Diários escritos durante Revolução Cubana mostram transformação de Che Guevara em guerrilheiro
"Senti algo que nunca senti: a necessidade de sobreviver. Terei que corrigir isso da próxima vez.
" O relato do jovem Che Guevara, num dia de combate em Sierra Maestra após ser surpreendido por forças do ditador Fulgencio Batista, faz parte de um dos cadernos que o guerrilheiro escreveu durante batalhas e que agora assumem a forma do livro "Diário de um combatente".
- São reveladores, apesar de boa parte já ser conhecida através de outros textos. Neles se pode ver como Ernesto Guevara se converteu em Che - explica Jon Lee Anderson, autor da que é considerada a melhor biografia do guerrilheiro e que comemorou a publicação do diário.
O lançamento coincidiu com o aniversário do guerrilheiro. Se fosse vivo, Che teria completado 83 anos ontem. Mas, executado em 1967, a imagem que ficou foi a do jovem revolucionário. Imagem que é reforçada pelo livro, que cobre o período de 1956, quando desembarca do iate Granma em Cuba, aos 28 anos, até o final de 1958, às vésperas do triunfo da Revolução Cubana. Publicado pelo Centro de Estudos Che Guevara com a editora Ocean Sur, o livro traz os comentários sintéticos e às vezes irônicos sobre vitórias, combates e escaramuças.
- Aqui está tudo o que ele vai sentindo, os companheiros que caem a seu lado, o que vai aprendendo da realidade cubana que não conhecia - contou María del Carmen Ariet, coordenadora científica do Centro de Estudos Ernesto Guevara, a instituição que abriga os arquivos de Che e que é dirigida por sua viúva, Aleida March.
Para Anderson, que teve acesso aos cadernos, é uma demonstração de como se forma um guerrilheiro.
- Um relato esclarecedor é o que conta como executa pessoalmente o primeiro traidor, no segundo mês da revolução, algo que não se sabia até se conhecer as notas. Explica secamente como fez, as últimas palavras do morto e uma única observação: "Esta noite não tive asma" - contou Anderson, por telefone, ao jornal "El País".
Alguns trechos fizeram parte de "Passagens da guerra revolucionária", uma mistura de memória e ensaio publicada por Che. Mas a nova publicação mantém a característica de diário, com as emoções dos combates. Ela levou anos para virar um livro devido à falta de dois cadernos, que compreendem vários meses de luta, além da necessidade de transcrever a letra miúda e às vezes difícil de entender do guerrilheiro e de checar datas e nomes. Para completar alguns momentos que estavam nos cadernos perdidos, o centro contou com a ajuda do próprio Fidel Castro.
Trechos do livro foram lidos na presença de antigos companheiros de luta, como Armando Hart e o médico Oscar Fernández Mell, além da viúva e de uma das filhas, Aleida Guevara.
- Nosso propósito é fazer com que sejam conhecidos sua obra, seu pensamento, sua vida para que o povo cubano e o mundo em geral o conheça tal como era - completou a viúva, Aleida March.
A editora adverte que se tratam de "notas elaboradas para uso pessoal, por não ter tempo, naquele momento, de desenvolvê-las", admitindo que há algumas imprecisões devido ao desconhecimento original do guerrilheiro sobre a geografia da ilha, e também em relação a nomes e datas. Depois de uma grande revisão, muitas foram consertadas. Há ainda fotografias mostrando a passagem por Sierra Maestra, assim como a reprodução de ordens de combate, como a escrita e assinada por Fidel, determinando o avanço da coluna até Santa Clara, onde deteve as forças de Batista.
O livro ajuda a compor uma parte importante da vida de Che, que nasceu na cidade argentina de Rosario em 14 de junho de 1928. Ele estudou Medicina e, antes de se interessar pela questão cubana, percorreu a América do Sul numa viagem que mais tarde resultou no livro e no filme "Diários de motocicleta". O argentino conheceu Fidel em 1956, na Cidade do México, e juntos começaram a planejar uma expedição com 82 homens para derrubar Batista. Che foi ainda ministro da Indústria e presidente do Banco Nacional de Cuba, antes de partir para formar um foco guerrilheiro na Bolívia, onde acabou emboscado em 9 de outubro de 1967.
Para Anderson, o mundo mudou muito e os novos acontecimentos poderiam trazer dilemas a Che.
- O mundo já não é tão branco nem tão negro. Por exemplo, ele não consideraria verdadeiras revoluções as revoltas no mundo árabe porque veria uma carência de ideologia. Em público se veria obrigado a se situar na crítica oficial ao imperialismo americano e à intervenção na Líbia, mas em privado sentiria incômodo com a corrupção e a maneira de atuar desses governos - acredita Anderson.
http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2011/06/14/diarios-escritos-durante-revolucao-cubana-mostram-transformacao-de-che-guevara-em-guerrilheiro-924688
_________________________________-
Nenhum comentário:
Postar um comentário