Zé Ibrahim, líder de greves históricas em 1968, quando aos 18 anos liderou a ocupação da
Cobrasma da família Bueno Vidigal, estava com 63 anos; foi exilado em Cuba junto com José
Dirceu -- "eu fiz curso de guerrilha e ele de segurança, agitação e propaganda" -- e nunca
deixou de ser amigo de Lula -- "era uisque na casa dele e cachaça na minha", divertiu-se; velório
ocorre na Assembléia Legislativa de São Paulo.
Marco Damiani _247 – José Ibrahim. Ele passou por mim, caminhando calmamente, há três semanas, cruzando as ruas Henrique Schaumann e Cardeal Arcoverde. Fui atrás. Com dois passos regulamentares de distância, me certifiquei de que o homem de cabelos inteiramente brancos, traços finos, cordato, como se reafirmou em seguida, era mesmo ele.
- Zé Ibrahim?
- Sim, tudo bom?
Ele havia ido até o posto de gasolina em que eu estava para comprar cigarros da sua marca preferida. Me chamou para caminhar com ele até o bar mais próximo, onde estava sua mesa, diante da televisão ligada no jogo de futebol, e uma cerveja mantinha-se ainda gelada. Serviu-me um copo e passei a lhe fazer perguntas.
Ibrahim foi fundador do partido. Um quadro histórico do movimento sindical. Líder da famosa greve da Cobrasma, em 1968, vésperas do AI-5. Os trabalhadores tomaram a empresa por vários dias, cercados pela repressão ditatorial. Quando Ibrahim deixou o PT, estava na posição de presidente estadual em São Paulo. Pegou sua bagagem e rumou para o PDT de Leonel Brizola.
- Zé, por que você saiu do PT?
- Eu estava em plena campanha de filiações. Havia um grupo grande de trabalhadores em Osasco que queriam entrar para o partido. Mas, na prática, não havia espaço para eles e nem para um pensamento mais à esquerda do que permitia a direção nacional. Fui acumulando problemas de relacionamento, perdendo apoio político interno.
E arrematou: Um dia, cheguei para o Lula e o Zé Dirceu, depois de muitas conversas sobre essas dificuldades, e disse: 'Vocês não querem que eu traga para o partido trabalhadores que estejam à esquerda de vocês. Assim, o melhor mesmo é eu ir embora".
E se foi, prestigiado por Brizola, organizar a campanha presidencial dele em 1989.
- Faltou pouco. Brizola sempre foi correto comigo, deixou que eu trouxesse o meu pessoal, mas nunca compreendeu a importância de São Paulo para vencer nacionalmente. Acontece.
Sem ter demonstrado qualquer problema de saúde, na conversa com 247 Ibrahim falou sobre a greve da Cobrasma, propriedade da família Bueno Vidigal, que o tornou, para o bem e para o mal, famoso. Neste relato, fez mais uma revelação inédita:
- Primeiro que não foi só a Cobrasma que parou. Todas as metalúrgicas de Osasco pararam. A resistência não foi difícil, porque os trabalhadores estavam unidos. Mas havia muita pressão e medo. Uma invasão policial poderia acontecer a qualquer tempo. Havia um capataz na fábrica que foi muito correto, nos avisando sobre os movimentos da polícia. Numa tarde, os diretores da fábrica se reuniram com a gente, do lado de fora da empresa, nos acusando de prender outros diretores em cárcere privado, lá dentro.
- E?
- E eu disse a eles que os diretores só estavam lá dentro, sem poder sair, porque se saíssem seriam malhados pelos trabalhadores. Não podíamos garantir a segurança física deles. Por acordo, entramos todos para dentro da fábrica, avisei que o capataz iria falar e ele pode apresentar seus argumentos. Adiantou pouco, porque a greve continuou. Mas houve uma ética naquilo. Nós não éramos radicais, as condições de trabalho é que eram péssimas.
- Anos depois, prosseguiu Ibrahim, me ligou o Luis Eulálio Bueno Vidigal. Ele era, então, o presidente da Fiesp. Eu já voltara do exílio. Perguntou como eu estava e disse que queria falar comigo.
- Zé, por que você saiu do PT?
- Eu estava em plena campanha de filiações. Havia um grupo grande de trabalhadores em Osasco que queriam entrar para o partido. Mas, na prática, não havia espaço para eles e nem para um pensamento mais à esquerda do que permitia a direção nacional. Fui acumulando problemas de relacionamento, perdendo apoio político interno.
E arrematou: Um dia, cheguei para o Lula e o Zé Dirceu, depois de muitas conversas sobre essas dificuldades, e disse: 'Vocês não querem que eu traga para o partido trabalhadores que estejam à esquerda de vocês. Assim, o melhor mesmo é eu ir embora".
E se foi, prestigiado por Brizola, organizar a campanha presidencial dele em 1989.
- Faltou pouco. Brizola sempre foi correto comigo, deixou que eu trouxesse o meu pessoal, mas nunca compreendeu a importância de São Paulo para vencer nacionalmente. Acontece.
Sem ter demonstrado qualquer problema de saúde, na conversa com 247 Ibrahim falou sobre a greve da Cobrasma, propriedade da família Bueno Vidigal, que o tornou, para o bem e para o mal, famoso. Neste relato, fez mais uma revelação inédita:
- Primeiro que não foi só a Cobrasma que parou. Todas as metalúrgicas de Osasco pararam. A resistência não foi difícil, porque os trabalhadores estavam unidos. Mas havia muita pressão e medo. Uma invasão policial poderia acontecer a qualquer tempo. Havia um capataz na fábrica que foi muito correto, nos avisando sobre os movimentos da polícia. Numa tarde, os diretores da fábrica se reuniram com a gente, do lado de fora da empresa, nos acusando de prender outros diretores em cárcere privado, lá dentro.
- E?
- E eu disse a eles que os diretores só estavam lá dentro, sem poder sair, porque se saíssem seriam malhados pelos trabalhadores. Não podíamos garantir a segurança física deles. Por acordo, entramos todos para dentro da fábrica, avisei que o capataz iria falar e ele pode apresentar seus argumentos. Adiantou pouco, porque a greve continuou. Mas houve uma ética naquilo. Nós não éramos radicais, as condições de trabalho é que eram péssimas.
- Anos depois, prosseguiu Ibrahim, me ligou o Luis Eulálio Bueno Vidigal. Ele era, então, o presidente da Fiesp. Eu já voltara do exílio. Perguntou como eu estava e disse que queria falar comigo.
Me prontifiquei a ir à Fiesp, mas ele me disse que tinha de ser na Cobrasma. Quando cheguei lá, na sala da presidência, ele começou a apontar os cantos em que os ex-diretores, entre eles seu pai, haviam ficado retidos durante a greve de ocupação da fábrica. Guardou aquele ressentimento durante anos, mas não deixou de demonstrá-lo com essa certa elegância da classe dominante.
Preso pelo regime militar, em razão de sua atuação sindical, Zé Ibrahim entrou na troca de presos políticos pelo embaixador americano Charles Elbrick, sequestrado em ação da qual participou o jornalista Fernando Gabeira. Perguntei a respeito do exílio e ele contou:
- Fomos para Cuba. Me aproximei de Zé Dirceu. Fizemos treinamento de guerrilha juntos. Depois, resolvi me aprofundar em cursos de guerrilha urbana. Acho que ainda sei como fazer parar uma cidade (rs). O Zé foi fazer o curso de segurança, propaganda e agitação. Teve aulas com os agentes secretos da União Soviética, de Cuba e também da Alemanha Oriental, que eram os craques do setor. Gosto muito do Zé Dirceu. Nossas divergências sempre foram expostas em pratos limpos. Aos que vem me perguntar se ele traiu alguma vez os trabalhadores, digo que nunca isso aconteceu. Ele é genuinamente comprometido com a classe operária.
Coloco o nome de Lula na conversa.
- Sempre foi amigo. Quantas vezes não me chamou para a casa dele para tomarmos uísque e falarmos de política! Outras tantas ele perguntava, naqueles tempos, se eu tinha lá em casa uma pinga que ele gostava. E dez minutos depois aparecia para falarmos longamente. Ele construiu o PT, mas o problema comigo foi essa hegemonia que ele e seu grupo mais próximo sempre quiseram ter.
Preso pelo regime militar, em razão de sua atuação sindical, Zé Ibrahim entrou na troca de presos políticos pelo embaixador americano Charles Elbrick, sequestrado em ação da qual participou o jornalista Fernando Gabeira. Perguntei a respeito do exílio e ele contou:
- Fomos para Cuba. Me aproximei de Zé Dirceu. Fizemos treinamento de guerrilha juntos. Depois, resolvi me aprofundar em cursos de guerrilha urbana. Acho que ainda sei como fazer parar uma cidade (rs). O Zé foi fazer o curso de segurança, propaganda e agitação. Teve aulas com os agentes secretos da União Soviética, de Cuba e também da Alemanha Oriental, que eram os craques do setor. Gosto muito do Zé Dirceu. Nossas divergências sempre foram expostas em pratos limpos. Aos que vem me perguntar se ele traiu alguma vez os trabalhadores, digo que nunca isso aconteceu. Ele é genuinamente comprometido com a classe operária.
Coloco o nome de Lula na conversa.
- Sempre foi amigo. Quantas vezes não me chamou para a casa dele para tomarmos uísque e falarmos de política! Outras tantas ele perguntava, naqueles tempos, se eu tinha lá em casa uma pinga que ele gostava. E dez minutos depois aparecia para falarmos longamente. Ele construiu o PT, mas o problema comigo foi essa hegemonia que ele e seu grupo mais próximo sempre quiseram ter.
Acho que, nisso de não deixar o partido ser mais de esquerda, ele errou. Mas sempre foi um grande companheiro. Na geração de Lula, Alemão e Osmarzinho (então diretores do Sindicato dos Metalúirgicos de São Bernardo do Campo) mobilizavam até mais que ele, mas também nunca houve espaço para eles crescerem. Acho que, entre grandes lideranças como o Lula, isso de querer a exclusividade é algo compreensível e normal. Foi desse jeito que avançamos até aqui. Tudo bem!
Ficamos de falar mais. Pergunto o que ele anda fazendo. Com um sorriso, respondeu:
- O mesmo que eu fiz a vida inteira. Sindicalismo e política, ué!
Zé Ibrahim, que trabalhava como assessor na União Geral dos Trabalhadores, deixa mulher, filho e uma grande história de serviços prestados ao Brasil.
Ficamos de falar mais. Pergunto o que ele anda fazendo. Com um sorriso, respondeu:
- O mesmo que eu fiz a vida inteira. Sindicalismo e política, ué!
Zé Ibrahim, que trabalhava como assessor na União Geral dos Trabalhadores, deixa mulher, filho e uma grande história de serviços prestados ao Brasil.
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