" pelo discurso de Dilma. Por fim, houve espaço para um artigo do embaixador Luiz Felipe Lampreia, que foi embaixador no governo FHC, afirmando que, com discursos como o de ontem, o Brasil fica cada vez mais distante de tornar-se membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
O fato é que, no entanto, enquanto esteve alinhado aos Estados Unidos, o Brasil jamais teve suas pretensões diplomáticas levadas a sério.
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