Mino Carta, CartaCapital
“O império romano do Ocidente durou quase
cinco séculos, sem contar o tempo que a República de Roma mandou no
Mediterrâneo a partir das guerras púnicas. O Império Britânico não deixou por
muito menos. Houve também influências culturais de porte imperial. A
inteligência grega ao longo de vários séculos definiu as linhas mestras do
pensamento humano. A Renascença italiana expandiu-se de Dante a Galileu por
mais de 300 anos. Paris foi a capital cultural do planeta desde o Iluminismo
até a Segunda Guerra Mundial. Nas últimas sete décadas falou-se no império
americano, e mais ainda após o colapso do antagonista soviético. Mas, como no
sonho bíblico, o gigante tem os pés de argila.
Quando ruiu o Muro de Berlim, houve quem
comparasse Washington à antiga Roma, embora os presidentes americanos não se
chamassem Augusto, Adriano, Tito, Marco Aurélio. Alguns estiveram mais para
Nero. Quem se arriscou à comparação precipitou-se. Exagerou. A decadência
ianque está à vista de todos e a sua razão mais evidente é a crise econômica
provocada pelo ciclone neoliberal, com seu epicentro nos próprios bancos
americanos.
O acompanhamento do formidável guisado fica
à altura da monumentalidade do prato. Entram na receita os ímpetos desastrados
da família Bush, a -mediocridade de Clinton, a impotência de Obama. Na
sobremesa o Tea Party, o reacionarismo crescente, o empobrecimento progressivo
de áreas outrora bem frequentadas, como a mídia. Só falta mesmo um presidente
mórmon republicano, e outra comparação ocorrerá, com Rômulo Augústolo,
derrubado pela invasão bárbara, de fora para dentro, desta vez de dentro para
dentro.
Algumas ilhas de excelência resistem. Hospitais,
institutos de pesquisa, universidades, cineastas e escritores de qualidade. Não
bastam para abrandar o impacto de uma visão ampla e profunda, valem até, em
certos casos, para acentuar a -gravidade da situação ao evidenciarem desmandos,
mazelas, parvoíces. Quanto a bancos e banqueiros, é deles o papel de vilões. Um
estudo sobre a rede global do poder financeiro, realizado pelo Instituto
Federal Suíço de Tecnologia, publicado pela New Scientist, confirma. Soletra que
menos de 150 multinacionais ditam as regras do chamado mercado e estrangulam a
concorrência. Goldman Sachs, Barclays Bank e JP -Morgan figuram entre as 20
corporações mais importantes e decisivas.”
Escreve Livia Ermini, do La Repubblica: “Não se trata da costumeira
tese conspiratória (…) neste caso, nos defrontamos com uma análise que
nada concede à especulação, a esquemas ideológicos, mas se baseia
exclusivamente em dados estatísticos (…) o estudo reconstitui redes de
relações e de participação que formam nós de poder nos mercados globais
sem nascerem por isso de acordos selados debaixo dos panos”.Os autores do estudo esclarecem que essas relações entre grandes empresas “em uma primeira fase de crescimento econômico podem ser vantajosas para a estabilidade do sistema”. A música muda abruptamente em tempos de crise: em toda concentração de poder, o colapso de uma empresa passa a ameaçar repercussões trágicas para toda a economia planetária.
Quais seriam as implicações no momento? É o que perguntam aos seus credenciados botões os responsáveis pelo trabalho. Impassíveis, os interlocutores solicitados respondem: ao se relacionarem entre si, as instituições financeiras visam a diversificar o risco. Expõem-se, contudo, à chance do contágio. “Nesta situação caracterizada por fortes relações de propriedade – é a assustadora conclusão – o risco da contaminação em cadeia fica atrás da esquina.”
Pois aí está: não é preciso espremer as meninges para entender que também esta crise a nos envolver a todos começa à sombra de um império tão frágil a ponto de se parecer com o aprendiz de mágico. O qual conhecia o abracadabra capaz de multiplicar as vassouras, mas não aquele que haveria de detê-las. Acabou varrido por elas. •
P.S.: Recomendo a leitura da coluna de Marcos Coimbra, à página 35, preciosa análise da patetice da mídia nativa, aplicada febrilmente na apresentação de um Brasil de pura ficção.
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