quinta-feira, 16 de agosto de 2018

CYNARA ENTREVISTA PAULO COELHO


Em entrevista exclusiva, escritor fala sobre seu novo livro, "Hippie", e comenta a situação 
política do país
Por Cynara Menezes
Paulo Coelho está preocupado. Acha que Lula está demorando demais em assumir que não o
deixarão sair da prisão para ser candidato, em vez de abrir espaço logo para a chapa Fernando 
Haddad-Manuela Dávila, na qual o escritor declara voto. “Eu torço para que Haddad e Manuela 
ganhem, mas quando eles resolverem entrar na corrida presidencial, poxa, os outros já comeram ali 
pela borda”, diz, em entrevista ao site. “Está escrito aí que que os caras não vão deixar Lula sair, 
infelizmente, porque uma eleição sem o Lula vai ser triste.”
Mas não é só a situação do Brasil que o deixa inquieto. O eterno parceiro de Raul Seixas em Gita
mais de 40 canções vê o mundo caminhando para “um fundamentalismo generalizado” e um 
encaretamento total das novas gerações, bem ao contrário da sua. “Essa geração não quer 
experimentar, tem medo. E o medo está acabando com esse lado rebelde do jovem que foi tão 
importante na minha geração.”
Hippie, seu novo livro, retrata um pouco do que foi o Paulo Coelho quando jovem, no começo dos 
anos 1970, sem medo algum de experimentar tudo, o que inclui pegar um ônibus escolar em 
Amsterdam, na Holanda, para ir com zero conforto até Katmandu, no Nepal, o lendário “magic bus” 
que se tornaria o sonho das gerações que se sucederam à dele. O mundo hoje é outro e nem é mais 
possível fazer este percurso por terra, devido aos conflitos políticos dos países no meio do caminho. 
Segundo o escritor, todos os fatos relatados no romance aconteceram na vida real.
Leia a entrevista que Paulo Coelho concedeu ao site, por e-mail.


Socialista Morena – Por que você decidiu fazer um romance autobiográfico apesar de já ter uma biografia publicada, escrita por Fernando Morais?
Paulo Coelho  Na verdade todo livro é autobiográfico, mesmo aqueles que parecem uma metáfora de sua vida, como O Alquimista. Mas desde o primeiro livro, O Diário de Um Mago, no caminho de Santiago, minha transformação, que meus livros são autobiográficos, todos, todos. A biografia do Fernando é boa, mas não toca muito no tema espiritual. É uma pena. É uma grande biografia, mas escrita por uma pessoa que tem uma concepção diferente da minha.
Quem glamouriza a droga não são as pessoas que já experimentaram, são as pessoas que fazem as propagandas antidrogas para o governo e nunca experimentaram
SM – Apesar de levar o nome Hippie, o livro não tem nada da glamourização das drogas que havia no período. Pelo contrário, mostra desprezo por uma viagem de ácido, pintada como banal, desimportante, tola. Por quê?
PC  Não, não há glamourização da droga. A gente viveu o que tinha que viver, não vou dizer que hoje em dia sou contra a droga, aqui na Suíça a maconha é livre, as outras são toleradas, há lugares onde você pode ir e usar. O ácido foi inventado na Suíça, para minha surpresa (risos), eu não sabia, só descobri quando li. Mas chega um tempo que cansa. Por que eu parei de tomar droga? Porque em teoria eu cansei, enchi o saco, virou muito repetitivo. O perigo é justamente a propaganda antidroga, é ela que glamouriza a droga dizendo que ela faz isso, faz aquilo, provoca um lado desafiador no jovem, o jovem vai e toma. Quem glamouriza a droga não são as pessoas que já experimentaram, são as pessoas que fazem as propagandas antidroga para o governo e nunca experimentaram. Se tivessem experimentado teriam visto que a droga é perigosa porque mata a sua vontade, você deixa de ter vontade, passa a viver em função do barato, do efeito da droga. É muito chato, muito entediante.
SM– É coincidência o motorista do ônibus chamar-se Rahul?
PC – O motorista se chamava Rahul mesmo. Agora que você me chamou a atenção pra isso é que eu tô vendo a coincidência, não tinha notado até hoje.



HIPPIE, Magic Bus, Sept 1970
Meados de abril: Brasil
June: Italia, France, Turkey
Aug/Oct: worldwide

SM – Minha geração herdou da sua o sonho de viajar neste ônibus. Você se arrepende de ter abandonado a viagem no meio?
PC – Talvez eu me arrependa, sim. Eu gostaria de ter ido até o Nepal, não fui até hoje, embora tenha feito uma música, “traga minha bola de cristal, e aquele incenso do Nepal que você comprou num camelô”… Talvez eu tivesse buscado outro momento para aprender sufismo, mas na hora você não pensa muito, não. E “arrepender” também é uma palavra meio difícil. Não diria que me arrependi, diria que poderia ter ido até o final.
SM – Hippie é outro romance seu que também é uma jornada em busca do espiritual, assim como todos, acredito. Um bildungsroman, espécie de precursor de Diário de um Mago… Por que para você é tão importante esta busca ao ponto de, no livro, abdicar de viver uma aventura de amor, coisa que poucos jovens da época fariam?
PC – Não chamo isso de busca. Eu já tive o barato da busca espiritual, mas na verdade não existe busca, não existe o tempo na busca espiritual, existe o encontro, a epifania, o momento em que você se conecta e de repente diz: puxa vida. Mesmo que você não acredite, mesmo que você queira deixar passar, e a maior parte das pessoas deixa passar porque um encontro com o lado espiritual é muito forte, muito desagregador, te balança demais. Então eu acho que não há busca. Há encontros, epifanias, revelações. E foi o que aconteceu no Diário de um Mago. Achei que o meu guia era o Castañeda, eu projetei nele o Castañeda e o cara me deixou na mão, eu achei, mas não. O encontro aconteceu, o encontro foi assim. Eu abdiquei da minha aventura de amor com a Karla no livro porque eu não era apaixonado por ela, essa é a verdade. Se eu fosse morto de amor por ela eu teria continuado com ela até o Nepal. Eu gostava dela, curti, amei a Karla um momento, de repente a coisa se desfez, da minha parte, também da parte dela, imagino. E pronto. Ela tocou pra frente, eu toquei pra frente. Então nenhum dos dois abdicou nada, é o que é.
SM – Aos 70 anos, quase 71, você acha que encontrou o que buscava quando fez esta viagem ou pensa, como Hilda Hilst, que “ainda que se mova o trem, tu não te moves de ti”?
PC – A gente tá sempre se movendo. A ideia de conceber o tempo como algo linear é ruim. O tempo é uma coisa que tá fundida com o espaço, como Einstein demonstrou tão bem na relação tempo-espaço, então não tem isso de não conseguir se mover como diz a Hilda. Você se move, a vida é o trem, não a estação, como eu disse em outro livro, Aleph. Querendo ou não. Os únicos que não se movem são os mortos, viver é movimento.
SM – Tenho a impressão de que nunca teve gente jovem tão conservadora quanto agora. Hoje os jovens pensam de uma forma que a minha geração (e certamente a sua) nunca imaginou que pudessem pensar algum dia. Como você vê o mundo ficando tão careta?
PC – Foi o motivo pelo qual eu escrevi o livro. Uma geração que de repente parou de questionar as coisas, parou de ser mais incendiária, e ficou vivendo com valores conservadores sem se perguntar o que tem do outro lado da porta. Você pode até não gostar do que tem do outro lado da porta, aí você sai fora. Mas essa geração não experimentou, não quer experimentar, tem medo. E o medo está acabando com esse lado rebelde do jovem que foi tão importante na minha geração, nas gerações anteriores e posteriores. Agora de repente as pessoas vivem isso de uma maneira virtual, nas redes sociais e não se entregam à experiência, ao viver.
Por que o Lula insiste tanto? O cara fica insistindo em continuar candidato, mas é tudo besteira, porque não vão deixar, pode fazer o que quiser que não vão. Está escrito aí que os caras não vão deixar ele sair, infelizmente, porque uma eleição sem o Lula vai ser triste
SM – E a situação brasileira? Vejo você sempre com posturas progressistas no twitter e em franco desacordo com o golpe e os rumos que o país tomou desde então. Qual sua expectativa para estas eleições?
PC – Infelizmente vejo o Brasil num momento muito complicado. Converso muito sobre o Brasil com amigos, seja brasileiros, seja estrangeiros. Os estrangeiros são mais pessimistas do que eu sou. E eu não sei, francamente, como isso vai se desenvolver. Acho que o mundo caminha para um fundamentalismo generalizado. Eu não entendo algumas coisas, inclusive da esquerda. Por exemplo: por que o Lula insiste tanto? São coisas que ultrapassam meu entendimento, pô. O cara fica insistindo ali em continuar candidato, deve ter uma ótima razão, uns ótimos advogados, mas é tudo besteira, porque não vão deixar, pode fazer o que quiser que não vão. Está escrito aí que os caras não vão deixar ele sair, infelizmente, porque uma eleição sem o Lula vai ser triste. Torço para que Haddad e Manuela ganhem, mas quando eles resolverem entrar na corrida presidencial, poxa, os outros já comeram ali pela borda. Uma pena. O PT, realmente, de uma grande ilusão positiva se transformou numa grande decepção.
SM – Você narra no livro a tortura que sofreu durante a ditadura sem ter o menor envolvimento com política. Este episódio parece ter marcado profundamente sua juventude e a sua vida, tanto espiritualmente quanto politicamente. Por quê? Estar mais à esquerda é um reflexo disso?
PC – Não, estar mais à esquerda não é reflexo da tortura. A tortura infelizmente foi a pior experiência que tive na minha vida. As torturas, porque foram três. Uma em Ponta Grossa (PR) e duas no Rio de Janeiro. Sendo que eu conto como se tudo fosse em Ponta Grossa. Eu tinha ido com a minha namorada da Iugoslávia para lá, a mulher sabia atirar, vê se pode. Então isso me marcou demais, até para ter uma consciência do que é você estar abandonado à sua sorte, e não poder dizer nada, fazer nada, sua família sem saber onde você está, enfim, este abandono é muito triste. É uma maneira de quebrar você. A dor não é tanta, dói, mas depois passa. Mas a sensação de estar completamente impotente é uma das piores sensações e foi o que senti todas as vezes em que fui preso, a impotência de saber que eu não tinha nada para sair daquela situação. Eu dependia deles, das pessoas que me prenderam. Ainda bem que tive a ideia de usar a casa de saúde onde eu tinha sido internado -a internação não foi nada tão grave, na verdade foi um barato ser louco e conviver com loucos. Eu fiquei de 1974, que foi minha última prisão, até 1977 completamente paralisado de medo, é uma coisa que dura, que te acompanha 24 horas por dia, você acha que está sendo seguido. Aí eu fui morar em Londres e essa sensação se desfez. Mas estar mais à esquerda não é um reflexo disso. Acho que o Brasil precisa de justiça social, eu faço a minha parte através do meu instituto e agora da minha fundação. Ninguém vai para a esquerda porque foi torturado, as pessoas vão para a esquerda por outras razões. A tortura é uma maneira de assustar e não de te abrir a consciência.
LIVRO: Hippie
AUTOR: Paulo Coelho
EDITORA Paralela/Cia. das Letras, 288 págs., R$31,92

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