SESSENTA ANOS DEPOIS
Por Mino Carta
Há 60 anos, estudante de Direito na Faculdade do Largo de São
Francisco, cheguei a me sentir pessoalmente atingido pelos editoriais
dos jornalões. Mania de grandeza, a minha. A velha e sempre nova
academia tornara-se um centro importante das manifestações que agitavam o
País consciente à sombra do lema “O Petróleo É Nosso”. Bandeira altiva e
justa, desfraldada na perspectiva de um futuro que imaginávamos muito
próximo. A mídia reagia enfurecida, clamava contra tamanho atrevimento,
forma tola de nacionalismo a ignorar a nossa incompetência e nossos
compromissos internacionais.
Os jornalões mastigavam fel diante de um duplo desafio: contra as
irmãs do petróleo e, pior ainda, contra o império americano em plena
Guerra Fria, contra aquele Tio Sam chamado pelo Altíssimo a nos defender
da ameaça marxista-leninista. Era a irredutível vocação de
súdito-capacho pronunciada com a pompa do estilo cartorial, próprio dos
editoriais daquele tempo, e deste até.
Nos jornais de hoje leio que a direção da Petrobras foi trocada pela
presidenta Dilma, insatisfeita com a gestão e determinada a controlar
mais de perto o desempenho da estatal. Onde será que os perdigueiros das
redações colhem informações? Antes de incomodar meus pacientes botões,
anoto a observação de um amigo: “Na própria reunião de pauta”. Ou seja,
antes de sair a campo, o perdigueiro sabe, pela ordem da chefia, o que
haverá de contar aos amáveis leitores.
Da boca de Lula já ouvi a seguinte consideração: “Se
o presidente da República conta no máximo com oito anos de mandato, por
que o diretor de uma estatal deveria ter mais?” A troca da guarda na
Petrobras estava decidida há tempo, mas a presidenta Dilma não tem
motivo algum de insatisfação a respeito da gestão de José Sergio
Gabrielli. É do conhecimento até do mundo mineral que, sob o comando de
Gabrielli, o valor de mercado da Petrobras fermentou de 14 bilhões de
dólares para 160, o pré-sal foi descoberto e o Brasil tornou-se o 11º
produtor de petróleo do mundo. Segundo The Economist, por essa trilha
chega a quinto até 2020.
As pedras sabem também que Dilma Rousseff, depois de ocupar a pasta
de Minas e Energias no primeiro mandato de Lula, ao assumir a Casa Civil
passou a acumular a presidência do Conselho de Administração da
Petrobras e manteve estreita ligação com Gabrielli. Talvez a mídia
nativa continue aquém do mundo mineral. Reconheça-se, contudo, a sua
coerência. Ao longo dos últimos 60 anos, o petróleo ficou claramente
nosso e a Petrobras tornou-se uma realidade empolgante, mas a mídia não
mudou. Em relação a estas questões, a sua contrariedade se mantém, além
de transparente, patética.
Por 60 anos a fio, os barões do jornalismo não perderam a
oportunidade de tomar o partido do Tio Sam e das irmãs do petróleo até
ensaiar a revanche ao propor a privatização da nossa estatal. Devemos
atribuir a um milagre o fato de que Fernando Henrique não tenha atendido
aos insistentes, poderosos pedidos. Certo é que a tentação o roçou
perigosamente. Quem sabe caiba um agradecimento especial a Nossa Senhora
Aparecida se os editorialões acabaram por cair no vazio.
Agrada-me recordar 1952 e aquele fervor juvenil. Ali
nasceu a Petrobras com a chancela de Getúlio Vargas, figura
contraditória de estadista manchada pelo período ditatorial e valorizada
pela visão do futuro, partilhada, por exemplo, pela juventude do Largo
de São Francisco. Getúlio era então o presidente eleito, empenhado em
firmar os caminhos da industrialização inaugurados por obras como Volta
Redonda, as Leis do Trabalho, a criação do salário mínimo. A imprensa só
enxergava então os riscos da mudança, ameaça para tudo aquilo que
representava. A Petrobras seria mais um pecado getulista, a ser pago,
juntamente com os demais, pelo tiro que ecoou no Catete na manhã de um
dia de agosto de 1954. Ocorre-me que o desespero do suicida tenha
aflorado com prepotência ao perceber a resistência insana dos vetustos
donos do poder e ao imaginar por isso um futuro bem mais distante do que
esperavam os moços do Largo.
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