terça-feira, 2 de outubro de 2018

A ELITE INSTALOU ESSE SISTEMA DE CASTAS QUE ESTÁ AÍ


 Alô, companheiros de elite
artigo do empresário Ricardo Semler


Na Fiesp, quando eu tinha 27 anos e era vice do Mario Amato, convidávamos outsiders para uma 
conversa no bar. Chamei o FHC, que estava na mídia com a pecha de maconheiro. Chamamos os 112 
presidentes de sindicato, vieram 8. Ninguém topava falar com "comunista". Alguns anos depois, fui 
ao Roda Viva para alertar contra a eleição do Collor, queridinho passional das elites.
Recentemente, realcei que a ida das elites à Paulista para derrubar a Dilma equivalia a "eleger" o 
Temer e seus 40 amigos. Ninguém da elite quis ir às ruas para pedir antecipação de eleições. Erraram 
feio, como no passado, ou como quando deram as chaves da cidade ao Doria. Quanta ingenuidade.
Agora, estremeço ao ouvir amigos, sócios e metade da família aceitando a tese de que qualquer coisa 
é melhor do que o PT. Lá vamos nós, de novo. As elites avisaram que 800 mil empresários iriam 
para o aeroporto assim que Lula ganhasse. Em seguida, alguns dos principais empresários viraram 
conselheiros próximos do homem.
Sabemos que, em vencendo Haddad, boa parte da Faria Lima e da Globo se recordará subitamente 
que foi amiga de infância do Fernandinho --"tão boa pessoa, nada a ver com o Genoino, gente!".
A reação de medo e horror da esquerda, Ciro incluso, é ignorante. Vivemos, nós da elite, atrás de 
muros, cercados de arames farpados e vidros blindados, contratando os bonzinhos das comunidades 
para nos proteger contra favelados. Oras, trocar vigias com pistolas por seguranças com fuzis é um 
avanço? Ou é melhor aceitar que o país é profundamente injusto e um lugar vergonhoso para 
mostrarmos para amigos estrangeiros?
Vamos continuar na linha do projeto Marginal, plantando ipês lindos para desviar a atenção do rio?
Não compartilho com os pressupostos ideológicos do PT e —até pouco— fui filiado a um partido só, 
o PSDB. Nunca pensei em me filiar ao PT, nunca aceitaria envolvimento num Conselhão de 
Empresários, por exemplo.
Apenas reconheço que as elites deste país sempre foram atrasadas, desde antes da ditadura, e nada 
fizeram de estrutural para evitar o sistema de castas que se instalou.
Nenhum de nós sabe o que é comprar na C&A e ser seguido por um segurança para ver se estamos 
para roubar, por sermos de outra cor de pele. Todos nós nos anestesiamos contra os barracos que 
passamos a caminho de GRU, com destino à Champs Élysées.
Este é um país que precisa de governo para quem tem pouco, a quase totalidade dos cidadãos. Nós da 
elite, aliás, sabemos nos defender. Depois do susto, o dólar cai, a Bolsa sobe, e voltamos a crescer. 
Estou começando três negócios novos neste mês.
Qual de nós quer pertencer ao clube dos países execrados, como Filipinas, Turquia, Venezuela? É um 
clube subdesenvolvido que foi criado à força, mas democraticamente, bradando segurança e 
autoridade forte. Soa familiar?
Quem terá coragem, num almoço da City de Londres, de defender a eleição de um capitão simplório, 
um vice general, um economista fraco e sedento de poder, e novos diretores de colégio militares, 
com perseguição de gays, submissão de mulheres e distribuição de fuzis à la Duterte?
Lembrem-se desta frase do Duterte, a respeito de uma australiana violentada nas Filipinas: "Ela era 
tão bonita —eu deveria ter sido o primeiro". Impossível imaginar o Bolsonaro dizendo isso?
Colegas de elite, acordem. Não se vota com bílis. O PT errou sem parar nos 12 anos, mas talvez 
queria e possa mostrar, num segundo ciclo, que ainda é melhor do que o Centrão megacorrupto ou 
uma ditadura autoritária. Foi assim que a Europa inteira se tornou civilizada. Precisamos de tempo, 
como nação, para espantar a ignorância e aprendermos a ser estáveis. Não vamos deixar o pavor 
instruir nossas escolhas. O Brasil é maior do que isto, e as elites podem ficar, também. Confiem.

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