Para o economista Paulo Nogueira Batista Jr., o Brasil e parte do mundo vive as consequências
de um "fenômeno arrasador": "a ascensão fulminante e irresistível do idiota"; segundo ele,
"até o século passado, os idiotas ignoravam a sua condição de maioria e, portanto, viviam
omissos e acomodados", mas "de repente, tudo mudou. O idiota descobriu o próprio peso e
desencadeou-se por toda parte com força brutal. Passou a publicar, dar entrevistas, gerir
empresas e — o que é pior — ocupar cargos públicos da maior importância"
Paulo Nogueira Batista Jr na Carta Capital
Há muito tempo, leitor, não trato de um tema que me era caro outrora: a ascensão fulminante e
Há muito tempo, leitor, não trato de um tema que me era caro outrora: a ascensão fulminante e
irresistível do idiota. E, no entanto, hoje mais do que nunca vivemos as consequências desse
fenômeno arrasador – não só no Brasil, mas em grande parte do mundo.
Tudo começou no século XX. O primeiro a diagnosticar o fenômeno foi, salvo engano, o filósofo
espanhol Ortega y Gasset. A sua obra A Rebelião das Massas marcou época. Décadas depois, Nelson
Rodrigues retomou o tema com mais verve e mais graça. Os idiotas sempre existiram — e em grande
número.
Sempre foram a maioria — sólida e compacta maioria. Mas, até o século passado, os idiotas
ignoravam a sua condição de maioria e, portanto, viviam omissos e acomodados, ignorantes da força
que a sua condição lhes proporcionava. A deferência era seu traço característico. Nunca lhes
ocorreria incomodar os outros com opiniões, ideias, projetos.
De repente, tudo mudou. O idiota descobriu o próprio peso e desencadeou-se por toda parte com
força brutal. Passou a publicar, dar entrevistas, gerir empresas e — o que é pior — ocupar cargos
públicos da maior importância. Isso foi, como dizia, no século passado.
De lá para cá, o campo ocupado pelo idiota só fez expandir-se. É notório, por exemplo, que as redes
De lá para cá, o campo ocupado pelo idiota só fez expandir-se. É notório, por exemplo, que as redes
sociais ampliaram sobremaneira as suas possibilidades de atuação. Convenhamos, leitor: o que
temos, hoje, não é mais a ascensão do idiota, mas o seu completo e indiscutível triunfo. Os não
idiotas sobrevivem assustados e acuados. Quando botam a cabeça para fora, sofrem as piores
agressões.
O fenômeno se reproduz em todas as esferas. Começa no seio das famílias. Em outros tempos, os
idiotas da família eram bem-comportados. Não arriscavam um palpite, um parecer, sequer faziam
perguntas. Hoje, não. As reuniões familiares são dominadas pelos patetas, sempre ruidosos e cheios
de convicções. Nunca lhes ocorrerá, é claro, que a dúvida tem um papel salutar. Nietzsche, não por
acaso, escolheu o jumento como metáfora para o portador de convicções…
Obviamente, os patetas não se contentam em tumultuar reuniões familiares ou sociais. Querem
Obviamente, os patetas não se contentam em tumultuar reuniões familiares ou sociais. Querem
“influir nos destinos da nação”.
Em 2016, leitor, quem é que marchava atrás de pato na Avenida Paulista, na Avenida Atlântica e em
Em 2016, leitor, quem é que marchava atrás de pato na Avenida Paulista, na Avenida Atlântica e em
tantas outras avenidas Brasil afora? O idiota, ora, o idiota na sua mais límpida e cristalina
manifestação. E ali começou a nossa desgraça atual.
Mas o fenômeno está longe de ser apenas nacional. Basta dar uma espiada nos Estados Unidos, por
Mas o fenômeno está longe de ser apenas nacional. Basta dar uma espiada nos Estados Unidos, por
exemplo. É uma grande nação. Já teve um Abraham Lincoln como presidente da República. Lincoln,
além de grande líder político, era um artista da palavra. Escrevia ele mesmo, com grande cuidado, os
seus discursos e pronunciamentos. Alguns deles são verdadeiras obras de arte.
Bem. Esse mesmo país elegeu George W. Bush para a Presidência (duas vezes!) e agora Donald
Bem. Esse mesmo país elegeu George W. Bush para a Presidência (duas vezes!) e agora Donald
Trump. Bush tinha, ao menos, certo senso de humor. Trump, nem isso. Mas, enfim, quem sou eu para
menosprezar o presidente dos EUA? Trump tem, sem dúvida, pontos fortes e qualidades apreciáveis.
Mas aí é que está: consegue disfarçá-los de maneira magistral. Pode parecer estranho, mas não há
mistério nem paradoxo. Num mundo dominado inapelavelmente pelos idiotas, um homem de talento
como Trump tem de se comportar como se idiota fosse.
O presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, trilha exatamente o mesmo caminho. Comporta-se, às
O presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, trilha exatamente o mesmo caminho. Comporta-se, às
vezes, como perfeito idiota. Mas é tudo manobra, tudo disfarce. Na campanha, Fernando Haddad deu
um show de inteligência e cultura. Chegou a lançar expressões em latim na cara do eleitor. Um
grande erro, evidentemente.
Bolsonaro, assim como Trump, mostra traços de verdadeira genialidade no modo como simula
Bolsonaro, assim como Trump, mostra traços de verdadeira genialidade no modo como simula
idiotice. A escolha de alguns ministros causou sensação.
Um exemplo: o embaixador Ernesto Araújo, futuro ministro das Relações Exteriores. Pelos seus
Um exemplo: o embaixador Ernesto Araújo, futuro ministro das Relações Exteriores. Pelos seus
escritos, percebe-se que é um diplomata de vasta cultura. Mas, para subir na vida, é obrigado a fazer
concessões medonhas.
Em texto recente, citado na mídia, Araújo sugeriu que o Brasil questione os BRICS, grupo formado
Em texto recente, citado na mídia, Araújo sugeriu que o Brasil questione os BRICS, grupo formado
por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. A sua ideia é que se tente, no lugar, constituir “um
agrupamento nacionalista Brasil – EUA – (Rússia?) – (Índia?) – (Japão?) – (países de Visegrado?)”,
em suma “um BRICS antiglobalista sem a China”. O futuro chanceler sugere ainda que o governo
explore “a possibilidade de um núcleo composto pelos três maiores países cristãos, Brasil-EUA-
Rússia”.
Insuperável.
Insuperável.
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