quarta-feira, 27 de abril de 2011

O conflito de interesses nas catástrofes

por Tiberio Alloggio (*)

Dizer que o mundo tecnológico em que vivemos precise de manutenção e segurança para funcionar é afirmar o óbvio. Mas haverão de concordar comigo se disser que um carro, mesmo dotado dos mais refinados dispositivos de segurança, pode se tornar um objeto muito perigoso se ao dirigi-lo estiver alguém embriagado.
É a sensação que experimentamos ao subir no avião quando esperamos (além da manutenção) que o piloto esteja em boa saúde física e emocional. Digo isso, porque muitas vezes esquecemos que a nossa segurança só é garantida se tiver pessoas que saibam usar corretamente os instrumentos tecnológicos.
Como qualquer outra tecnologia, as centrais nucleares também precisam de pilotos. É por isso que para a segurança dessas máquinas a manutenção é apenas um elemento necessário, mas não suficiente. A reconstrução da catástrofe nuclear de Chernobyl nos alertou que foi o “delírio” sobre a “onipotência” do engenheiro chefe da usina que provocou o aquecimento do núcleo do reator e a sua consequente explosão.
Apesar do parecer contrário dos seus subordinados, o engenheiro chefe ordenou a execução de um teste extremamente arriscado, nunca tentado antes. E deu no que deu.
O próprio acidente ocorrido na usina nuclear de Three Miles Island, nos Estados Unidos, foi causado por um chefe do controle cuja enorme barriga o impediu de enxergar as luzes de alarme no painel onde estava se apoiado.

Seja qual for o desastre, uma coisa é certa: a corrente acaba sempre se quebrando a partir do seu anel mais fraco. E nessa corrente, o anel mais frágil somos nós, os humanos, que representamos a parte do sistema construído para satisfazer nossas necessidades, e que inevitavelmente nos torna o seu ponto de ruptura.
Numa recente entrevista, um notável acadêmico de sustentabilidade ambiental declarou que quando jovem renunciou à uma promissora carreira de engenheiro nuclear pela consciência que os maiores desastres nas instalações nucleares foram gerados por erros humanos, por falta de avaliação dos fatores externos, não previstos. Justamente como ocorreu com o tsunami que, após o terremoto, bloqueou os circuitos de esfriamento da central de Fukushima.
No caso de Fukushima, é fácil adivinhar que os operadores aptos ao controle perderam a “lucidez” por medo do terremoto, deixando a central sair de controle. Num caso desses, a “ciência da segurança” não serve para nada, pois numa situação de desespero toda ação acaba sendo vítima da “improvisação”. Então, só nos resta que constatar que a gota que faz trasvasar o copo é sempre devida ao fator humano.
Mas mesmo aceitando esta constatação, nunca podemos esquecer que o copo foi anteriormente enchido pelo contexto social. É nesse contexto social que predomina o conflito entre os interesses da coletividade e os negócios peculiares de quem investe o capital nas empresas envolvidas nas catástrofes.
Os obstáculos encontrados em enfrentar as reais dimensões e as dramáticas consequências sociais dos desastres, são o fruto evidente da tentativa de “salvar o investimento” daqueles que financiaram a empreitada. Trata-se do mesmo fenômeno que já vimos no desastre ecológico da British Petroleum no Golfo do México.
Como não lembrar a “impotência” de Barack Obama frente às bobagens que dizia, e as loucuras que fazia, a multinacional inglesa? A catástrofe de Fukushima já sumiu do noticiário midiático, sempre parcial quando estão em jogo os interesses dos investidores. Mas as consequências radioativas sobre a população são, a cada dia que passa, mais dramáticas.
É evidente a “impotência” do Governo Japonês frente aos absurdos praticados pela empresa atômica de Fukushima que. ao negar e esconder o real perigo da contaminação radioativa, chegou ao cúmulo de usar helicópteros para jogar baldes de água sobre os reatores. Ridículo se isso não fosse trágico. Mais uma demonstração que também no Japão, o país que mais de qualquer outro se caracterizava pelo controle social nos comportamentos individuais, o interesse do capital prevalece sobre qualquer regra, qualquer tradição ou convenção.
Infelizmente as estruturas de prevenção e de controle público em defesa dos interesses da coletividade, continuam inadequadas e submissas perante às ações das empresas, sempre voltadas a maximizar os lucros e minimizar as perdas. Se, desde já, esses colossais conflitos de interesses não forem enfrentados, as catástrofes serão destinadas a agravar-se.
O risco que estamos correndo, é que esses fenômenos poderão se multiplicar no futuro, inclusive atingindo outros campos do mundo tecnológico, como o da biotecnologias e a área da informática e da comunicações.
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* É sociólogo, residente em Santarém e escreve regularmente no Blog do Jeso.
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