segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

ACABOU!!!


(Nelson Rodrigues).
BALAIO DO KOTSCHO
Nelson Rodrigues nunca foi tão necessário para retratar o Brasil destes dias tenebrosos sem hora para
acabar. Foi ele quem criou a expressão “cretinos fundamentais” no século passado, antes que os
cretinos fundamentalistas tomassem conta de tudo.
Acabou 2018, acabou o governo Temer, acabou a Nova República, acabou o sonho de tão cedo 
termos dias melhores para todos num país mais justo e fraterno.
Nunca um ano demorou tanto para acabar, mas agora está chegando ao fim.
Neste último fim de semana do ano da desgraça de 2018, estaria na hora de fazer um balanço, mas 
prefiro nem lembrar do que passou.
Esse foi certamente o pior ano das minhas vidas passadas, presentes e futuras, bem quando completei 
70, e já não tenho muito tempo pela frente.
Tudo o que poderia dar ruim na vida de uma pessoa aconteceu comigo.
Mas, apesar de tudo, sobrevivi. Somos todos sobreviventes desse pesadelo.
E já que continuo por aqui, não me resta outra coisa além de continuar escrevendo, meu único 
ganhapão, pois não sei fazer outra coisa.
Passei o ano procurando boas histórias para escrever reportagens na rubrica “Dias melhores” da 
Folha, mas não está fácil.
Se alguém tiver alguma sugestão, agradeço.
Daqui a três dias teremos um novo governo. O que podemos esperar?
Todo mundo me faz essa pergunta e eu não sei o que responder. Quer dizer, até sei, mas prefiro ficar 
calado pra não estragar a festa de ninguém.
Em outras épocas, era um tempo de renovar esperanças, fazer para valer uma bela festa democrática, 
esquecer as querelas da campanha eleitoral, zerar o jogo e tocar o barco da vida, com novo ânimo, 
deixando a tristeza de lado.
Agora, o melhor a fazer é esquecer um pouco a política e os novos governantes, se possível, e pensar 
como cada um de nós pode melhorar a própria vida, sem depender dos outros para ser feliz.
Não se trata de ser egoísta, nem deixar de se preocupar com os rumos do país de todos nós, mas 
apenas a tentativa de manter um mínimo de saúde mental.
Sei que é difícil, mas não custa tentar.
Devem existir muitas outras coisas importantes pra gente se ocupar do que ficar lendo o noticiário 
que vem de Brasília, dos gabinetes, das delegacias e dos tribunais.
Perdemos muito tempo e energia nos pré-ocupando com o que pode acontecer.
Até porque, isso não vai mudar nada. Ganhamos mais jogando conversa fora com os amigos no bar 
da esquina.
Que cuidem disso os que foram eleitos e são regiamente pagos para apresentar soluções e resolver 
nossos problemas. Eles não prometeram que agora tudo vai melhorar?
A cada manhã, temos que reunir forças para ir à luta, matar um leão por dia para pagar as nossas 
contas.
Fazer cara feia e ficar reclamando do destino não resolve nada.
Essa é a realidade da vida, não temos como escapar.
Feliz Ano Novo!

Entre as milhares de mensagens que recebi neste final de ano, nenhuma retrata melhor o 
momento que estamos vivendo, a poucas horas da posse do novo governo.
Nem pretendia publicar mais nada, mas não posso deixar de reproduzir este texto da 
psicóloga Eni Gonçalves de Fraga, que uma amiga me mandou. Durante quase todo o ano, 
tentei denunciar, entender e explicar aqui no Balaio este fenômeno bolsonarista que se 
alastrava pelo país, mas não consegui resumir com tanta maestria o sentimento coletivo que 
levou o ex-capitão reformado ao poder pelo voto de 57 milhões de brasileiros.
Já tinha dito aqui que este assunto é mais para psicólogos e psiquiatras analisarem do que para 
cientistas políticos e jornalistas. Como vocês podem ler abaixo, nesse caso eu tinha razão.
Um olhar da psicologia sobre o fenômeno COISO (por Eni Gonçalves de Fraga).
Em 64, o inimigo se impôs. Agora, elegemos ele de boa vontade, espumando de ódio e rindo ao 
mesmo tempo, como uma psicose coletiva. A sombra se agigantou e invadiu a psique coletiva, sem 
freio de ego, sem freio de ética. Quem conhece sabe a força física de um psicótico em surto. 
Precisam de várias pessoas para conter. É uma força absurda. Em nível macro, é o que está 
acontecendo.
Por que NENHUM argumento quebra a idealização, a idolatria por Bolsonaro?
Simples. Porque ele é literalmente o representante do povo. Ele deu voz ao povo. Ele é o ícone que 
botou a cara no sol e onde todos os bolsonaros puderam se ancorar e se sentir livres para quebrar as 
porteiras do freio social, da ética e do equilíbrio, colocando todos os seus monstros para fora, 
puderam sair do armário com legitimidade e segurança. E com muita força. Muita violência. Assim 
como um psicótico em surto. O povo é Bolsonaro. Ele é o representante de tudo aquilo que essas 
pessoas são mas até então não podiam assumir. Agora, podem. Porque ele chegou e mostrou que 
com ele podem se sentir em casa. Ele só abriu a porteira.
O maior perigo desses tempos nem é o Bolsonaro em si. São os bolsonaros soltos pelas ruas, no 
trânsito, nos locais de trabalho, nas casas, nas vizinhanças, nas igrejas. São esses bolsonaros que vão 
exterminar os civis do sexo feminino, os civis não cristãos, os civis de baixa renda, os civis que não 
obedecem à heteronormatividade e os civis descendentes da escravidão. É uma ditadura às avessas. É 
uma ditadura que vem das ruas. Dessa vez não é de cima pra baixo. É de baixo pra cima. Os 
bolsonaros saíram à luz do dia para impor uma nova (antiga) ordem, elegendo o seu maior 
representante, que teve a audácia de colocar a cara no sol, porque sabia que estava em consonância 
com o coletivo. Ele apareceu com segurança e tranquilidade. Porque o trabalho e o esforço não é 
dele. É do povo. Ele não precisa sequer fazer discurso, debater, argumentar. Porque não é disso que 
se trata. Não é isso que determina a sua eleição.
Por isso, mesmo com todos os FATOS apresentados, com todos os argumentos estatísticos e 
intelectuais, não haverá meios de mudar essa realidade em curso, que vai se concretizar. Um dos 
critérios para se identificar um delírio dentro de um quadro psicótico, é a grande resistência aos 
dados de realidade. O delírio não cede à realidade. Ele permanece obstinado e na certeza da sua 
verdade. A pobreza de discurso, o rebaixamento da cognição também são sintomáticos.
O povo brasileiro é bolsonaro.
Segundo o budismo, tudo é impermanência. O que nos resta é acreditar nas forças do Universo e 
esperar passar esse período sombrio de ódio, falta de ética, de respeito, de corrupção e limitação das 
consciências. Tudo passa. Bolsonaros também passarão. A psiquiatria diz que uma psicose não se 
cura. Ela é controlada, contida. Eu ainda tenho esperanças que um dia surja uma saída mais criativa 
para a psicose, e que ela deixe de ser um atentado ao ego e à consciência, que se fragmentam fácil 
quando um Bolsonaro, por exemplo, chega por trás, rasteiro, e se instala como patógeno psíquico ao 
longo dos anos, constelando todos os seus delírios de grandeza, suas paranoias e sua violência na 
sociedade. Porque isso não é de hoje. Essa é a história do Brasil.
Até lá, resistiremos, pois a psique, individual ou coletiva, sempre é autoajustável, sempre busca o 
equilíbrio. É da sua natureza.
E com esse post, sem ter mais nada a acrescentar, me despeço dos leitores do Balaio em 2018.
Até a volta, em 2019.

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