segunda-feira, 12 de agosto de 2019

ANÁLISE: Argentinos dão aviso prévio para o amigo de Bolsonaro e o clima está mudando na América Latina

O cientista político Emir Sader escreve sobre a retumbante vitória de Alberto Fernandez e 
Cristina Kirchner contra Macri nas prévias da eleição presidencial argentina - 47% a 32%. Foi 
uma vitória histórica, "apesar da brutal campanha de mentiras contra a Cristina, com o 
Judiciario funcionando como agente contra ela" e pode marcar o início da virada progressista 
na América Latina.
A Argentina protagonizou a primeira tentativa de restauração do neoliberalismo, depois de governos 
antineoliberais. Uma experiência que se aproxima do fracasso e do fim com o resultado das eleições 
prévias.
O resultado dá uma vantagem muito cômoda para Alberto Fernandez e Cristina Kirchner, assim 
como para Axel Kicillof para governar a província de Buenos Aires. Quinze pontos é uma vantagem 
imensa. Uma diferença dessa ordem é quase impossível de ser superada no primeiro turno, em 
outubro, levando provavelmente a uma vitoria da oposição no primeiro turno. 
O resultado deu uma vantagem significativa para Alberto Fernandez e Cristina Kirchner sobre o 
atual presidente Mauricio Macri, que permite prever uma vitória segura no segundo turno em 
outubro. Essas prévias foram promovidas por Nestor Kirchner, para dirimir disputas internas nas 
chapas, mas desta vez não há nenhuma disputa interna, ficando a consulta como prévia das eleições 
de outubro. A votação é obrigatória, mas sempre votam menos do que em outubro. 
O governo tratou de criar um clima de otimismo, com o movimento do mercado e o preço do dólar 
favorável, mostrando que o mercado votaria por Macri, e tentava mostrar um clima positivo e de 
eventual resultado favorável ao governo. Pesquisas fajutas na véspera também tentaram forjar 
favoritismo do governo. Mas a grande maioria das pesquisas dava vitória da oposição tanto a nível 
nacional, como da província de Buenos Aires, hoje também governada pela direita, o segundo cargo 
político mais importante da Argentina. 
Os resultados desastrosos no plano econômico e social foram construindo uma maioria de rejeição 
do Macri praticamente em todo o pais. Depois do pacote demagógico do Macri, com congelamento 
de preços e outras medidas opostas à sua política econômica, justamente de que ele acusava o 
governo da Cristina, com prazo marcado até as eleições, se deu certa estabilidade econômica. Mas as 
consequências sociais, com o aumento do desemprego, continuaram, fortalecendo a oposição. 
A opção da Cristina de se candidatar a vice, mais por questões pessoais do que políticas – sua filha 
está muito enferma, em tratamento em Cuba, entre outras razões -, não alterou as pesquisas, 
confirmando seu favoritismo.
A opção de ter um peronista conservador como vice, tampouco aumentou a preferencia por Macri. 
As visitas de Bolsonaro tampouco ajudaram ao Macri. A imagem dele na Argentina é ainda mais 
negativa do que no Brasil. Ainda mais que se atreveu, nas duas viagens, a criticar a Cristina, a líder 
popular de maior prestígio por lá. 
A provável derrota do Macri não apenas dá um mau presságio para o Bolsonaro, que começava a 
iludir-se com a possibilidade de reeleição, como também mostra como o retorno do modelo 
neoliberal conduz inevitavelmente à impopularidade do governo e à sua derrota. Além de que 
condenará o Bolsonaro a um isolamento politico ainda maior.
O projeto de restauração neoliberal na região começou pela Argentina e pelo Brasil, países eixos dos 
governos antineoliberais e dos processos de integração latino-americana. Foi a partir da reversão 
politica nesses dois países que a direita latino-americana se recuperou e voltou a impor economias 
recessivas, com altos níveis de desemprego e desmonte dos patrimônios públicos, com retomada de 
politicas de privatização.
Macri despencou rapidamente na sua popularidade, a economia argentina está há dezenas de meses 
em recessão, o dólar disparou, assim como a taxa de juros. Como resultado, foi se desenhando a 
vitória da oposição, apesar da brutal campanha de mentiras contra a Cristina, com o Judiciario 
funcionando como agente contra ela.
Um novo governo antineoliberal não representará simplesmente a retomada do governo 
antineoliberal da Cristina, de crescimento econômico com distribuição de renda. Porque foram 
grandes os estragos provocados pelo governo neoliberal na Argentina, incluída uma imensa dívida 
com o FMI. 
Terá sido o primeiro fracasso da restauração neoliberal, que se deu em seguida no Brasil e no 
Equador. O clima favorece também as eleições, bastante disputadas, no Uruguai e na Bolivia. E 
estende sobre o Brasil o manto previsível de voo curto do governo Bolsonaro.

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