sexta-feira, 28 de junho de 2019

ANÁLISE: Por que os psicopatas chegaram ao poder


Há uma dimensão pouco examinada no avanço das lógicas neoliberais. Um sistema que 
estimula competição, disputa e rivalismo produzirá “líderes” brutais e sem empatia. Eleger 
gente generosa e sensível requer uma nova democracia.
OUTRASPALAVRAS

Por George Monbiot | Tradução: Inês Castilho
Quem, em seu juízo perfeito, poderia desejar esse trabalho? É quase certo que acabará, como 
descobriu Theresa May, em fracasso e execração pública. Procurar ser primeiro-ministro britânico, 
hoje, sugere ou confiança imprudente ou fome insaciável de poder. Talvez necessitemos de uma 
ironia como a de Groucho Marx: alguém louco o suficiente para candidatar-se a essa função deveria 
ser desqualificado para concorrer.
Alguns anos atrás, a psicóloga Michelle Roya Rad listou as características de uma boa liderança
Entre elas figuravam justiça e objetividade, desejo de servir à sociedade e não a si mesmo, falta de 
interesse em ser famoso e ocupar o centro das atenções, resistência à tentação de esconder a verdade 
ou fazer promessas impossíveis. Por outro lado, um artigo publicado no Journal of Public 
Management & Social Policy (Jornal de Gestão Pública e Política Social) listou as características de 
líderes com personalidade psicopata, narcisista ou maquiavélica. Elas incluem: tendência à 
manipulação dos outros, disposição em mentir e enganar para alcançar seus objetivos, falta de 
remorso e sensibilidade, desejo de admiração, atenção, prestígio e status. Quais dessas características 
descrevem melhor as pessoas que estão competindo para ser “governantes” no mundo 
contemporâneo?
Na política, vê-se em todo lado o que parece ser a externalização de déficits ou feridas psíquicas. 
Sigmund Freud afirmou que “os grupos assumem a personalidade do líder”. Penso que seria mais 
preciso dizer que as tragédias privadas dos poderosos tornam-se as tragédias públicas daqueles que 
eles dominam.
Para algumas pessoas, é mais fácil comandar uma nação, mandar milhares para a morte em guerras 
desnecessárias, separar crianças de suas famílias e infligir sofrimentos terríveis do que processar sua 
própria dor e trauma. Aparentemente, o que vemos na política, em todos os cantos, é uma 
manifestação pública de profunda angústia privada.
Essa talvez seja uma força particularmente forte na política britânica. O psicoterapeuta Nich Duffell 
escreveu sobre “líderes feridos”, que foram separados da família na primeira infância para ser 
enviados ao colégio interno. Eles desenvolveram uma “personalidade de sobrevivente”, aprendendo 
a reprimir seus sentimentos e projetar um falso eu, caracterizado pela demonstração pública de 
competência e autoconfiança. Sob essa persona está uma profunda insegurança, que pode gerar 
necessidade insaciável de poder, prestígio e atenção. O resultado disso é um sistema que “sempre 
revela pessoas que parecem muito mais competentes do que realmente são”.
O problema não está confinado a estas paragens. Donald Trump ocupa a cadeira mais poderosa do 
planeta, e ainda assim parece roer-se de inveja e ressentimento. “Se o presidente Obama tivesse feito 
os acordos que fiz”, afirmou há pouco, “a mídia corrupta os consideraria incríveis… Para mim, 
apesar do nosso recorde em economia e tudo o que fiz, não há crédito!”. Nenhuma riqueza ou poder 
parece capaz de satisfazer sua necessidade de afirmação e segurança.
Penso que deveria ser necessário a qualquer um que quisesse participar de uma eleição nacional 
passar por uma formação em psicoterapia. A conclusão do curso seria a qualificação para o cargo. 
Isso não mudaria o comportamento de psicopatas, mas poderia evitar que, ao exercer o poder, certas 
pessoas impusessem sobre os outros suas próprias feridas profundas. Fiz dois cursos: um 
influenciado por Freud e Donald Winnicott, outro cuja abordagem tinha foco na compaixão de Paul 
Gilbert. Considero os dois extremamente úteis. Penso que quase todo mundo se beneficiaria desses 
tratamentos.
A psicoterapia não iria garantir uma política mais gentil. A abertura admirável de Alastair Campbell 
ao falar sobre sua terapia e saúde mental não o impediu de comportar-se – quando desempenhou as 
funções de assessor político e porta-voz de Tony Blair – como um valentão desbocado, que 
intimidava as pessoas a apoiar uma guerra ilegal, em que centenas de milhares de pessoas morreram. 
Tanto quanto sei, não demonstrou remorso por seu papel nessa guerra agressiva, que cabe na 
definição de “crime internacional supremo” do tribunal de Nuremberg.
O problema, na verdade, é o sistema no qual essas pessoas competem. Personalidades tóxicas 
prosperam em ambientes tóxicos. Aqueles que deveriam ser menos confiáveis para assumir o poder 
são justamente os que mais provavelmente vencerão. Um estudo publicado no Journal of Personality 
and Social Psychology sugere que o grupo de traços psicóticos conhecido como “domínio sem 
medo” está associado a comportamentos amplamente valorizados nos líderes, tais como tomar 
decisões ousadas e sobressair-se no cenário mundial. Se assim for, nós, por certo, valorizamos as 
características erradas. Se para alcançar o sucesso no sistema é necessário ter traços psicopatas, há 
algo errado com o sistema.
Para pensar uma política eficiente, talvez fosse útil trabalhar de trás para frente: primeiro decidir que 
tipo de gente gostaríamos que nos representassem e depois criar um sistema que as levasse ao 
primeiro plano. Quero ser representado por pessoas ponderadas, conscientes de si e colaborativas. 
Como seria um sistema que promovesse essas pessoas?
Não seria uma democracia puramente representativa. Esse tipo de democracia funciona com o 
princípio do consenso presumido: você me elegeu há três anos, então presumo que consentiu com a 
política que estou para implementar, não importa se na época eu a mencionei ou não. Ela recompensa 
os líderes “fortes e determinados” que tão frequentemente levam suas nações à catástrofe. Um 
sistema que fortaleça a democracia representativa com democracia participativa – assembleias de 
cidadãos, orçamento participativo, co-criação de políticas públicas – tem mais possibilidades de 
recompensar os políticos sensíveis e atenciosos. A representação proporcional, que impede governos 
com apoio minoritário de dominar a nação, é outra salvaguarda potencial (embora não seja garantia).
Ao repensar a política, é preciso desenvolver sistemas que incentivem gentileza, empatia e 
inteligência emocional. É preciso nos desvencilhar de sistemas que encorajem as pessoas a esconder 
sua dor e dominar os outros.

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