Estas ideias vão aqui, assim de modo simples, como sugestão ao debate político nesta campanha eleitoral, e aos ambientes acadêmicos onde bem se poderia pensar novas realidades. E a todos que se empenham por novas formas de convivência para que percebam que os problemas sociais visíveis quase sempre têm raízes não visíveis e que, no entanto, precisam ser procuradas.
Estas imagens mostram dois momentos reveladores da lógica da economia da Amazônia. Na beira do rio Rio Tapajós, diante de Santarém, Oeste do Pará, centenas de embarcações que se comprimem por falta de espaço e de local adequado para movimentar passageiros e cargas. Na BR-163, o crescente acúmulo de carretas que transportam grãos do Brasil Central para o porto da multinacional Cargill.
Caminhões e barcos misturados. Emblema do provisório |
O transporte fluvial é o sustentáculo da economia regional, no entanto esse setor não recebe investimentos. O transporte rodoviário é a correia da economia para fora, muito pouco deixando na região, pois obedece à lógica mais antiga do caráter provisório de tudo que se realiza na Amazônia, realizações que objetivam a solução de problemas externos.
Há 400 anos é assim. Aqui os investimentos são provisórios, característica de fronteira, de onde se retira a riqueza natural que vai gerar a riqueza real mais adiante. Se algum dia alguém tiver a ideia de erguer um monumento à Provisoriedade na Amazônia, talvez deva homenagear o porto flutuante de Manaus com seu roadway construído pelos ingleses há 107 anos. Não havia razão para construir algo permanente, fixado ao solo, pois a pressa do saque proíbe esses detalhes.
A substituição da vocação natural da Amazônia, com o abandono dos rios que, agora, servem para o saque |
Do ponto de vista imediato, o provisório da economia exportadora de grãos pela BR-163 indica que aquela rodovia já dá sinais de que não foi construída para suportar o peso de milhões de toneladas de grãos, com o tráfego de carretas geminadas, em fila indiana 24 horas por dia. Logo aquele asfalto estará imprestável, como já dá sinais na altura da localidade de Cipoal, na verdade um bairro de Santarém, 14 quilômetros distante do porto.
Para a lógica extrativa-exportadora e para o agronegócio talvez isso importe pouco. Se a rodovia ligando o centro do País ao coração da Amazônia se inviabilizar, eles encontrarão alternativas, também provisórias. O que ficará para trás não interessa, vale mesmo o volume a ser retirado da região e levado, de um jeito ou de outro, para os centros de consumo. Menos ainda, ou nada, importa a vida dos amazônidas, meras “ocorrências” humanas, lembrando a frase de antigo relatório da Eletronorte, quando se referia a “ocorrências indígenas” no caminho de suas linhas de transmissão.
Poderia ser diferente, se as elites (governos, políticos, empresários, intelectuais, universidades) não fossem tão solidárias com esse velho e enraizado modelo de “desenvolvimento” da Amazônia. Por exemplo, a questão dos portos fluviais nos principais municípios, sobretudo Santarém, que serve de ponto de encontro de vários municípios do Baixo Amazonas paraense, ou Oeste do Pará. Principal ponto intermediário entre as duas maiores cidades amazônicas, o porto de Santarém já ultrapassa o limite do insustentável, com a desordem urbana, sobretudo na orla do Tapajós, destruindo o caráter de uma cidade cantada pelas suas belezas e tradições.
A economia para fora terá algo em torno de 70 bilhões de reais para as hidrelétricas e suas linhas de transmissão, e para as rodovias. Para a economia de dentro e para dentro, o abandono visto no porto de Santarém, com a conivência das “autoridades” locais, quase todas entusiasmadas com a visão cada dia mais assustadora de tantas carretas muitas das quais sequer encontram espaço adequado para estacionar.
E, no entanto, é pelos rios que se movimenta a economia regional, inclusive o high-tec da Zona Franca de Manaus, outro contemporâneo exemplo de provisoriedade, pois a ZF da capital amazonense é, por lei, provisória, mesmo perdurando contraditoriamente nesse caráter. Aliás, na Amazônia o permanente é o provisório, mesmo as mega-estruturas das barragens, como a de Tucuruí, e provavelmente das outras planejadas. Ficam coladas ao chão, porém o que interessa escapa pelas linhas de transmissão, consagrando a provisoriedade desse modelo de “desenvolvimento” inaugurado no século 17.
Quem se dispuser a ir ao centro do Estado do Amapá para dar uma olhada nas crateras que ficaram na Serra do Navio, depois da exaustão das minas de manganês, poderá observar ao vivo e em tristes cores o que significa uma economia provisória. O permanente que ela deixou é a pobreza no Porto Santana.
Outro dos ícones do caráter de provisoriedade Amazônia são os garimpos. No Pará, esse mundo ainda verde, porém vago, como diria Benedicto Monteiro, guarda as lembranças de uma economia tão provisória quanto devastadora dos 600 garimpos de Itaituba e do concentradíssimo garimpo de milhares de homens em Serra Pelada.
Tudo seria – e um dia será – diferente quando houver amor pela Amazônia, pelas suas grandezas (ainda relutantes) pelas suas belezas (permeadas de tanta feiúra), pelas suas enormes riquezas (permeadas sempre mais de uma pobreza inaceitável). Parece tatibitate falar em amor e, no entanto, é ele que resume valores como responsabilidade, desejo de construir uma outra Amazônia, outras cidades, novas formas de convivência, desejo e decisão de refazer a relação histórica com o País Brasil e com o mundo. Para que isso aconteça, é urgente repensar-se a persistente solidariedade das elites locais com aqueles que exploram secularmente a região. Se não pensarmos diferente desse modo de agir e de construir o mundo, a mudança não virá.
Estas ideias vão aqui, assim de modo simples, como sugestão ao debate político desta campanha eleitoral, aos ambientes acadêmicos, onde bem se poderia pensar novas realidades. E a todos que se empenham por novas formas de convivência, para que vejam que os problemas que enxergamos quase sempre têm raízes que não vemos e que, no entanto, precisam ser procuradas.
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