Rafael Moro Martins, Nayara Felizardo
A investigação em que a Polícia Federal trabalha desde o final de agosto para descobrir os
responsáveis pelo “Dia do Fogo” na Amazônia não tem nenhuma organização não-governamental
entre os suspeitos. Nem a Brigada de Incêndio de Alter do Chão nem a ONG Saúde e Alegria são
investigadas ou consideradas suspeitas pela PF.
Nos bastidores, fontes ouvidas pelo Intercept descartam a participação desse tipo de entidade e
Nos bastidores, fontes ouvidas pelo Intercept descartam a participação desse tipo de entidade e
seguem investigando fazendeiros locais como principais responsáveis pelos incêndios que
impressionaram o mundo.
Há dois inquéritos abertos pela PF, tocados nas delegacias de Altamira e Santarém. Esse segundo deu
origem à operação Pacto de Fogo, realizada em Novo Progresso em outubro.
Os alvos dos mandados de busca foram empresários, produtores rurais e fazendeiros, que tiveram
notebooks, HDs e celulares apreendidos. A PF aguarda o resultado da perícia nesse material, mas
não há suspeitas que recaiam sobre ONGs.
Quer dizer – a investigação federal vai no caminho oposto ao da espalhafatosa e esquisita operação
da polícia civil do Pará, que prendeu voluntários e colocou a Brigada e a ONG Saúde e Alegria como
suspeitas de provocarem incêndios na região de Altamira.
O que levou a polícia paraense a prender ambientalistas, a bem da verdade, é um mistério para fontes
com quem conversamos – porque, apesar de insistentes pedidos, inclusive formais, as autoridades do
Pará se recusaram a compartilhar sua investigação com os policiais federais.
A PF também foi atacada na região. Um carro descaracterizado no qual policiais federais viajavam
pela rodovia transamazônica foi alvejado por um tiro disparado de uma viatura da polícia militar
local. O caso foi relatado à cúpula da corporação, segundo apuramos.
Ontem, o Ministério Público Federal pediu acesso ao inquérito da polícia civil do Pará. Procuradores
estranharam as prisões de ongueiros dessa semana e disseram que, desde 2015, investigações
federais “apontam para o assédio de grileiros, ocupação desordenada e para a especulação
imobiliária como causas da degradação ambiental em Alter do Chão”.
Suspeitos, os de sempre: ruralistas
O foco principal da investigação da PF é Novo Progresso, perto da fronteira com o Mato Grosso,
O foco principal da investigação da PF é Novo Progresso, perto da fronteira com o Mato Grosso,
onde começou o “Dia do Fogo” – dois dias de incêndios criminosos na região, em 10 e 11 de agosto.
Altamira fica 900 quilômetros ao norte de Novo Progresso. São 13 horas de viagem de carro por uma
estrada em boa parte coalhada de buracos.
A Polícia Federal participou também da operação de Garantia da Lei e da Ordem na Amazônia, no
A Polícia Federal participou também da operação de Garantia da Lei e da Ordem na Amazônia, no
final de agosto, e em nenhum momento teve motivos para suspeitar que ONGs estivessem por trás
dos incêndios na região.
Ao contrário, os suspeitos da PF são óbvios – madeireiros e, principalmente, fazendeiros locais. A
investigação parte de conversas trocadas num grupo de WhatsApp em que eles combinaram as
queimadas. Dele, fazia parte o delegado Vicente Gomes, superintendência da polícia civil do Pará na
região do Tapajós, em que fica Novo Progresso. É a provável razão para a falta de empenho das
autoridades locais em compartilhar informações com as federais.
É, ainda, um motivo possível para o empenho da polícia do Pará em atrair as atenções noutra
direção, longe de Novo Progresso, verdadeiro foco dos crimes. Se as investigações concluírem que
as queimadas de fato foram executadas a partir de um grupo incluindo o delegado Gomes, ele terá
cometido pelo menos crime de prevaricação – quando um servidor público deixa de cumprir seu
dever em troca de vantagem pessoal.
Moradores de Novo Progresso ouvidos pela PF apontaram Gomes como homem ligado a
madeireiros da região. Já integrantes do grupo de WhatsApp, os principais suspeitos dos incêndios
criminosos, ouvidos na investigação, apontaram o dedo para – quem diria – organizações
ambientalistas, seguindo as acusações do presidente Jair Bolsonaro, que jamais apresentou provas.
Gomes, flagrado no grupo de zap onde as queimadas foram combinadas, não goza de prestígio junto
ao secretário de Segurança Pública do Pará, Ualame Machado, um delegado federal licenciado. Mas,
nós apuramos, Machado não recebeu autonomia do governador Helder Barbalho, filho do velho
cacique local Jáder Barbalho, atualmente senador, para montar sua equipe (ambos são do MDB). Há,
na polícia civil paraense, um conflito entre policiais mais jovens – alinhados ao secretário – e a
“velha guarda”, de que Gomes faz parte.
Culpar ONGs por crimes ambientais é um álibi que pareceu surpreendente até a investigadores
experientes na área. Usualmente, ruralistas e madeireiros tinham nos assentados sem-terra seu bode
expiatório preferido. Quando acusados de crimes, costumavam culpar os assentados. Mas as falas do
presidente de extrema direita Jair Bolsonaro parecem ter criado uma nova tendência. Na dúvida, a
culpa agora é das ONGs.
“Numa coisa o presidente está certo: a mata é úmida, não queima. Quando está de pé. Derrubada, é
outra história. O Dia do Fogo é tradicional na região. Este ano o incêndio foi maior porque tinha
muito mais árvore no chão”, ouvi de uma fonte familiarizada com a investigação da PF.
A culpa, aí, parece recair em Bolsonaro – que, naturalmente, fez uso político das suspeitas contra
ambientalistas. Em recente visita à Arábia Saudita, Bolsonaro disse inclusive que “potencializou” o
movimento de destruição da mata. Ele não esconde. As palavras de incentivo do político
alimentaram a sanha dos desmatadores da região de Novo Progresso, localizado na nova fronteira
agrícola da Amazônia.
Um episódio espantou os policiais federais: em certo momento, logo no início do ano, faltou
combustível na cidade, tal o ritmo de trabalho das motosserras movidas a gasolina.
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