A guerrilha mais antiga do mundo, as Farc, voltam a pegar em armas na Colômbia
POR : *Anamaría Vargas Turriago é colombiana, antropóloga pela Universidade Nacional da Colômbia, especialista em Epistemologias do Sul da CLACSO. Mestranda em Ciências Sociais da
PUCSP.
**Vinicius Sartorato (@vinisartorato) é jornalista e sociólogo. Mestre em Políticas de Trabalho e
Globalização pela Universidade de Kassel (Alemanha)
Globalização pela Universidade de Kassel (Alemanha)
Nesta quinta-feira (29) a Colômbia acordou com notícias desconcertantes: após três anos de assinatura do Acordo de Paz com os guerrilheiros das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), vários dos ex-membros declaram publicamente que retomarão a luta armada.
O porta-voz conhecido como Iván Márquez, que foi o negociador dos acordos de paz em Havana, e também Jesús Santrich, entre outros líderes históricos da guerrilha que em 2018 e 2019 estiveram envolvidos em uma disputa legal que terminou com seu desaparecimento em junho de 2019, são alguns dos que anunciaram que pegarão em armas novamente.
No vídeo que circula na internet e que foi publicado pela mídia mais importante do país, Iván Márquez fala sobre os motivos que levaram ele e seus companheiros a tomar essa decisão: segundo eles, desde a assinatura do acordo com o então presidente Juan Manuel Santos, o governo que o sucedeu não cumpriu sua parte com as FARC e as vítimas do conflito.
Segundo os mesmos, durante a seção final do documento, o governo modificou unilateralmente o tratado e durante sua implementação, muitos dos compromissos não vem sendo respeitados, entre os quais a distribuição de terras aos camponeses e a participação das vítimas nos governos regionais. As milícias recém-agrupadas das FARC pedem um novo governo para construir um novo acordo, com o intuito de chegar a uma paz estável.
Com base nessas declarações, é possível afirmar que o retorno às armas pelos guerrilheiros responde à falta de compromisso do governo?
Desde a assinatura do Tratado de Paz em setembro de 2016, houve mais de 620 assassinatos de líderes sociais no país, com semanas macabras que passaram a ter um líder morto por dia.
Entre os ex-guerrilheiros assassinados somam-se mais de 150, o que indica que, embora tentem estudar, empreender economicamente ou praticar esportes, o governo não priorizou sua proteção, faltando, desta forma, com sua responsabilidade no acordo.
O atual governo de Ivan Duque, de extrema direita, e seu partido, que em uma piada populista cruel se autodenomina “Centro Democrático”, cumpriram sua promessa de campanha de não respeitar o acordo que foi elaborado. O mandatário se opôs a vários artigos do acordo e dificultou a implementação de vários elementos do tratado, como a jurisdição especial, necessária para qualquer cessar-fogo.
Por outro lado, a participação política das FARC foi estigmatizada e limitada pelo partido do governo, apresentando como exemplo uma ocasião em que o ex-presidente e senador Álvaro Uribe Vélez declarou em uma discussão acalorada com um senador opositor que preferia ver um guerrilheiro com um rifle do que “difamando” no congresso.
Então, o anúncio de retomar a luta armada não significa romper a paz, pois ela já estava quebrada. A paz não é o abandono de armas, mas é o trabalho pela justiça social e igualdade de oportunidades, respeito pela diversidade humana e ambiental. Nesse sentido, o compromisso e a vontade do governo foram quase nulos, tornando esta notícia uma “morte anunciada”, como é intitulado um dos livros mais famosos de Gabriel García Márquez.
Frequentemente, espera-se que os grupos “minoritários”, aqueles “outros” em relação à hegemonia do poder, se comportem de maneira totalmente impecável, porque, ao menor erro, são condenados. Enquanto isso, os erros, as más intenções e a corrupção dos detentores do poder são ignorados porque possuem o monopólio do uso legítimo da violência. É ingênuo, e até cínico, esperar que ex-guerrilheiros esperem sentados enquanto suas garantias não forem cumpridas, especialmente se entre elas estiver a própria vida.
As notícias de hoje são lamentáveis e a decisão desses setores guerrilheiros é equivocada. O partido do governo aproveitará esse infortúnio para criar uma oportunidade e retornar a tempos de conflito que são tão lucrativos do ponto de vista ideológico, já que nada contribui tanto para a “unidade nacional” como um inimigo comum. Por sua vez, Rodrigo Londoño, líder do partido das FARC no Congresso, diz que a maioria dos ex-guerrilheiros reafirma sua disposição de buscar participação política longe de armas. Iván Cepeda, congressista de esquerda desde 2010, pede aos cidadãos que não considerem isso um fracasso do processo de paz, mas um retrocesso e um convite ainda maior para a construção de uma paz final.
É assim que a Colômbia acordou ontem, vendo sua ferida aberta e que segue sangrando há mais de 55 anos.
O porta-voz conhecido como Iván Márquez, que foi o negociador dos acordos de paz em Havana, e também Jesús Santrich, entre outros líderes históricos da guerrilha que em 2018 e 2019 estiveram envolvidos em uma disputa legal que terminou com seu desaparecimento em junho de 2019, são alguns dos que anunciaram que pegarão em armas novamente.
No vídeo que circula na internet e que foi publicado pela mídia mais importante do país, Iván Márquez fala sobre os motivos que levaram ele e seus companheiros a tomar essa decisão: segundo eles, desde a assinatura do acordo com o então presidente Juan Manuel Santos, o governo que o sucedeu não cumpriu sua parte com as FARC e as vítimas do conflito.
Segundo os mesmos, durante a seção final do documento, o governo modificou unilateralmente o tratado e durante sua implementação, muitos dos compromissos não vem sendo respeitados, entre os quais a distribuição de terras aos camponeses e a participação das vítimas nos governos regionais. As milícias recém-agrupadas das FARC pedem um novo governo para construir um novo acordo, com o intuito de chegar a uma paz estável.
Com base nessas declarações, é possível afirmar que o retorno às armas pelos guerrilheiros responde à falta de compromisso do governo?
Desde a assinatura do Tratado de Paz em setembro de 2016, houve mais de 620 assassinatos de líderes sociais no país, com semanas macabras que passaram a ter um líder morto por dia.
Entre os ex-guerrilheiros assassinados somam-se mais de 150, o que indica que, embora tentem estudar, empreender economicamente ou praticar esportes, o governo não priorizou sua proteção, faltando, desta forma, com sua responsabilidade no acordo.
O atual governo de Ivan Duque, de extrema direita, e seu partido, que em uma piada populista cruel se autodenomina “Centro Democrático”, cumpriram sua promessa de campanha de não respeitar o acordo que foi elaborado. O mandatário se opôs a vários artigos do acordo e dificultou a implementação de vários elementos do tratado, como a jurisdição especial, necessária para qualquer cessar-fogo.
Por outro lado, a participação política das FARC foi estigmatizada e limitada pelo partido do governo, apresentando como exemplo uma ocasião em que o ex-presidente e senador Álvaro Uribe Vélez declarou em uma discussão acalorada com um senador opositor que preferia ver um guerrilheiro com um rifle do que “difamando” no congresso.
Então, o anúncio de retomar a luta armada não significa romper a paz, pois ela já estava quebrada. A paz não é o abandono de armas, mas é o trabalho pela justiça social e igualdade de oportunidades, respeito pela diversidade humana e ambiental. Nesse sentido, o compromisso e a vontade do governo foram quase nulos, tornando esta notícia uma “morte anunciada”, como é intitulado um dos livros mais famosos de Gabriel García Márquez.
Frequentemente, espera-se que os grupos “minoritários”, aqueles “outros” em relação à hegemonia do poder, se comportem de maneira totalmente impecável, porque, ao menor erro, são condenados. Enquanto isso, os erros, as más intenções e a corrupção dos detentores do poder são ignorados porque possuem o monopólio do uso legítimo da violência. É ingênuo, e até cínico, esperar que ex-guerrilheiros esperem sentados enquanto suas garantias não forem cumpridas, especialmente se entre elas estiver a própria vida.
As notícias de hoje são lamentáveis e a decisão desses setores guerrilheiros é equivocada. O partido do governo aproveitará esse infortúnio para criar uma oportunidade e retornar a tempos de conflito que são tão lucrativos do ponto de vista ideológico, já que nada contribui tanto para a “unidade nacional” como um inimigo comum. Por sua vez, Rodrigo Londoño, líder do partido das FARC no Congresso, diz que a maioria dos ex-guerrilheiros reafirma sua disposição de buscar participação política longe de armas. Iván Cepeda, congressista de esquerda desde 2010, pede aos cidadãos que não considerem isso um fracasso do processo de paz, mas um retrocesso e um convite ainda maior para a construção de uma paz final.
É assim que a Colômbia acordou ontem, vendo sua ferida aberta e que segue sangrando há mais de 55 anos.
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