Por Luis Nassif
O livro "A Privataria Tucana" marca o desfecho de uma era, ao
decretar o fim político de José Serra. A falta de respostas de Serra ao
livro - limitou-se a taxá-lo de "lixo" - foi a comprovação final de que
não havia como responder às denúncias ali levantadas.
O livro mostra como, após as privatizaçōes, o Banco Opportunity - um
dos maiores beneficiados - aportou recursos em paraísos fiscais, em
empresas da filha Verônica Serra. Depois, como esse dinheiro entrou no
país e serviu, entre outras coisas, para (simular) a compra da casa em
que Serra vive.
Tem muito mais. Mostra a extensa rede de pessoas cercando Serra que,
desde o início dos anos 90, fazia negócios entre si, utilizando o
Banespa, o Banco do Brasil, circuitos de paraísos fiscais, as mesmas
holdings utilizadas por outros personagens controvertidos para esquentar
dinheiro
Provavelmente o livro não suscitará uma CPI, pela
relevante razão de que o sistema de doleiros, paraísos fiscais, foi
abundantemente utilizado por todos os partidos políticos, incluindo o
PT. Aliás, uma das grandes estratégias de José Dirceu, assim que Lula é
eleito, foi mapear e cooptar os personagens estrangeiros da privatização
que, antes, orbitavam em torno de Serra.
Essa a razão de ter terminado em pizza a CPI do Banestado, que expunha personagens de todos os partidos.
Nesse imbróglio nacional, a posição mais sensível é a de Serra - e
não propriamente para a opinião pública em geral, mas para seus próprios
correligionários. Afinal, montou um esquema que em nada ficou a dever a
notórios personagens da República, como Paulo Maluf. Jogou pesado para
enriquecimento pessoal e da família.
Com as revelações do livro, quebra-se a grande defesa de Serra, algo
que talvez a sociologia tenha estudado e que poderia ser chamada de "a
blindagem dos salões". É quando personagens controvertidos se valem ou
do mecenato, das artes, ou da proximidade com intelectuais para se
blindarem. O caso recente mais notável foi o de Edemar Cid Ferreira e
seu Banco Santos.
Serra dispunha dessa blindagem, por sua condição de economista
reputado nos anos 80, de sua aproximação com o Instituto de Economia da
Unicamp. Graças a isso, todos os pequenos sinais de desvio de conduta
eram minimizados, tratados como futrica de adversários.
O livro provocou uma rachadura no cristal. De repente todas aquelas
peças soltas da história de Serra foram sendo relidas, o quebra-cabeças
remontado à luz das revelações do livro.
Os sistemas de arapongagem, que permitiram a ele derrubar a
candidatura de Roseana Sarney no episódio Lunus; o chamado "jornalismo
de esgoto" que o apoiou, as campanhas difamatórias pela Internet, as
suspeitas de dossiê contra Paulo Renato de Souza, Aécio Neves, o
discurso duplo na privatização (em particular apresentando-se como
crítico, internamente operando os esquemas mais polêmicos), tudo ganhou
sentido à luz da lógica desvendada pelo livro.
Fica claro, também, porque o PSDB - que ambicionava os 20 anos de poder - jogou as eleições no colo de Lula.
Todas as oportunidades de legitimação da atuação partidária foram
preteridas, em benefício dos interesses pessoais da chamada ala
intelectual do partido.
A perda do bonde do real
No início do real, os economistas enriqueceram com operações
cambiais, em cima de uma apreciação do real que matou a grande
oportunidade de criação de um mercado de consumo interno. A privatização
poderia ter sido conduzida dentro de um modelo de fundos sociais, que
permitiria legitimá-la e criar um mercado de capitais popular no país.
Mas os interesses pessoais se interpuseram no caminho do projeto
político do partido.
O cavalo encilhado
O fim da inflação permitiu o desabrochar de um mercado de consumo de
massa, dez anos antes que o salário mínimo, Bolsa Família e Pronaf
abrissem espaço para a nova classe média. Estariam assegurados os 20
anos de poder preconizados por Sérgio Motta, não fosse o jogo cambial,
uma manobra de apreciação do real que enriqueceu os economistas mas
estagnou a economia por uma década. FHC jogou fora a chance do partido e
do país. Conto em detalhes essa história no livro "Os Cabeças de
Planilha".
A falta de Mário Covas
Fica claro, também, a falta que Mário Covas fez ao PSDB. Com todas as
críticas que possam ser feitas a ele, a Lula e a outros grandes
políticos, havia neles o sentimento de povo. Na campanha de 2006, ouvi
de Geraldo Alckmin a crítica - velada - à ala supostamente intelectual
do PSDB. "Covas sempre me dizia para, nos finais de semana, andar pelas
ruas, visitar bairros, cidades, para não perder o sentido do povo".
Os construtores e os arrivistas
Não se vá julgar impolutos Covas, Lula, Tancredo, Ulisses, o grande
Montoro, Grama e outros fundadores do Brasil moderno. Dentro do modelo
político brasileiro, montaram acordos nem sempre transparentes,
participaram dos pactos que permitiam o financiamento partidário,
familiares se aproveitaram das relações políticas para pavimentar a vida
profissional. Mesmo assim, imperfeitos que eram - como políticos e
seres humanos - havia neles a centelha da transformação, a vontade de
deixar um legado, o apelo da redemocratização.
A ala intectual do PSDB
Esses atributos passavam ao largo das ambições da ala intelectual do
partido, os economistas financistas de um lado, o grupo de Serra do
outro. O individualismo exacerbado, a ambição pessoal, a falta de
compromisso com o próprio partido e, menos ainda, com o país, fizeram
com que não abrissem espaço para a renovação. Com exceção de Serra, FHC
não legou para o partido um ministro sequer com fôlego político. Como
governador, Serra não permitiu o lançamento político de um secretário
sequer.
A renovação tímida
A renovação do PSDB se deu pelas mãos de Alckmin - ele próprio não
revelando um secretário sequer com fôlego para sucedê-lo - e, fora de
São Paulo, de Aécio Neves. Ao desvendar as manobras de Serra, o livro
fecha um ciclo de ódio, personalismo, de enriquecimento de pessoas em
detrimento do país e do próprio partido. No começo, será um baque para o
PSDB. Passado o impacto inicial, será a libertação para o penoso
reinício político.
______________________________________________
Nenhum comentário:
Postar um comentário