sábado, 30 de novembro de 2013

Resultados das eleições em Honduras foram alterados, diz observador da União Europeia


Leo Gabriel: "houve pessoas que não puderam votar porque apareciam como mortas e houve 
mortos que votaram". Segundo Leo Gabriel, delegação europeia teve fortes discussões internas 
para elaboração de relatório.

Na terça-feira (26/11), a Missão de Observação Eleitoral da União Europeia (MOE-UE) apresentou à imprensa internacional um informe preliminar sobre as eleições em Honduras. Apesar de evidenciar “sérios indícios de tráfico de credenciais e outras irregularidades”, somado a um “claro desequilíbrio na visibilidade dos distintos partidos nos meios” e “a falta de transparência no financiamento da campanha eleitoral”, a missão disse ter uma avaliação positiva “tanto da transparência da votação como com respeito à vontade dos eleitores” no pleito.
O informe afirmou também que “o sistema de transmissão das atas de votação garantiu a todos os partidos políticos uma ferramenta confiável de verificação dos resultados divulgados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral)” e felicitou as autoridades eleitorais por terem alcançado “uma maior transparência” com relação às eleições passadas.
Esses elementos, fundamentais no texto difundido pela MOE-UE, contrastam com as fortes denúncias de irregularidades apresentadas pelo partido Libre (Liberdade e Refundação) e o PAC (partido anticorrupção) que, juntos, somam quase 50% dos votos contados. Os candidatos dos respectivos partidos, Xiomara Castro e Salvador Nasralla, não aceitaram os resultados divulgados pelo TSE e dizem ter provas de uma suposta fraude. Com 80% das atas contadas, o TSE já declarou que o candidato do Partido Nacional, Juan Orlando Hernández, “é o ganhador das eleições” com 35.26% dos votos. Em segundo lugar ficou Xiomara, com 29.14%.
Leo Gabriel, jornalista austríaco e integrante da MOE-UE, afirmou em entrevista exclusiva a Opera Mundi que houve intensa discordância entre a imensa maioria dos membros da missão com o informe preliminar preparado. Segundo ele, essas diferenças sobre o que aconteceu em 24 de novembro desataram uma forte discussão interna. No entanto, os cálculos políticos e os interesses comerciais prevaleceram e se preferiu fechar os olhos ante a evidente alteração dos resultados e a violação da vontade expressada nas urnas pelo povo hondurenho.
Opera Mundi: Qual é a sua avaliação sobre as eleições em Honduras?
Leo Gabriel: Tivemos a oportunidade de observar as eleições a partir das mesas de votação e chegamos a conclusões diametralmente opostas às da equipe central da MOE-UE, com respeito à suposta transparência da votação e da apuração. Desempenhei meu trabalho de observador no departamento de Cortés, um dos mais populosos a nível nacional, e me dei conta desde o princípio de que esse processo eleitoral estava alterado.

OM: Quais foram as irregularidades observadas?
LG: Constatei um sem número de inconsistências no padrão eleitoral. Houve pessoas que não puderam votar porque apareciam como mortas e houve mortos que votaram. Também foi evidente a grande desorganização nas mesas de votação, onda a aliança oculta entre os pequenos partidos e o Partido Nacional originou a compra e venda de votos e credenciais.
Durante a transmissão dos resultados não houve nenhuma possibilidade de averiguar até onde as atas eram enviadas e recebemos informações fidedignas acerca do desvio de pelo menos 20% das atas originais até um servidor ilegal, que as ocultou.
Falar de transparência frente a tudo o que aconteceu naquele domingo é uma piada e acredito que, acima de tudo, nós observadores precisamos ser honestos e refletir sobre o que de verdade vimos.
OM: Por que, então, a equipe central da MOE-EU está dizendo em seu informe que a votação e a recontagem foram “transparentes”?
LG: Alguns deles acreditam de verdade no que diz o TSE, mas há uma razão política e econômica mais profunda. O golpe de Estado de 2009 afetou e desprestigiou a imagem de Honduras no mundo, desacelerando a execução do Acordo de Financiamento firmado entre a União Europeia e a América Central (AdA UE-CA). Apresentar um processo eleitoral limpo e transparente serve à UE para limpar a imagem de Honduras no mundo e colocar em marcha esse projeto comercial.
OM: Soube que o conteúdo do informe preliminar originou uma forte discussão interna na missão da UE.
LG: Na reunião geral de avaliação, a maioria dos colegas que observamos as eleições “in loco”, no terreno, coincidimos sobre as irregularidades que acabo de explicar. Ninguém defendeu o conteúdo do informe e o conceito de transparência do processo e isso se chocou com a intransigência da equipe central da MOE-UE, que não quis ceder nem um milímetro sequer. Lhes propusemos discutir a fundo o tema, tomando em conta o que havíamos visto e sugerindo mudanças ao texto, mas isso foi negado rotundamente.
OM: Você acredita que os resultados do TSE não refletiram o que de verdade o povo hondurenho expressou nas urnas?
LG: Acho que o TSE tirou os resultados da manga seguindo um cálculo político bem definido.
OM: Ou seja, já tinham tudo preparado?
LG: Sim, porque esses resultados não têm nenhum fundamento e a rapidez com que obtiveram os primeiros dados demonstra isso. No entanto, tenho a esperança que os partidos que estão denunciando uma fraude tenham a capacidade e a vontade de apresentar, de maneira sistemática e em todo o país, todas as cópias das atas, comparando-as com os dados divulgados pelo TSE. Dessa forma, a verdade virá à luz.
OM: Isso seria um golpe muito forte para a credibilidade das missões de observação.
LG: Claro. O que me pergunto é: como é possível que a equipe central da MOE-UE não tenha sequer mencionado em seu informe que há partidos, que representam quase 50% dos votos escrutados, que não estão reconhecendo os resultados e que denunciam graves irregularidades ou uma fraude?
OM: Qual sentido tem, então, essas missões de observação?
LG: O exemplo de Honduras não é generalizável, porque há outros exemplos onde as missões da UE jogaram um papel relevante e encararm a falta de transparência em processos eleitorais. Aqui prevaleceram atitudes políticas, econômicas, comerciais e até partidárias.
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