Caetano Scannavino, do Projeto Saúde e Alegria, fala sobre a ação policial de que a
organização foi vítima no Pará. Movimentos concordam que a democracia está ameaçada em
várias sentidos e buscam mobilização.
FELIPE BETIM - EL PAIS
Citando o poeta pernambucano Marcelo Mario de Melo, o jornalista Juca Kfouri pregou nesta
segunda-feira, em São Paulo, que uma frente a favor da democracia deve ser “ampla, tão ampla, que
precisa doer”. Porque “se não doer não vai ser ampla”. Significa que, para mais de 30 lideranças que
se reuniram no teatro FECAP, no centro da cidade, o momento é de deixar as diferenças de lado para
fazer frente aos desafios à ordem democrática lançados pela extrema direita que chegou ao poder,
liderada pelo presidente Jair Bolsonaro.
O ato, nomeado Em Frente Pela Democracia, foi organizado pelo grupo Pacto pela Democracia.
O ato, nomeado Em Frente Pela Democracia, foi organizado pelo grupo Pacto pela Democracia.
Participaram representantes de instituições e movimentos sociais de diferentes espectros ideológicos
― esquerda, centro, direita ― e que atuam em frentes diferentes: combatem o racismo e o genocídio
da população negra, lecionam em universidades, pregam o liberalismo econômico, estão nas
trincheiras da Amazônia pelo meio ambiente e as populações indígenas, buscam a renovação da
política institucional, defendem os diretos humanos de forma mais ampla. Os partidos políticos não
estiveram representados como tal.
Acontecimentos e declarações governistas foram lembrados, como as recentes ameaças de um novo
Acontecimentos e declarações governistas foram lembrados, como as recentes ameaças de um novo
AI-5 proferidas pelo ministro Paulo Guedes e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Mas dois
episódios permearam toda a noite. Um deles foi a prisão de quatro brigadistas do Projeto Saúde e
Alegria em Alter do Chão, no Pará. “Parece que uma semana dura anos, que o dia dura 100 anos.
Você não sabe se está num sonho ou pesadelo”, afirmou Caetano Scannavino, coordenador da ONG.
E também a morte de nove jovens da favela Paraisópolis após ação da Polícia Militar em um baile
funk: “Bem-vindos ao nosso mundo. Espinho, balas... O que aconteceu em Paraisópolis não é
novidade”, discursou José Adão, um dos fundadores do Movimento Negro Unificado (MNU), em
1978, em plena ditadura militar.
Lideranças do movimento negro, novas e mais antigas, eram parte importante do ato. E lembraram a
todo momento que a democracia nunca foi completa no último país a abolir a escravidão e onde o
racismo estrutural ainda impera. “Chegamos aqui não por causa de um grupo fascista. Chegamos
aqui porque silenciamos, porque aceitamos. O silêncio não vai nos levar a lugar nenhum", discursou
Karla Recife, da Frente Favela Brasil. “Esse fio bate em nós, mas uma hora bate em vocês.
Precisamos fazer uma reflexão e admitir que erramos. A sociedade brasileira nos levou a esse
momento”. Entre os pontos em comum, frisaram o compromisso com a diminuição das
desigualdades e com o combate ao racismo estrutural. “O que aconteceu em Paraisópolis é parte de
um genocídio”, afirmou, por sua vez, o membro da OAB Arnóbio Rocha.
Sem muros ideológicos
Já Paulo Gontijo, diretor do grupo liberal Livres, fez um chamado para que as pessoas não se fechem
em seus muros ideológicos. “Enquanto a gente entrar no jogo das tribos, os que querem fazer pontes
se encontraram”. Imbuído desse espírito de quebrar barreiras, o evento, no qual estiveram mais de
uma centena de pessoas, começou com um debate com pessoas diferentes entre si: Juca Kfouri, da
Associação Brasileira de Imprensa (ABI); Silvia Souza, do Conectas Direitos Humanos e da
Coalizão Negra por Direitos; Joel Pinheiro, economista e pensador liberal; Monica Sodré, da Rede
de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS); e Hélio Santos, militante histórico do movimento
negro e representante da aceleradora de startups Vale do Dendê.
Em comum, concordam que a democracia está ameaçada em várias frentes. Lembraram das
investidas contra as instituições promovidas pelos bolsonaristas e também do descrédito dessas
mesmas instituições junto à população. “No mundo real não há uma viva alma protestando. A
população não está comprando a briga, não está vendo seus anseios representados, não estão com
disposição de lutar”, argumentou Pinheiro. “Um desafio é encontrar os valores para trazer as pessoas
para as ruas”. Santos prosseguiu: “A gente precisa dialogar com o cotidiano das pessoas. Precisamos
desenvolver esse modelo de sedução”, afirmou. “As eventuais diferenças que temos são pequenas
perto dos riscos que sofremos. Até hoje não esqueço do rosto de colegas de universidade que
sumiram, e que nunca mais vi”.
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