sexta-feira, 27 de junho de 2014

Suárez: a punição é mais grotesca que a mordida


Suárez após a vitória contra a Itália. Ele só volta a jogar em outubro (Foto: Javier Soriano / 
AFP)

Não era razoável esperar que Luis Suárez ficasse impune pela mordida em Chiellini. O ato do atacante uruguaio foi uma aberração, a terceira do tipo em sua carreira, e era óbvio que a Fifa agiria com rigor. Ainda assim, o veredicto extrapolou sua necessidade punitiva e ganhou contornos de uma absurda perseguição. 
A punição a Suárez é a mais severa da história da Copa do Mundo. Ele foi multado em 100 mil francos suíços (cerca de R$ 250 mil), deve ficar nove jogos internacionais sem defender o Uruguai – um ostracismo que pode durar até 2016 a depender do desempenho da Celeste – e está banido de toda e qualquer atividade relacionada ao futebol neste período, incluindo os treinos do Liverpool e da seleção. Na quinta-feira 26, Suárez foi escorraçado da Copa do Mundo. Proibido de almoçar com a delegação uruguaia, saiu da concentração sob custódia policial
O único precedente a esta punição parece ser a suspensão de quatro meses imposta ao português João Pinto após este acertar um soco na barriga do juiz argentino Angel Sánchez no mundial de 2002. As diferenças são claras. João Pinto agrediu a autoridade máxima de um jogo de futebol, mas recebeu uma multa menor e pode treinar durante o período suspenso. Como salientado em texto anterior sobre o caso, há um forte componente moral envolvido na mordida, vista como um ato não pertencente ao futebol e, portanto, passível de punição severa. Isso poderia ser positivo, também como destacado, mas a Fifa conseguiu perder a mão até mesmo em uma situação favorável a ela. 
Em texto no Guardian, o jornalista Owen Gibson faz coro à imprensa britânica, para quem a punição foi apropriada, mas lembra que a Fifa trava uma cruzada para melhorar sua imagem e usa a Copa do Mundo como “plataforma para projetar sua simplista e descarada missão moral para o mundo”. Esta estratégia está presente, por exemplo, nas campanhas contra o racismo, mas é hipócrita – o canto nazista do croata Josep Simunic teve uma punição de apenas dez jogos, sem todos os penduricalhos impostos a Suárez. A mordida, assim, é mais grave que referendar o nazismo. 
Neste contexto, a agressão de Suárez surgiu como uma oportunidade para a Fifa. Notoriamente corrupta, a entidade comandada por Joseph Blatter pode apresentar uma imagem de justa e defensora da moral e dos bons costumes futebolísticos, em especial porque a imprensa britânica, responsável pelas principais investigações sobre os desmandos da Fifa, estava em campanha contra Suárez. 
O comitê disciplinar da entidade (que assim como o STJD brasileiro alega independência, mas é ligado umbilicalmente à federação sob a qual atua) fez o trabalho sujo, com aspecto asseado, ao aplicar a punição a Suárez. Como afirmou Giulia Zonca no jornal italiano La Stampa, aintenção de transformar Suárez no protótipo do vilão é clara. É inescapável a impressão de que a Fifa só puniu Suárez porque ele era um alvo fácil, por seu passado disciplinar lamentável e, principalmente, porque, ao contrário de Zidane, que desferiu uma cabeçada em Materazzi na final da Copa do Mundo de 2006, Suárez vem de um país sem qualquer influência na Fifa. 
O clamor por justiça em sistemas inerentemente injustos, como é o da Fifa, incorre o risco de dar vazão a arbítrios. Suárez merecia punição dura, mas foi alvo de uma humilhação desnecessária, de um excesso que aliena qualquer jogador de futebol, como afirmou o próprio Chiellini. Para afirmar sua máscara moralista, a Fifa foi mais grotesca que a mordida.
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