Por André Costa Nunes
Minha comunicação via internet aqui em Altamira está péssima, mas vou te relatar, da maneira mais sucinta possível, começando pelo fato, cujas imagens deves ter visto pelos noticiários, o que aconteceu no encontro “Xingu Vivo para sempre”, de 19 a 23 de maio de 2008 promovido por dezenas de ONGs e Associações.
PREPOTÊNCIA E COVARDIA
No segundo dia do evento, vinte de maio, no Ginásio Poliesportivo de Altamira, a programação previa, após o intervalo para o almoço, em uma inversão da ordem de apresentações e debates, o tema Belo Monte e outras hidrelétricas planejadas para o Xingu. Debate este que se pretendia racional e técnico.
- O Primeiro a falar, com insuspeitada competência técnica e equilíbrio, foi o professor Osvaldo Sevá da UNICAMP, autor de um alentado estudo sobre as diversas alternativas propostas para as hidrelétricas do Xingu e seus efeitos e impactos sócio-ambientais.
- O segundo foi o Sr. Paulo Fernando Vieira Souto Resende, coordenador de estudos da AHE de Belo Monte Centrais Elétricas Brasileiras S.A. – ELETROBRÁS.
A prepotência
O Sr. Paulo Fernando, debaixo de esparsas vaias, como, aliás, era de se esperar, pois o circo não fora armado para ele, muito pelo contrário, tinha o objetivo explícito de unir forças contrárias a construção da barragem, portanto, o que dissesse seria irrelevante, mas pelo menos um simulacro de democracia.
A fala do senhor Paulo foi um primor de arrogância e prepotência. Falou como nos bons tempos ditatoriais, ou melhor, falou a fala do trono.
Procurou diminuir os argumentos do professor Sevá e, em outras palavras, deixou claro que a decisão estava tomada. Disse isso, repito, de maneira arrogante e soberba. Com a sutileza de um elefante em loja de louças.
As vaias foram inevitáveis, mas comedidas.
Em seguida falou um representante do Movimento dos Atingidos por Barragens de Tucurui – MAB. Um discurso inflamado e contundente. Em um determinado momento usou a termo GUERRA!
Fechou o tempo. Como se fosse uma palavra-de-ordem, uma senha, que sinceramente acreditamos que não foi, os Caiapós ensandecidos, facões em punho, liderados pelas índias, mais belicosas que os homens, partiram para cima do grupo de palestrantes e organizadores, inclusive o bispo dom Erwin da prelazia do Xingu. Buscavam especificamente ao representante da ELETROBRAS.
Foi uma cena de barbárie explícita. Deprimente e covarde. Sobrou até para os apaziguadores.
Repórteres e cinegrafistas corriam para registrar a cena. Organizadores estáticos, inermes, não conseguiam conter a turba, até porque, a ameaça pairava também sobre eles.
Nas arquibancadas repletas de estudantes adolescentes e crianças, choro, pânico, pavor.
No chão da quadra, um homem, o senhor Paulo da Eletronorte espezinhado, retalhado.
Sangue, muito sangue. A camisa retalhada e arrancada a facão. Os farrapos nas pontas das lanças como alegorias de um ritual macabro.
Não sei exatamente como e porque parou. Talvez porque a simples visão daquele sangue fosse suficiente para saciar tanta sandice.
O dia anterior
Creio que os acontecimentos descritos fossem de certa maneira previsíveis.
19 era o dia da abertura do evento. Perto de mil índios e índias, de diversas etnias apresentaram-se em grupos separados, um de cada vez. Dançavam armados de facões e bordunas e pintados para a guerra. Não confraternizavam com não índios, nem entre si.
O ponto alto foi a apresentação dos Caiapós chefiados pelas evoluções da índia Tuíra que dezenove anos atrás, em encontro semelhante, foi manchete de todos os jornais do mundo, quando ameaçou com um facão um diretor da Eletronorte. A cada evolução da guerreira seguiam-se aplausos da platéia. O mote era o mesmo: a hidrelétrica de Belo Monte na Volta Grande do Xingu, naquele tempo com o nome de Cararaô.
Ali já estava identificado o inimigo: a Eletrobrás, Eletronorte e quem mais fosse a favor da barragem. Desenhava-se assim o previsível desfecho do dia seguinte.
Por fim, como se costuma dizer, “entre mortos e feridos escaparam todos”. Por pouco a tragédia não foi maior.
A luta do movimento “Xingu Vivo para sempre” era legítimo antes e o será depois desse encontro.
“yo no creo en brujas, pero que las hay, hay”.
Ps: as cenas, após editadas pela televisão (ah, esse tal de tempo curto na televisão!) não refletem, nem de longe as tensões, aqui, presentes.
André Costa Nunes, de Altamira.
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