Por Luiz Carlos Azenha
É esse jornalismo vagabundo, contaminado por objetivos políticos e ideológicos, que infelizmente tornou-se o principal produto da grande mídia brasileira - especialmente de Veja, O Globo e TV Globo.
Tive duas experiências marcantes em minha carreira. Uma delas foi ao desembarcar em Moscou, em 1985. Linda a cidade, especialmente a praça Vermelha, de madrugada. Mas a paranóia de um estado policial era evidente. E o estado de decomposição das instituições estava no ar. Embora Mikhail Gorbatchev já tivesse assumido o poder, a União Soviética tinha a feição de Leonid Brezhnev, o morto-vivo que foi mantido no poder muito além de quando ainda tinha capacidade física e mental para governar.
Mais recentemente, fiquei surpreso ao desembarcar em Havana. Arquitetura dilapidada, transporte público caótico mas uma população surpeendentemente relaxada e alegre. Filmei à vontade. Conversei com os cubanos à vontade. E eles falaram mal do governo à vontade. E bem também. Conversei com dezenas de pessoas nas ruas.
Todas demonstraram grande admiração por Fidel Castro. Muitas se diziam amedrontadas com a ascensão de Raul Castro, visto no país como o "homem do paredão". Um dos momentos mais impressionantes foi a conversa que eu e minhas filhas tivemos com o dono de um pequeno restaurante. Ele lamentava que, aos 48 anos de idade, não tinha podido ainda sair do país.
"Não quero fugir para os Estados Unidos. Quero visitar o México, a Jamaica, quem sabe o Brasil". Fiquei com a clara impressão de que Fidel Castro produziu uma classe média educada e saudável que quer ir além dos slogans revolucionários. Os jovens não viveram o clima de guerra que cercou a ascensão de Fidel ao poder. Experimentam, sim, o boicote econômico dos Estados Unidos, que tenta estrangular a ilha desde os anos 60.
Os cubanos admiram as conquistas sociais, especialmente na Saúde e Educação. Eles são orgulhosos. Eu conheço quase toda a América Central. E digo, sem qualquer chance de errar, que os cubanos têm o melhor padrão de vida da região, comparável apenas ao da Costa Rica. Em comparação com a Guatemala, por exemplo, Cuba é um paraíso. E a Guatemala é uma "democracia plena" se considerarmos os padrões de Washington. E não há boicote americano à Guatemala.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Cuba é superior ao do Brasil, que tem um dos piores índices de distribuição de renda do mundo. A classe média de Cuba seria pobre no Higienópolis e no Leblon, mas seria rica na periferia das grandes cidades brasileiras. Rica, saudável e educada.
E isso não é irrelevante. Se fosse, a TV Globo não continuaria até hoje com suas peças de propaganda disfarçadas de Jornalismo. Depois de quase 50 anos no poder, a contínua necessidade de demonizar Fidel Castro é sinal de que ele continua incomodando. Mais recentemente, já afastado do governo, ele cantou a pedra: a produção de álcool de milho provocaria desabastecimento de alimentos. Na época, Fidel foi surrado pela mídia. Hoje está constatado que a produção de álcool a partir de milho fez disparar o preço do produto e causou inflação nos Estados Unidos. A fonte é o New York Times.
Dizer que os cubanos não querem liberdade de ir e vir ou de desenvolver suas próprias atividades econômicas é mentira. Cuba não é o paraíso vendido pela esquerda. Nem o inferno vendido pela direita. É um país de gente alegre, educada e saudável que tem grande ressentimento por não poder freqüentar as mesmas praias que os turistas estrangeiros - hoje a grande fonte de moeda forte do país. Fidel plantou as sementes que resultaram em uma geracão que quer mudanças. Mas elas não virão de Washington, nem de Miami, nem de Brasília.
Se a sociedade cubana fosse vulnerável à propaganda do tipo que você vê hoje na TV Globo Fidel Castro já teria sido derrubado. O objetivo da propaganda não é derrubar Fidel. Ainda é a de evitar que ele sirva de exemplo. Isso diz mais sobre o Brasil e sua democracia para poucos do que sobre Cuba e Fidel Castro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário