Por Luis Nassif
A cobertura do The Intercept na Vaza Jato repôs princípios jornalísticos que foram abandonados
pela imprensa e pelas instituições brasileiras, nesse período de jornalismo de guerra. Como, por
exemplo, a racionalidade por trás das decisões tomadas.
Nesse período de jornalismo de esgoto, a estratégia adotada pela mídia e pelas instituições era
da invisibilidade das denúncias contrárias ao pacto do impeachment. Podia ser a denúncia mais
fundamentada, por parte de jornalistas conhecidos e premiados em sua carreira na mídia
tradicional, ou jovens jornalistas escudados em links confiáveis. Nada era aceito. Em
contrapartida, qualquer factoide da mídia era álibi para atos de ofício de procuradores contra os
“inimigos”.
Glenn Greenwald conseguiu romper essa barreira do silêncio dividindo a mídia, e oferecendo o
acepipe do furo jornalístico aos veículos que mais se desgarraram do jornalismo no período
anterior e a jornalistas introdutores do jornalismo de ódio na mídia.
Foi uma estratégia de craque.
Rompido o muro do silêncio, em sucessivas entrevistas apresentou ao Brasil formal os princípios
fundadores do jornalismo, esquecidos nesses anos de subjornalismo: o respeito aos fatos, o
respeito às fontes e, especialmente, o respeito ao direito inalienável do público à informação.
Clareando desses princípios, abriu espaço para submeter decisões jornalísticas ao crivo da
racionalidade. Foi possível discutir decisões e enfoques à luz dos princípios jornalísticos. E foi
possível intuir – e entender -, também, quais as concessões temáticas do The Intercept para
conseguir montar seu arco de alianças. Não apenas isso, mas Glenn Greenwald demonstrou
uma coragem indômita em defesa desses princípios e dos valores democráticos.É em nome
desses princípios, e da possibilidade de voltar a discutir racionalmente o jornalismo, que a
interrupção da cobertura traz dúvidas.
Apesar das óbvias relações com o Departamento de Justiça dos EUA e da ilegalidade das
cooperações informais, não houve um capitulo sequer dedicado ao tema, mesmo com o caso
Snowden revelando interesses diretos do Departamento de Estado com a Petrobras e da NSA
ter incluido a empresa em seus alvos prioritários. Qual o motivo?
É óbvio que, nas conversas do Telegram, havia menção aos acertos com o Departamento de
Justiça, com o DHS, as informações recebidas na cooperação informal com autoridades
americanas, e até na imensa trama desenvolvida pela Lava Jato em perseguição ao advogado
Tacla Duran ou em episódios de claro interesse estratégico dos Estados Unidos, como a questão
nuclear – com informações do DoJ que levaram a prisão do Almirante Othon possibilitando, nas
Nem mesmo a óbvia cooperação das autoridades americanas para a identificação dos hackers
estimulou o The Intercept a entrar no tema – ou talvez tenha desestimulado. A Polícia Federal
havia declarado ser impossível localizá-los. De repente, Sérgio Moro foi para os Estados Unidos
para encontros não registrados e dá como desculpa acompanhar os trabalhos do FBI na fronteira
com o México. Dias depois, os hackers são detidos.
Reduzir a dimensão política da Lava Jato apenas à falta de escrúpulos de procuradores,
delegados e um juiz ambicioso, não condiz com a racionalidade e o preparo comprovados de
Greenwald. Nem com a experiência de quem trouxe à luz o caso Snowden.Tudo bem, se
Greenwald não quis abrir duas linhas de enfrentamento: com autoridades brasileiras e com
americanas. Mas, pela dimensão política atual do The Intercept, seus leitores merecem uma
explicação.
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