Líder Yanomani denuncia na ONU desmonte de políticas públicas do Governo Bolsonaro,
invasão de seu território pelos garimpeiros e a situação crítica dos grupos isolados
“Meu povo tem o direito de viver em paz e em boa saúde, porque ele vive em sua própria casa. Na
“Meu povo tem o direito de viver em paz e em boa saúde, porque ele vive em sua própria casa. Na
floresta estamos em casa! Os Brancos não podem destruir nossa casa, senão, tudo isso não vai
terminar bem para o mundo”. Este foi o alerta do líder indígena Davi Kopenawa Yanomami, que
participou nesta terça-feira de uma audiência na Comissão de Direitos Humanos da Organização das
Nações Unidas (ONU), em Genebra, onde deu seu testemunho sobre a invasão do território
Yanomami pelos garimpeiros e a ameaça que isto representa aos grupos isolados Moxihatetea.
A sessão, promovida pelo Instituto Socioambiental (ISA), pela Comissão Arns e pelo Conectas,
A sessão, promovida pelo Instituto Socioambiental (ISA), pela Comissão Arns e pelo Conectas,
denuncia a frágil situação dos povos indígenas em isolamento no Brasil, e riscos de etnocídio e
genocídio destas populações. U relatório do ISA, apresentado na audiência mostra que, em 2019, a
derrubada da floresta nessas terras cresceu 113% no Brasil, sendo que na somatória de todas as
Terras Indígenas (TIs), o aumento foi de 80%. Seis terras indígenas ―Ituna/Itatá, Kayapó,
Munduruku, Uru-Eu-Wau-Wau, Yanomami e Zoró―, que possuem dez registros de povos indígenas
isolados, estão listadas entre as treze TIs que respondem por 90% do desmatamento nesses
territórios”, aponta o relatório.
O desmonte das políticas públicas do Governo Jair Bolsonaro, como os “cortes de orçamento,
perseguição a servidores, deslegitimação dos dados de desmatamento” estão entre as razões
apontadas pelo relatório para o estímulo a invasões.
Leia a íntegra do testemunho de Davi Kopenawa
As coisas estão assim. Agora os Brancos não vivem longe de nós. Eles não param de se aproximar.
As coisas estão assim. Agora os Brancos não vivem longe de nós. Eles não param de se aproximar.
Na cidade de Boa Vista, eles se tornaram muito numerosos, vão aumentar sem trégua, e agora eles se
exortam uns aos outros. Eles dizem: “Sim, vamos nos apoderar dos bens preciosos da terra dos
Yanomami. Esses bens ainda não são mercadorias de verdade, mas são bens preciosos, escondidos no
cascalho da terra. Nós vamos tomar essas riquezas, e ainda as árvores da floresta e vamos nos
instalar nos Yanomami!”. É o que os Brancos dizem uns aos outros e é como eles se encorajam:
”Venham para Boa Vista! Eu, Governo de Roraima, vou lhes dar trabalho! Vocês não serão mais
pobres!”. Estas são as palavras deles. Com elas querem trocar seu dinheiro e suas mercadorias.
Assim os Brancos, todos eles, não param de fixar seu olhar sobre a nossa floresta para tentar se
apoderar dela. Eles dizem: “Sim, nós vamos arrancar dinheiro da floresta. Os Yanomami não sabem
de nada, portanto são nossas as riquezas”. É isso o que os Brancos falam ao encorajar seus
trabalhadores a virem para a floresta. “Sim, podem ir! Não tenham medo! Os Yanomami parecem
numerosos, mas nós é que somos, de verdade! Mesmo que eles flechem alguns de nós, ainda assim
seremos ainda muito numerosos!”
Dizendo dessas coisas todas é que eles aumentaram tanto e por toda a parte, na floresta, nos rios, nas
terras altas. Eles querem o ouro. O valor do ouro aumentou cada vez mais e eles aumentam sem
cessar. Eles pensaram: “Sim, agora o valor do ouro está muito alto. Vamos todos para a terra
Yanomami!”. É assim que eles adentraram a floresta por todos os lados, através dos rios, pelas
trilhas, com seus aviões e helicópteros. É assim que as coisas estão hoje em dia. Eles abriram portas
de entrada pelos rios e pelo ar. Eles desmataram para fazer pistas de aterrissagem por toda a parte.
Também desmataram para fazer novas trilhas na floresta. Na bacia do Rio Apiaú, é por aí que eles
chegam em grande número. Pelo rio Parimiú também. Eles já foram expulsos de lá, mas voltaram
ainda mais numerosos! Há também uma outra trilha, que sobe ao longo do Rio Catrimani.
Pela trilha do Rio Apiaú, eles se aproximaram do lugar onde vive o grupo isolado Moxihatetea. Nas
nascentes do Rio Apiaú, onde vivem esses povos isolados, começaram a atacar e a destruir a floresta
e seus rios. No início, eles trabalhavam com as mãos, mas agora usam máquinas. Descem as peças
dessas máquinas de um helicóptero para, depois, montá-las ali mesmo. É assim. Os Moxihatetea
estão vigilantes e desejam ficar longe dos Brancos. Eles não conhecem garimpeiros e não querem
que se aproximem. Então já fugiram muitas vezes. Mas agora, não podem mais fugir. Antes eles se
refugiavam na floresta profunda, longe das trilhas, e lá ficavam em acampamentos provisórios, como
quando estavam em expedições de caça, longe de casa. Os garimpeiros então começaram a roubar a
comida dos roçados – a mandioca, as bananas, as canas de açúcar, quando as suas provisões de arroz,
farinha e latas de conservas se esgotaram. Então os guerreiros Moxihatetea os atacaram com flechas,
mas os garimpeiros mais violentos quiseram se vingar atirando com espingardas. É o que aconteceu
com os Moxihatetea isolados, e eu acho isso muito errado.
Então eles fugiram de novo subindo o rio, mas nessa direção também há garimpeiros instalados no
Rio Catrimani, criando obstáculo. Os índios agora estão cercados. Por isso estou falando para
defender os Moxihatetea. Mas eu não conheço as suas casas, assim como vocês também não
conhecem. Eu só as vi do céu, do avião. Nunca os visitei a pé. Nunca nos falamos. É por isso que
estou muito preocupado. Talvez em breve estarão exterminados. É o que eu acho. Os garimpeiros
sem dúvida vão matá-los com suas espingardas e suas doenças, a sua malária, a sua pneumonia... Os
indígenas não têm vacinas de proteção, vão todos desaparecer.
E não há só eles na terra-floresta Yanomami. Mais além, na região de Erico, vivem outros povos
isolados. São como os Moxihatetea. E também, na outra margem do Rio Catrimani, a jusante, nas
cabeceiras do Rio Xeriuini, há outros isolados. E ainda num afluente do Rio Arca, no centro. É por
isso que lutamos por eles. Estamos muito inquietos pelo que possa lhes acontecer. Há outros isolados
na floresta próxima dos Waimiri-Atroari e há outros em toda a Amazônia! Viviam assim há muito
tempo e querem continuar assim! São eles que cuidam verdadeiramente da floresta. São os
Moxihatetea e todos os povos isolados da Amazônia que ainda guardam a última floresta. Mas os
Brancos não sabem disso, porque eles não compreendem a língua desses povos. Os brancos apenas
pensam: “O que eles estão fazendo aqui?” E quando os Brancos chegam, são suas epidemias que
chegam também com eles.
É por isso que eu reflito: “O que acham os Grandes Homens [autoridades] dos brancos? Não querem
É por isso que eu reflito: “O que acham os Grandes Homens [autoridades] dos brancos? Não querem
nos deixar viver em paz e em boa saúde? Eles nos detestam, de verdade?”. É evidente que nos
consideram como inimigos, porque somos outras gentes, somos habitantes da floresta. Fomos criados
na floresta da Amazônia, no Brasil, e por isso os Brancos não nos conhecem. Eles se contentam em
atacar e destruir à vontade nossa floresta. Não é a terra deles mas eles declararam que lhe pertence.
Eles pensam: “Essa floresta é nossa. Vamos arrancar o ouro do solo, cortar as suas árvores e vamos
instalar aqui outros brancos que necessitam de terra, os criadores de gado, os colonos, e vamos então
acabar com os Yanomami”. Não é só o que eles pensam, agora é até o que eles dizem mesmo!
O novo presidente do Brasil, eu nem menciono o seu nome, nem digo para ele: “Como você é o
presidente, você deveria nos proteger!”. Eu já conheço as palavras desse presidente: “Que venham
todos os Brancos que queiram dinheiro, os criadores de gado, os madeireiros, os garimpeiros e os
colonos também. Eu vou dar-lhes essa floresta, para acabar com todos os Yanomami, todos eles, e
para que os Brancos se tornem os proprietários. É nossa terra e tudo bem! Assim é, eu sou o único
senhor dessa terra!”. Essas são as suas palavras. Essas são as palavras daquele que se faz de grande
homem no Brasil e se diz Presidente da República. É o que ele verdadeiramente diz: “Eu sou o dono
dessa floresta, desses rios, desse subsolo, dos minérios, do ouro e das pedras preciosas! Tudo isso me
pertence, então, vão lá buscar tudo e trazer para a cidade. Faremos tudo virar mercadoria!”.
É o que os Brancos acham e é com essas palavras que destroem a floresta, desde sempre. Mas, hoje,
É o que os Brancos acham e é com essas palavras que destroem a floresta, desde sempre. Mas, hoje,
eles estão acabando com o pouco que resta. Eles já destruíram os nossas trilhas, sujaram os nossos
rios, envenenaram os peixes, queimaram as árvores e os animais que caçamos. Eles nos matam
também com as suas epidemias. Alguns Brancos têm pena de nós, mas não os seus Grandes Homens,
que dizem que nós somos animais. Eles dizem: “São macacos, porcos do mato!”. No entanto, são
esses homens que não sabem pensar. Eles não sabem trabalhar na floresta, não conhecem seu poder
de fertilidade në rope. Só ficam andando de um lado para o outro, destruindo. Eles só querem
conhecer a floresta do alto de suas máquinas satélites, que saem das cidades e que olham de relance
as árvores, as nossas casas, os rios, as colinas, a beleza da floresta. Depois disso eles chamam os
outros: “Sim, venham pra cá. Nós todos do Brasil vamos tirar os bens preciosos! Nós vamos
acumular tudo isso nas cidades! Nós vamos, de verdade, virar o Povo da Mercadoria! Não seremos
mais pobres, vamos ter muitos bens!”. É o que eles dizem entre eles. Era isso que eu queria contar
aqui. Essa gente é indiferente às palavras daqueles que defendem os Yanomami. Mesmo assim, envio
essa mensagem.
Gostaria que os Direitos Humanos da ONU pudessem olhar para nós e nos dar um apoio muito forte
para que as autoridades do Brasil ―os políticos dos municípios, dos estados e da capital ―todos
esses Brancos das cidades, nos respeitem e não nos molestem mais. Que eles compreendam e
reconheçam os direitos dos seres humanos, assim como faz a ONU. Os Direitos Humanos da ONU
são construídos para defender os que sofrem. Então, eu gostaria que a ONU faça um bom trabalho,
denunciando com muita força o que nos acontece, para que as autoridades do Brasil respeitem os
Yanomami, os povos isolados e todos os povos ainda não reconhecidos.
Meu povo tem o direito de viver em paz e em boa saúde, porque ele vive em sua própria casa. Na
Meu povo tem o direito de viver em paz e em boa saúde, porque ele vive em sua própria casa. Na
floresta estamos em casa! Os Brancos não podem destruir nossa casa, senão, tudo isso não vai
terminar bem para o mundo. Cuidamos da floresta para todos, não só para os Yanomami e os povos
isolados. Trabalhamos com os nossos xamãs, que conhecem bem essas coisas, que possuem uma
sabedoria que tem contato com a terra. A ONU precisa falar com as autoridades do Brasil para retirar
―imediatamente― os garimpeiros que cercam os isolados e todos os outros em nossa floresta.
Tradução do Yanomami por Bruce Albert, antropólogo, Laura Greenhalg e Manuela C da Cunha.
Tradução do Yanomami por Bruce Albert, antropólogo, Laura Greenhalg e Manuela C da Cunha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário